A Lei de Drogas (Lei 11.343) aprovada em 2006 – que endureceu penas para traficantes e as abrandou para usuários – é “um fator chave para o drástico aumento da população carcerária no Brasil”, afirma o 27º relatório global da organização Human Rights Watch, divulgado nesta quinta-feira (12).
O relatório faz uma análise da situaçao de direitos humanos ao longo de 2016 em mais de 90 países.
De acordo com o documento, em 2005, 9% dos presos no Brasil haviam sido detidos por crimes relacionados às drogas. Em 2014, eram 28%. Para a ONG, a falta de clareza da legislação acabou levando muitos usuários a serem condenados como traficantes.
“Embora a lei tenha substituído a pena de prisão para usuários de drogas por medidas alternativas, como o serviço comunitário – o que deveria ter reduzido a população carcerária -, sua linguagem vaga possibilita que usuários sejam condenados como traficantes”, diz o texto.
Pela legislação, aprovada em agosto de 2006, para definir se o preso é usuário de drogas ou traficante, o juiz deve analisar quesitos como quantidade apreendida, histórico do detido, condições da ação, antecedentes, etc. Mas para críticos, essa orientação abriu espaço para que decisões fossem tomadas por fatores subjetivos.
Para a diretora no Brasil da HRW, Maria Laura Canineu, “a lei deixou uma subjetividade grande na determinação de quem é traficante ou usuário. Pela nossa experiência e nas visitas que fazemos aos presídios, percebemos que há um número grande de pessoas cumprindo penas por porte de quantidade pequena de drogas. Em um caso em Pernambuco, conhecemos um réu primário de 19 anos que cumpre pena de 4 anos de prisão por portar 15 gramas de maconha”.
Condições desumanas
Além de apontar para a legislação – e suas distorções – como uma das principais razões para o aumento no número de detentos no Brasil, a ONG cita as rebeliões ocorridas em algumas cidades do país desde o início do ano e alerta para a situação precária dos presídios do país e os casos de violação dos direitos humanos nesses locais.
Segundo dados citados pelo documento, mais de 622 mil adultos estão atrás das grades, 67% a mais do que as prisões comportariam.
“As condições desumanas nas prisões e cadeias brasileiras são um problema urgente. Superlotação e falta de agentes penitenciários e técnicos tornam impossível às autoridades prisionais manter o controle nos estabelecimentos prisionais, deixando detentos vulneráveis à violência e às atividades de facções criminosas”.
O documento ressalta ainda que as mesmas práticas, consideradas desumanas, são aplicadas em centros socioeducativos que abrigam menores infratores.
“Em vez de promover a educação e a reabilitação de crianças e adolescentes, os centros serviam como locais de punição e isolamento”, afirma o relatório, que se baseia nas visitas do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura a nove instalações desse tipo em três Estados do Brasil.
O documento alerta que algumas crianças e adolescentes relataram agressões de funcionários em unidades infestadas de ratos e baratas e sem condições sanitárias ou ventilação adequadas.
O documento da HRW também cita avanços nos últimos anos, como as audiências de custódia, que ajudam os juízes a decidir quem ficaria em prisão preventiva e quais acusados aguardariam o julgamento em liberdade.
Para a HRW, essas audiências podem ajudar a diminuir a superlotação, já que reduziriam o número de presos provisórios.
“Com relação ao relatório do ano passado, não podemos dizer que houve alguma melhoria no sistema carcerário. Mas se houve avanços, eles são as audiências de custódia e a consolidação do trabalho do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que já mostrava, em seus relatórios, que a situação carcerária em Manaus, por exemplo, era uma bomba relógio”, disse a diretora do Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu.
Abusos policiais
O relatório da Human Rights Watch também alerta para o aumento do ciclo da violência no Brasil provocado por abusos policiais – como execuções extrajudiciais e tortura – cometidos dentro e fora das prisões.
Segundo dados do Fórum Nacional de Segurança Pública, mais de 3 mil pessoas foram mortas por policias em 2015. No mesmo período, foram mortos 393 policiais.
De acordo com a ONG, embora uma parcela das mortes por policiais sejam resultados de confrontos, algumas são decorrentes de execuções extrajudiciais, que alimentam a violência prejudicando a segurança pública e colocando em risco a vida de policiais por causa de ações de retaliação.
Nesse sentido, a ONG critica a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a anulação do julgamento dos 74 policiais envolvidos na morte de 111 detentos na prisão do Carandiru, e afirma que “apesar das provas contundentes de que a polícia teria executado os presos”, um dos juízes afirmou que o ato teria sido em legítima defesa.
“Enquanto não houver responsabilização por estes crimes e abusos – dos presos e dos policiais – eles vão ter uma espécie de carta branca para continuarem agindo dessa forma”, disse Maria Laura Canideu.
CARIRI EM AÇÃO
Com Ultimo Segundo/Foto: Google
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