Escondida, funcionária que fez alerta sobre voo da Chape alega inocência

Escondida no Brasil, a boliviana Celia Castedo Monasterio convive com o medo depois de sofrer ameaças e ter sido acusada de negligência, mesmo após ter identificado problemas no plano de voo que levava a delegação da Chapecoense antes do avião da LaMia deixar a Bolívia. Apesar das observações, a aeronave decolou, e o resultado foi a tragédia que deixou 71 mortos no dia 29 de novembro. Mais de um mês depois, a ex-funcionária da Administração de Aeroportos e Serviços Auxiliares de Navegação Aérea da Bolívia (Aasana) recebeu o SporTV para uma entrevista exclusiva, com a condição de não ter o local de refúgio revelado.

Em uma conversa de mais de uma hora com o repórter Fred Justo, ela chorou ao lembrar de tudo o que passou desde o acidente e garantiu que não tinha o poder de evitar que a aeronave decolasse rumo à Colômbia, apesar dos problemas detectados. Segundo Celia, somente a Direção Geral de Aviação Civil (DGAC) da Bolívia poderia ter impedido a realização do voo que partiu de Santa Cruz de La Sierra.

– Não. Não a Aasana. Um “airways” não. Um funcionário nosso não. Quero esclarecer que nós recebemos esse plano de voo como uma formalidade, um documento de voo. Antes de apresentar isso, a linha aérea ou o piloto que queria realizar um voo não regular, se dirige aos escritórios da DGAC, e eles são os que solicitam a autorização, a empresa ou o piloto. Isso é o que eu queria esclarecer, que a DGAC é a única autoridade que pode impedir a decolagem de uma aeronave – disse.

Questionada sobre o motivo do órgão não ter impedido a decolagem, ela respondeu.

– Eu queria que essa pergunta fosse feita à DGAC.

Celia lembrou ter feito diferentes observações, mas considerou justamente o ponto referente ao combustível como o maior dos problemas –  o tempo de voo previsto (4h22min) era o mesmo registrado para a autonomia de combustível que tinha a aeronave.

– Das cinco observações, a que me chamou mais atenção e a qual reforcei três vezes foi a autonomia do voo. O combustível era exatamente para o tempo da rota. Mas, é claro, a parte de informação suplementar é de conhecimento unicamente da empresa aérea, a parte operacional. E o comando é do piloto ou do despachante do voo. Essa parte, a linha aérea é a única que pode fazer alguma modificação. Nós, como Aasana, como “airways”, não podemos realizar um pedido de modificação direta, que eles mudem a informação, porque somente eles sabem qual é o peso, o combustível que está na aeronave, peso e balanceamento que fazem.

Após o acidente, com a divulgação do plano de voo e do relatório de Celia, ela passou a receber ameaças. Ela reclama que não teve tempo suficiente para se defender e, por medo, decidiu deixar a Bolívia. Mais de um mês após o acidente, ela chorou ao falar que teme pela própria vida e da família.

– Nos dias depois do acidente recebi ameaças por escrito, de morte, dizendo que eu era culpada pelo acidente (lágrimas). Sim (tem medo), especialmente pelos meus filhos. Me assustei muito quando chegaram as ameaças. Estão diretamente me acusando de algo que eu sou inocente e estão me ameaçando sem saber a minha verdade, sem poder me defender e esclarecer às pessoas que eu não deveria receber a culpa, que sou inocente. Sei que às vezes as pessoas reagem de modo emocional e pouco a pouco vão se dando conta de que realmente eu não fui culpada pelo acidente – completou.

As ameaças chegaram depois da divulgação do relatório que continha as observações. No dia 3 de dezembro, a Promotoria da Bolívia denunciou a funcionária por não ter reportado a tempo as observações do plano de voo. Acusada de negligência, ela pode responder por homicídio culposo, quando não há a intenção de provocar o crime.

–  Recebi com espanto, me assustei muito. Para mim, foi um golpe muito duro porque num mesmo dia, numa mesma tarde, a instituição Aasana me fez perguntas investigativas, por uma advogada enviada de La Paz, um questionário de perguntas investigativas e sem que eu tivesse um advogado que me desse um suporte. Isso me foi negado. Meia hora depois, no mesmo dia, na mesma tarde, já me entregaram o processo interno, feito pela Aasana, sobre mim, no qual aponta que eu tinha 10 dias para me defender e provar minha inocência, com documentação, mas não me deram esses 10 dias. Terminei de receber esse processo administrativo e uma hora depois me informaram que o diretor regional estava em um Tribunal apresentando uma acusação formal contra mim, acusando-me diretamente. Já no Tribunal, tive todos os direitos subtraídos dentro da empresa, da instituição, não me deram nem um dia. Na mesma tarde abriram dois processos e me acusaram diretamente num Tribunal – reclamou.

O acidente ocorreu na madrugada do dia 29 de novembro. A aeronave, um Avro RJ-85, bateu em uma montanha ao ficar sem combustível a 17 km da pista do aeroporto José María Córdova, em Medellín. Das 77 pessoas a bordo, 71 morreram.

Confira outros assuntos abordados na entrevista:

Pedido de alteração no relatório
– No dia seguinte (ao acidente), me pediram por telefone, verbalmente, que mandasse um informe rápido sobre o que se passou no meu contato, no recebimento do plano de voo e que se explicasse de forma clara, como eu o recebi e o que aconteceu com a pessoa. Ou seja, que esclarecesse. Quando receberem no meu sistema, o meu informe, imediatamente me chamaram dizendo que modificasse o meu informe. No mesmo instante lhes respondi que não faria um novo informe. E que mandaria de novo o mesmo informe porque era as minhas observações e era essa a minha função (…). Meu superior imediato (pediu para alterar o documento).

Refúgio no Brasil
– Eu pedi refúgio ao Brasil porque vi que na Bolívia me subtraíram todos os direitos. Não me deram tempo para poder defender e provar a minha inocência, baseadas em documentos, em manual de funções. Em nenhum momento me deram o tempo devido. Eu fui acusada num mesmo dia, numa mesma tarde duas vezes. Ou seja, não me deram oportunidade na Bolívia de poder me defender. E me sentia ameaçada, estava assustada. Por isso, decidi vir para o Brasil. Para onde pude vir diretamente e dirigir-me à Polícia Federal, ao Ministério Público e dizer toda a minha verdade. E declarar tudo o que eu sabia e tudo o que estava acontecendo na Bolívia.

Consciência tranquila
– Em nenhum momento eu me senti responsável. Nem me senti, nem me sinto. Eu segui a minha função na Aasana. E não sou autoridade. Eu simplesmente sou um empregado da Aasana, que presta serviços para a navegação aérea. Nunca me senti responsável. Eu me sentiria responsável, caso não tivesse feito o meu trabalho de observar detalhadamente e minuciosamente o plano de voo, que é a minha função.

CARIRI EM AÇÃO 

Com SporTV.com/Foto: Reprodução

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