Cármen Lúcia propõe que Supremo não reivindique reajuste que o MPF já pediu

Os ministros do Supremo Tribunal Federal realizam nesta quarta-feira uma reunião administrativa. Discutirão o Orçamento do Judiciário para 2018. A ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte, submeterá aos colegas uma peça que exclui qualquer previsão de reajuste salarial. Com isso, ela toma distância da pauta sindical do Ministério Público Federal. E deixa mal a futura procuradora-geral da República Raquel Dodge, que assume o cargo no mês que vem, mas já avalizou um pedido de aumento de 16,38% para os contracheques dos procuradores.

As propostas orçamentárias do Judiciário e da Procuradoria têm de ser remetidas até 31 de agosto ao Congresso, junto com as previsões de receitas e despesas do Poder Executivo. Os ministros do Supremo estão divididos sobre o reajuste. Entretanto, num instante em que a União está endividada até a raiz dos cabelos do contribuinte, é improvável que a maioria dos ministros troque a sensatez de Cármen Lúcia pela agenda sindical impopular dos procuradores. Mesmo os ministros que consideram o reajuste necessário, tendem a constatar que ele é não é possível.

A posição da presidente do Supremo não contraria apenas a vontade dos procuradores. Azeda também os humores dos juízes brasileiros, que esperavam tomar carona no reajuste dos ministros do Supremo, tonificando seus próprios vencimentos. O aumento de 16,38% para procuradores e juízes consta de projetos de lei que já tramitam no Congresso desde o ano passado. Foram aprovados na Câmara. Mas o Senado enviou-os ao freezer. Sem previsão orçamentária, as propostas perdem o sentido.

Hoje, os ministros do Supremo recebem salário mensal de R$ 33,7 mil. Com o reajuste, a cifra iria para R$ 39,2 mil. Esse vencimento serve de teto para as demais remunerações do serviço público. Nenhum servidor pode ganhar mais do que isso. A remuneração do procurador-geral da República é igual. Portanto, os procuradores só poderiam ter aumento se os magistrados do Supremo concordassem.

Levantamento feito pela Consultoria de Orçamento do Senado no ano passado revelou que a eventual aprovação do projeto que reajusta o salário dos ministros do Supremo pode empurrar para a ilegalidade as folhas salariais de tribunais de Justiça de pelo menos sete Estados. Incluindo-se na análise o Ministério Público e os tribunais de contas estaduais, o risco de desrespeito aos limites legais para despesas com salários pode se repetir em 17 Estados.

O aumento para os ministros do Supremo produz um efeito cascata que se estende da União para os Estados. Quando sobem, os contracheques das togas da Suprema Corte levam junto as remunerações de legiões de servidores, dentro e fora do Poder Judiciário.

No caso dos tribunais de Justiça dos Estados, a repercussão é instantânea. O problema é que vários desses tribunais flertam com o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita as despesas com a folha do Judiciário a 6% da RCL, sigla de Receita Corrente Líquida dos Estados.

De acordo com o estudo do Senado, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo já ultrapassou o limite máximo de 6%. Gasta com salários o equivalente a 6,2% da receita. Os tribunais do Tocantins e da Paraíba já ultrapassaram o limite prudencial de 5,7% da receita. Rio de Janeiro, Ceará, Piauí e Maranhão romperam o limite legal de alerta, aproximando-se perigosamente do chamado limite prudencial.

No caso do Ministério Público dos Estados, que também seria alcançado pela cascata de reajustes, a situação é ainda mais grave. Mais da metade dos Estados que apresentam informações fiscais disponíveis já estão com despesas de pessoal de seus promotores acima do limite de alerta.

O documento estima que, considerando-se toda a repercussão em cascata, o eventual reajuste salarial dos ministros do Supremo pode gerar um impacto financeiro anual superior a R$ 4,5 bilhões. Num instante em que o governo cogita elevar o rombo fiscal de 2017 para além da meta de R$ 139 bilhões negativos, uma farra salarial desse tipo representaria um tapa na cara dos 14 milhões de brasileiros sem contracheque.