O advogado e codiretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral Luciano Santos diz que esse projeto busca livrar da perda do mandato cerca de 200 prefeitos e vereadores, eleitos em 2016, e alguns deputados. Esse grupo de políticos se elegeu e assumiu por meio recursos judiciais que, em tese, podem ser derrubados em breve, pela decisão do STF.
— Não é a primeira vez que a Lei da Ficha Limpa sofre um ataque, mas sempre houve uma mobilização para evitar que isso aconteça. Toda vez que tem algum assunto que pode afetar os políticos, tem uma reação muito rápida do Legislativo. Coisa que não acontece com outros temas.
A Lei da Ficha Limpa estabelece que se tornam inelegíveis “os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado [caráter definitivo] ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos oito anos seguintes”.
“Parece-nos inaceitável, por exemplo, que a extensão de prazos de inelegibilidade, sejam os já encerrados ou aqueles ainda em curso, e já objeto de sentenças judiciais, possa conviver em paz com os postulados do estado de direito. Esses casos configuram, de modo inequívoco, salvo artifícios populistas e puramente retóricos, um claro exemplo de retroatividade de lei nova para conferir efeitos mais gravosos a fatos já consumados”, justifica o deputado no projeto de lei.
Procurado, o deputado Marquezelli nega que a lei tenha sido redigida para beneficiar políticos.
— Não se pode condenar uma pessoa por algo que não existia há dez anos. Eu propus essa lei justamente para esclarecer ao Supremo que a lei não pode retroagir, salvo para beneficiar o réu, como diz a Constituição.
Questionado sobre prefeitos e vereadores que poderiam se livrar da cassação, o parlamentar disse desconhecer esses casos.
O requerimento para tramitação em regime de urgência foi apresentado pelo deputado Leonardo Quintão (MDB-MG) e assinado pelas lideranças de 22 partidos.
O advogado especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, concorda com o projeto e diz que a justificativa faz sentido.
— Fazendo um paralelo, a Lei da Ficha Limpa retroagir seria como se você chamasse alguém que já cumpriu uma pena para ser preso novamente, porque a pena para aquele crime foi aumentada posteriormente.
Antes da Ficha Limpa, a maior parte das inelegibilidades era de três anos, o que na opinião de Luciano Santos era “algo irrisório”.
— Justamente por isso, o Supremo entendeu que deveria ser estendida para oito anos, em uma das muitas discussões que se teve sobre a lei.
Rollo diz ainda que a maioria do STF entendeu que a inelegibilidade não caracteriza uma pena, o que ele discorda. “É sim uma punição, uma sanção”, argumenta.
Os ministros que votaram favoráveis à aplicação da Ficha Limpa para condenações anteriores a 2010 entenderam que o fato de o político não poder ser candidato é uma perda de direito e não uma pena.
O professor de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Diogo Rais avalia que “haverá um custo multo alto [em relação à opinião pública], que envolve a credibilidade do Legislativo, em aprovar lei dessa espécie”, mas concorda que a decisão do Supremo é polêmica.
— O Supremo decidiu com cuidado e controvérsia. Agora, o Legislativo usa de seu poder, ainda que com controvérsia, para mudar a norma. Ambos estão atuando de alguma maneira com base nos seus poderes.
Para o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), não há necessidade de se discutir qualquer alteração na Lei da Ficha Limpa neste momento.
— A Lei da Ficha Limpa já foi objeto, desde a sua origem, de exame muito apurado no Congresso Nacional e no próprio Supremo Tribunal Federal. Se o uso da lei revelar imperfeições, os tribunais podem agir, aplicando as correções necessárias para o resguardo dos direitos. Mas eu não percebo fatos concretos que justifiquem qualquer mudança.