O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), marcado para a próxima quarta-feira (24), reacendeu o debate a respeito da Lei da Ficha Limpa.
Sem entrar no mérito do processo envolvendo o petista, advogados ouvidos pela Folha avaliam que a mobilização gerada pelo caso dará novo impulso às críticas a pontos controversos da lei.
Resultado de uma iniciativa popular que obteve 1,6 milhão de assinaturas, a Ficha Limpa foi aprovada com quase unanimidade pelo Congresso em maio de 2010 —teve apenas um voto contrário na Câmara, o do deputado Marcelo Melo (PMDB-GO), que disse na ocasião ter errado os botões no momento da votação.
Sancionada sem vetos pelo próprio Lula em junho daquele ano, a norma pode agora impedir a candidatura do petista, primeiro colocado nas pesquisas, à Presidência da República.
Lula foi condenado pelo juiz Sergio Moro a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Uma confirmação da decisão pelo Tribunal Federal Regional da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, bastaria para torná-lo inelegível, segundo a lei.
A Ficha Limpa determina que políticos condenados por decisões colegiadas (tomadas por mais de um juiz) ficam impedidos de disputar cargos públicos por no mínimo oito anos, mesmo sem o caso ter recebido sentença definitiva.
A lei, entretanto, estabelece um efeito suspensivo —um político condenado tem a possibilidade de também recorrer a instâncias superiores, que poderão liberar ou não a candidatura até o julgamento final dos recursos.
Desse ponto surgem dois dos principais questionamentos à Ficha Limpa. Barrar um candidato não fere a soberania popular de escolher seus candidatos?
E também não seria um atentado ao princípio de presunção de inocência, uma vez que o candidato fica inelegível sem a Justiça ter concluído seu processo?
A depender da resposta, pode-se considerar a Ficha Limpa uma “vitória da cidadania, da democracia participativa”, como já declarou o ministro do STF Ricardo Lewandowski, ou, segundo outro integrante da corte,Gilmar Mendes, uma “lei tão mal feita que parece que foi feita por bêbados”.
“O grau de civilidade de um país se mede pela presunção de inocência”, diz Erick Pereira, presidente da comissão eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
“O cenário atual cria uma grande incerteza. Em toda eleição, temos muitos casos de candidatos condenados que concorrem por meio de liminares. Um político pode passar uma campanha inteira numa quase inelegibilidade, sem que o eleitor saiba que desfecho o caso terá. Isso, de certa forma, é uma fraude eleitoral, pois o eleitor está sendo enganado.”
Ele defende que candidatos deveriam ser barrados somente após uma primeira decisão condenatória no TSE ou no STJ, e não nas cortes de segundo grau. “Isso uniformizaria as decisões pelo país e consolidaria a inelegibilidade aos olhos da população.”
“Há um problema de fato na Ficha Limpa”, argumenta Karina Kufa, presidente do Instituto Paulista de Direito Eleitoral. “Mesmo que o STF não tenha essa interpretação, não é legítimo, do ponto de vista constitucional, que uma pessoa fique inelegível antes de condenação definitiva.”
Ela acredita que a Ficha Limpa abriu caminho para que o Supremo autorizasse também a prisão de réus condenados a partir de sentença de segunda instância. “Agora que o Supremo dá sinais de que irá rever a questão das prisões, a Ficha Limpa também pode passar por revisões. Os rumos do caso Lula podem contribuir para isso.”
Idealizador da Ficha Limpa, o ex-juiz federal Márlon Reis discorda dessas interpretações. É preciso levar em conta, diz, a diferença entre sanção e condição.
“A lei eleitoral não determina uma sanção, uma punição, mas sim uma condição. Ou seja, exigem-se alguns requisitos para alcançar o direito da candidatura. Isso não tem nada a ver com punição. Por isso a Ficha Limpa não se submete ao princípio da presunção de inocência.”
Essa mesma razão, diz Reis, dá base legal a outro ponto contestado: a aplicação da Ficha Limpa a fatos anteriores a sua criação. Não sendo uma lei penal, ela pode retroagir, defende o ex-juiz, hoje pré-candidato da Rede a governador de Tocantins.
Relator da Ficha Limpa na Câmara quando era deputado pelo PT e ex-ministro da Justiça no governo Dilma, José Eduardo Cardozo manteve-se um defensor da lei, sobretudo da possibilidade de efeito suspensivo da condenação de segunda instância.
“Eu previa na época anomalias de condenações arbitrárias, por isso defendi essa possibilidade. Agora essas anomalias se verificam na realidade, com a condenação absurda de Lula.”
CARIRI EM AÇÃO
Com Folha de São Paulo/Foto: Reprodução Marco Rodrigo Almeida
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