Uma criança engatinha sobre um tatame e toca na mão e na perna de um artista nu durante uma performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). A cena fez disparar alertas de monitoramento das redes sociais a serviço do prefeito da capital paulista, João Doria Júnior, do PSDB. Sempre que as interações com a página do tucano no Facebook concentram 5% de comentários, compartilhamentos ou curtidas sobre um mesmo assunto, sua equipe de comunicação digital avalia se o prefeito deve ou não se posicionar. As redes sociais são seu palanque. Naquela sexta-feira, dia 29 de setembro, a taxa alcançou 13% de engajamento, acima do padrão. Uma internauta pediu ao prefeito que enviasse um representante da prefeitura para “acabar com aquela pouca-vergonha”. Recebeu como resposta do perfil oficial de Doria que o MAM era uma instituição autônoma, na qual ele não pode interferir. Mas os seguidores insistiam em um posicionamento claro do prefeito que fala sobre quase tudo.
Foi só no sábado, dia 30, depois de limpar bueiros, tapar buracos e plantar uma árvore em Pirituba, na Zona Oeste, que Doria tomou pé da celeuma. Dentro do carro, a caminho de outro compromisso, foi alertado por um auxiliar sobre a contenda do MAM. Mostraram-lhe o vídeo e apresentaram um relatório sobre o teor dos comentários. Um assessor aconselhou Doria a se manifestar. Era uma oportunidade para se projetar num tema que desperta ódios e paixões em setores do país. Outro importante auxiliar foi contra: como prefeito, Doria nada tinha a ver com aquela escorregadia confusão. Foi voto vencido. “A arte é muito ampla, mas tudo tem limite”, disse o prefeito no Facebook, ao classificar a apresentação como “libidinosa”. A fala foi aprovada pela maioria de seus seguidores.
Pré-candidato à Presidência pelo PSDB – embora ainda não admita –, João Doria é talvez o político brasileiro mais afeito à forma de lidar com o eleitor pelos meios digitais. Sua apresentação como “não político” arrojado, empresário de sucesso “focado em gestão”, que tem grande popularidade num meio desafiador, lhe proporciona um assédio constante de políticos. Estão todos interessados em pegar uma carona em sua possível escalada; estão interessados também no que pode resultar da disputa fratricida entre ele e seu padrinho político, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também pré-candidato à Presidência pelo PSDB.
Esses atributos fazem com que Doria seja visto como o novo, num momento em que o velho está desgastado – e até encarcerado pela Operação Lava Jato. Doria até tenta evitar, mas as viagens e entrevistas sobre temas nacionais o colocam na clara posição de pré-candidato à Presidência. Doria aparece com 10% de intenções de voto, o mesmo que Geraldo Alckmin, no cenário mais favorável na última pesquisa Datafolha – no menos favorável, tem 6%. Ambos estão atrás do ex-presidente Lula, o líder, da ex-senadora Marina Silva e do deputado Jair Bolsonaro e sua plataforma de ódio. Na quarta-feira, dia 4, em seu gabinete, que tem uma bela vista para parte do centro de São Paulo, ele foi instado por ÉPOCA a falar de eleição. Em um hipotético segundo turno entre PT e PSDB, os tucanos deveriam aceitar o apoio de Bolsonaro? “Numa eleição, não se recusa apoio”, diz Doria, sem hesitar. Subiriam juntos no mesmo palanque? “O palanque é uma decisão para o início do ano que vem”, afirma. “Quanto mais partidos, mais tempo de televisão, mais oportunidade de você apresentar suas propostas.” Visto como o novo, Doria ainda roda o software antigo da política, da repisada fórmula de amplas alianças em troca do tempo para propaganda.
Composições em alianças agigantadas têm como consequência o presidencialismo de coalizão – que se transforma em cooptação –, expressão máxima do governo do presidente Michel Temer, do PMDB. Um modelo antigo, persistente, desgastado perante a opinião pública e problemático em termos de governabilidade, com uma perigosa tendência ao balcão de negócios, em que a base aliada oferece seus votos ao governo mediante liberação de emendas e cargos públicos. Foi por meio dele que o Brasil chegou aos bilionários desvios escancarados pela Lava Jato. Seria, então, o presidencialismo de coalizão um modelo sustentável? “É o que existe. E, sendo o que existe, você tem de admiti-lo. Quando mudar, você terá um novo modelo. Se vier o parlamentarismo, aí você analisa. Hoje, é o que temos.” Mas não seria justamente esse o discurso dos malfalados “políticos tradicionais”? “Por que seria?”, Doria devolve a pergunta. Talvez a população queira alguém que não reze por essa cartilha. “Aquilo que eu… É… Processo… Gestão transparente, gestão eficiente, gestão inovadora, capacidade transformadora”, diz. Um assessor alerta que o tempo da entrevista está acabando.
Doria não parece preocupado com o impacto para sua imagem ao defender o governo Temer, o mais impopular da história das pesquisas, considerado ótimo ou bom por apenas 3% da população. Argumenta que este “governo de transição” de Temer é “o melhor para o Brasil”. “Há uma certa insistência em macular sua trajetória, feri-lo. Mas não condeno o Ministério Público, nem os investigadores da Lava Jato pelo fato de buscarem, com a investigação, a elucidação dos fatos para dar melhor transparência sob aspectos que a eles parecem irregulares. A melhor forma de fazer isso é investigando, verificando”, diz. Se a melhor forma de elucidar é apurar, então a Câmara deveria aceitar esse pedido da Procuradoria-Geral da República para investigar Temer? “Vou ter de responder com um pouco de diplomacia. A Câmara é que deve decidir isso. Não tenho mandato”, diz Doria. “Tenho responsabilidade de dirigir a cidade de São Paulo. Sobre os temas da cidade, eu me manifesto.”
No dia 30 de agosto, uma quarta-feira, Doria deixou a cidade para se manifestar em uma palestra para empresários em Campina Grande, uma das maiores cidades da Paraíba. É algo que ele fazia rotineiramente nos tempos de presidente do Lide, sua empresa de eventos. Articulou para que o senador Cássio Cunha Lima, ex-governador da Paraíba, e seu filho Pedro Cunha Lima, deputado federal, ambos tucanos, participassem do encontro. Os Cunhas Lima pouco conhecem Doria. Fizeram campanha para o senador afastado Aécio Neves em 2014 e estão mais inclinados a apoiar Geraldo Alckmin. A convite de Doria, os dois foram a São Paulo e embarcaram em seu jato particular, um Embraer Legacy 650, prefixo PR- JDJ (as iniciais de seu nome), avaliado em US$ 30 milhões. Durante o voo, o senador estabeleceu uma conversa cordata, mas franca, com Doria. Disse que na política era preciso saber o tempo das coisas, que existe uma fila a ser respeitada. Doria ouviu, deu corda. Ao desembarcar, Doria distribuiu abraços e fez selfies. Discursou para centenas de empresários e terminou em cima de uma cadeira, enquanto os alto-falantes tocavam o “Tema da vitória” – tan-tan-taaaam, tan-tan-taaam, a musiquinha das vitórias de Ayrton Senna. No voo de volta, um assistente de Doria perguntou ao senador Cunha Lima a quem ele preferia dar a mão no palanque para pedir votos no Nordeste: a Doria ou a Alckmin?
Doria está focado em convencer o PSDB que deve ser ele o candidato à Presidência da República. “Não sou um tucano tradicional”, diz. “Eu me posiciono, eu tenho lado.” Recebeu sinalizações de lideranças, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que precisa tornar-se competitivo se quiser prevalecer sobre Alckmin. Doria defende que a decisão leve em conta pesquisas de intenção de voto e sejam realizadas prévias entre os filiados. “Fazer uma escolha dessa ordem entre quatro ou cinco pessoas seria a alternativa mais condenável, a pior para o PSDB”, diz Doria. “O mundo das redes [sociais] talvez quisesse se manifestar para ajudar.” Tem a seu lado o prefeito de Manaus, Artur Virgílio Neto, que também quer disputar prévias para ser candidato a presidente. Mas até o maior dos entusiastas tucanos da iniciativa sabe que é quase impossível realizar uma eleição com 1,2 milhão de associados até março.
A relação com Aécio Neves beirou o rompimento quando Doria declarou que o mineiro deveria deixar a presidência do PSDB para se defender das acusações da JBS. Passou. Recentemente, Doria foi recebido em Belo Horizonte pelo aliado de Aécio, senador Antonio Anastasia – este, sim, o mais próximo do não político no cenário nacional. “Hoje você transmitiu esperança e evocou até, sob certo aspecto, a fala de Juscelino [Kubitschek], na década de 1950”, disse Anastasia em seu discurso no evento. A cada uma dessas constantes viagens para fora de São Paulo, Doria se reúne com lideranças regionais de diversos partidos. Quase sempre, sua equipe cadastra previamente os contatos dos líderes e cria um grupo de WhatsApp para “manter o debate”. Os efeitos ainda são incipientes. Na última pesquisa Datafolha, a rejeição a Doria cresceu de 16% para 25% entre abril e setembro, quando ele começou a viajar mais.
Como o apoio a Alckmin é sedimentado no estado de São Paulo, Doria busca suporte em outros estados e partidos. O flerte com legendas como DEM e PMDB, das quais já recebeu convite para se filiar, é uma carta valiosa no jogo de forças no PSDB, mas não necessariamente uma alternativa. “Se ele está fazendo isso com o Alckmin, imagine o que poderia fazer no partido”, diz uma liderança do DEM. Com o PSD de Gilberto Kassab – com quem jogava futebol há 40 anos no clube Pinheiros –, Doria está em franco diálogo. “Henrique Meirelles poderia continuar como ministro da Fazenda em um governo do PSDB”, diz Doria. Lembrado que Meirelles também é pré-candidato à Presidência, Doria afirma que ele seria bom ministro, não o melhor candidato.
Empolgado, o entorno de Doria acredita que, caso o PSDB prefira Alckmin, será possível criar uma aliança competitiva em outro partido e arrebanhar em torno de seu nome DEM, PSDB, PSD e PP, além do apoio de entidades como o Movimento Brasil Livre, capaz de grande barulho nas redes sociais e que tenta captar a juventude tucana. A turma espera que Doria se assuma pré-candidato até março. “Nós temos o dedo no pulso”, diz Daniel Braga, o estrategista pessoal de Doria para redes sociais. “O João conversa e entende a população. Sabe o que está fazendo.” Políticos, em geral, pensam assim.
CARIRI EM AÇÃO
Com Época /Foto: Google
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