A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp, divulgou nesta terça-feira (7) cinco casos de violação cometidas por cientistas que solicitaram financiamentos de pesquisas ou já recebiam verbas da instituição mantida pelo governo paulista, que teve orçamento de R$ 1,1 bilhão em 2013 em desembolso destinado ao fomento da ciência.
As acusações, entre elas a de falsa coautoria, plágio e fabricação de dados, foram analisadas sob sigilo pela fundação dentro da política de “Boas Práticas Científicas”, criada em 2011, reforçada por uma portaria de 2013 que prevê a publicação dos nomes por tempo determinado no site da instituição, além das más condutas e da punição concedida.
A intenção é criar a consciência de autorregulação e autocontrole no setor acadêmico para evitar novas irregularidades.
Atualmente há 15 investigações de fraudes em andamento e outras 25 finalizadas, sendo que dez delas concluíram que o pesquisador teve má conduta científica. Cinco processos e respectivas punições já foram divulgados (leia abaixo) e outros cinco ainda serão publicados.
Casos analisados
De acordo com a Fapesp, receberam sanções os pesquisadores Andreimar Martins Soares, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto; Javier Amadeo, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Antonio José Balloni, do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em Campinas; Flávio Garcia Vilela, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, em Pirassununga; e Cláudio Airoldi, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Soares foi acusado de utilizar figuras já publicadas em artigos de outros autores em uma tese de doutorado da qual ele foi o orientador. Foi acusado de má conduta científica grave (se não intencional, ao menos por negligência grave) e punido com o cancelamento de bolsas concedidas pela Fapesp, além de ser impedido de solicitar novos recursos.
Amadeo foi processado por plágio após reproduzir em seu trabalho de pós-doutorado, sem aspas (o que descaracteriza um a citação), um trecho de 30 linhas do livro “As Revoluções do Poder”, de Eunice Ostrensky. Ele foi acusado de saber da falha e ser negligente, e terá que devolver as mensalidades recebidas da bolsa, além de ficar impedido de obter novos auxílios.
Balloni também foi acusado de plágio – o que teria sido reconhecido pelo próprio denunciado, segundo a Fapesp. Em consequência disso, ficou impedido de solicitar auxílio por um ano.
Vilela é acusado de falsa autoria de artigos incluídos na plataforma Lattes, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Por isso, também perdeu financiamentos e está impedido de pedir verbas à Fapesp por três anos.
Airoldi foi denunciado por utilizar imagens fraudadas em 11 artigos em que foi coautor. Por seis meses ficará impedido de solicitar investimentos à fundação. O pesquisador já havia respondido a processo pelos mesmos estudos na própria Unicamp, que recomendou a aplicação da pena de 45 dias de suspensão ao docente.
O G1 procurou todos os autores. Flávio Vilela, Javier Amadeo e Antonio José Balloni retornaram, por e-mail. Flávio Vilela disse que “foi julgado de maneira unilateral pela Fapesp” e que sua defesa será feita no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. “O processo será agora decidido por um juiz de direito e não mais pela Fapesp”, explicou Vilela.
Javier Amadeo afirmou que reconheceu o erro sobre a citação do livro, mas acrescentou que não houve má fé na utilização das referências. “Isso, na minha visão, diferencia o erro da má conduta científica. Lamentavelmente essa não é a interpretação da Fapesp. Tentei recorrer do processo, mas a Fapesp não aceito o recurso e, portanto, a decisão foi mantida apesar dos meus argumentos.”
Balloni afirmou que o processo de acusação de plágio é “em grande medida, injusto”.”Minha pesquisa é genuína, inovadora e inédita. Sem a menor sombra de plágio ou coisa que o valha”, afirmou. Ele diz que sua suspensão por um ano acabou em abril deste ano, e que a fundação não deveria ter mencionado seu nome em relação a algo que já prescreveu. Balloni argumenta ainda que seu processo de defesa não foi completado. “Dois últimos documentos meus não foram analisados e tive o direito de defesa cerceado”, afirma.
Segundo Balloni, o problema identificado em seu trabalho foi na parte da revisão teórica. “A pressa em submeter o plano de trabalho à Fapesp e a sobrecarga de trabalho me induziram a não fazer algumas citações adequadamente dentro das normas previstas pela ABNT. Longe de querer aproveitar-me de trabalhos alheios, prejudicar autores, roubar ideias ou causar qualquer outro mal, tudo que tenho a dizer é que foi uma lamentável desatenção de minha parte – que deve ser relevada.”
O cientista diz ainda que os textos usados na fundamentação de seu trabalho “têm similares encontrados em dezenas de outras produções acadêmicas”. “Nada que foi usado (..) para contextualizar o projeto de bolsa Fapesp era inédito nem de fundamental importância para a proposta: ao contrário, minha proposta, sim, é que é inédita”, defendeu-se.
“Um exemplo do que os analistas da Fapesp se valeram é a definição de qui-quadrado (uma ferramenta estatística criada pelo matemático britânico Karl Pearson em 1900 e que nem o autor ‘plagiado’ lembrou de citar): há no mínimo centenas de livros e artigos que trazem essa definição. Portanto, deixar de citar pode até desmerecer involuntariamente o autor do texto, mas nada de inédito, inovador, moderno há ali que venha a ser reciclado e mereça ser tachado de plágio”, argumenta. “A academia deveria olhar mais de perto a questão do que é ou não plágio”, concluiu.
Transparência nas universidades
De acordo com Luiz Henrique Lopes dos Santos, assessor da diretoria científica da Fapesp, a ideia de divulgar as más condutas e as punições é apenas um dos elementos da política de Boas Práticas Científicas. Segundo ele, o foco maior é garantir que as instituições “coloquem a integridade científica na pauta, fomentar a transparência e evitar o corporativismo”.
“Queremos gerar na sociedade a percepção de que, embora em qualquer atividade humana há gente honesta e desonesta, a Fapesp está empenhada em preservar a integridade científica”, disse Santos.
Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, defende a atitude da Fapesp em divulgar os nomes e os erros como forma de preservar a integridade científica.
“O eles estão fazendo é aquilo que a gente quer e briga como sociedade civil: transparência, tudo com direito a ampla defesa [dos acusados]. Caso não fizesse isso, poderia ser acusada de acobertar”, explica.