Presidente tem de receber tratamento diferenciado, diz ministro da Justiça

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, 68, defende que o presidente Michel Temer tenha um tratamento diferenciado em razão do cargo que ocupa.

Foi o argumento usado por ele para criticar a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso de quebrar os sigilos bancários e fiscal do presidente, no período de 2013 a 2017, no inquérito que investiga a suspeita de pagamento de propina na edição de um decreto do setor portuário.

Jardim disse à Folha que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, precisa acertar o passo com o seu antecessor, Rodrigo Janot.

Isso porque Dodge, ao contrário de Janot, pediu a inclusão do emedebista no inquérito que apura repasses da Odebrecht ao MDB em 2014, período anterior ao mandato presidencial de Temer. O ministro revelou que se discutiu decretar um estado de defesa no Rio de Janeiro, que autoriza a restrição de reuniões e a quebra de sigilos.

Folha – Por que o sr. discorda da quebra dos sigilos do presidente?
Torquato Jardim – Acho equivocada porque inclui períodos em que ele (Temer) não era presidente. Essa é a questão. O decreto dos portos se refere a 2017. Se ele [Barroso] tem dúvidas e indícios, tem de motivar e fundamentar o ato e se conter ao período em que ele [Temer] já era presidente.

A quebra do sigilo no período do mandato é, portanto, aceitável.
Seria tecnicamente e processualmente correto. Mas pede ponderação. Não se fez isso com nenhum presidente até hoje. É preciso termos conhecimento claro e objetivo das razões que levam à quebra do sigilo –mas somente do período em que ele está no cargo. Caso contrário, cria suspeita contra o cargo de presidente. Não é sobre apenas a pessoa, mas a incolumidade da função. Ele tem funções essenciais de chefe de Estado que ficam prejudicadas com essa suspeita não fundamentada. O Brasil nas próximas três ou quatro semanas, liderando o Mercosul, deve talvez fechar acordo comercial com a União Europeia. No auge de uma negociação, sai uma notícia de impacto comercial. É obvio que há prejuízo.

Então o presidente deveria ter tratamento diferente dos outros cidadãos se existe uma suspeita de corrupção?
Sim, porque ele é presidente e a Constituição permite isso. Se fosse para ser tudo igual, não haveria o parágrafo 4, artigo 86 (de que o presidente “na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”).

Há divergências sobre o entendimento do parágrafo 4.
Sempre haverá divergências. Eu estou dando a minha opinião.

Ministros do STF e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tiveram outro entendimento.
Não é o meu. Quando você interpreta a Constituição, interpreta a Constituição. A compreensão de outros, e não vou nomear, é interpretar a Constituição como se fosse cláusula de Direito Processual Penal.

O presidente não pode ter o sigilo quebrado se há suspeita de corrupção?
Se for um fato circunscrito ao exercício do mandato, sim, desde que muito bem fundamentado. Isso é o que eu quis dizer. Pelo dano que se causa à instituição Presidência da República.

A procuradora-geral errou ao incluir Temer no inquérito da Odebrecht referente a repasses ao MDB em 2014?
Quem tem de acertar o passo é ela com o Janot [Rodrigo Janot, ex-procurador-geral]. O Janot arquivou.

Janot, então, agiu melhor que a Dodge?
A minha interpretação é a do Janot.

Mas não incluí-lo no inquérito não passa a ideia de que o presidente está acima do bem e do mal?
Não, quem diz isso é a Constituição.

Há a possibilidade de o presidente ser alvo de novas denúncias por irregularidades.
Não creio, a investigação está muito longe disso. Não há o que justifique isso.

Mas ele ainda tem mais nove meses no cargo.
Aí é ficção científica e eu não comento ficção científica.

A execução da pena deve ocorrer após condenação em segunda instância?
Sim, sempre fui a favor.

É necessário que o STF rediscuta o tema neste momento?
O problema que o STF enfrenta é institucional, interno e grave. Tem de decidir porque essa insegurança prejudica todo o sistema. A grande razão é a isonomia econômica. Pobre não tem advogado bacana para recorrer em Brasília e vai para a cadeia.

É possível fazer isso mesmo com a discussão de que seria um casuísmo por causa do ex-presidente Lula?
Pois é, o fator Lula perturba a oportunidade do debate. Mas deve ser feito neste momento, sim, o mais rápido possível, independentemente do Lula.

O senhor não concorda com a ministra Cármen Lúcia de que rediscutir isso agora seria apequenar o STF?
Acho que a corte tem de enfrentar as questões constitucionais fundamentais demandadas pela sociedade. E “timing” é irrelevante, o fator pessoal de quem quer que seja não pode afetar o “timing”. Não estamos falando de Lula, estamos falando de milhares de brasileiros. Essa indisciplina intelectual da instituição perturba.

A intervenção federal solucionará o problema da insegurança no Rio?
Vai solucionar, mas não em poucos meses. Com o tratamento de choque, haverá bons resultado. Será feita nova avaliação em dezembro. Dependendo do presidente que for eleito, pode haver entendimento para não suspender.

Se não resolver com a intervenção federal, pode-se adotar medida mais drástica, como estado de defesa?
O estado de defesa é mais drástico porque suspende algumas garantias constitucionais, porém, funciona apenas 30 dias prorrogáveis por mais 30 dias. Esse é o problema. Isso foi muito considerado.

O estado de defesa, então, não foi adotado por causa do tempo?
Pelo tempo. O tempo do estado de defesa não pode ser superior a esse período, está na Constituição. Por que ele é no curto prazo mais violento? Porque restringe reunião, mesmo que sindical e de associações, quebra sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica e telefônica. Isso é muito severo, muito forte.

Ele está descartado para o futuro?
Neste governo, está descartado.

CARIRI EM AÇÃO

Com Folha de São Paulo/Foto: Reprodução.

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