O que tem a ver a morte da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e o assalto à Agência dos Correios de Serra Branca, na Paraíba? Aparentemente, apenas o fato de serem ações criminosas. Mas a coisa vai mais além. As investigações mostraram, em comum, o uso das munições do Lote UZZ-18, de propriedade da Polícia Federal, e que foram roubadas por bandidos. O Ministério Público Federal (MPF), na Paraíba, quer saber como isso acontece. Por isso, instaurou procedimento para apurar como é feito o controle de rastreabilidade de munições de uso permitido e restrito no território nacional.
O alvo principal são as munições destinadas aos órgãos e agentes de segurança pública no país. De início, o procurador da República Antônio Edílio Magalhães Teixeira se reuniu com a Polícia Federal na Paraíba. Na ocasião, importantes questões foram discutidas e esclarecidas. Na sequência, foram enviados ofícios com solicitação de informações à Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, órgão vinculado ao Exército Brasileiro (EB), à Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) e à Superintendência da Polícia Federal na Paraíba. O procurador estabeleceu prazo de 10 dias, a partir do recebimento, para as respostas aos ofícios.
Exército
Ao Exército, o MPF solicitou informar a justificativa técnica para que a exigência de gravação do número do lote e da identificação do adquirente nos estojos das munições não alcance os artefatos comercializados para todas as instituições referidas no Estatuto do Desarmamento, a exemplo de munições comercializadas para empresas de segurança, agentes policiais, do Judiciário, do Ministério Público e da Receita Federal, dentre outros.
O MPF também quer saber por quais razões o Exército limita a exigência de gravação do número do lote a alguns tipos de munições (para armas de fogo com calibres .380, .38, .357, 9mm, .40, .45, 5,56mm, .30, 7,62mm e .50; e calibre 12), em vez de exigir marcação para toda munição comercializada aos órgãos listados no Estatuto do Desarmamento.
Identidade
Outro objetivo do MPF é saber se a atual sistemática de gravação repetida do mesmo identificador (número do lote), na base dos estojos de milhares de munições do mesmo tipo, compromete o controle de rastreabilidade dos artefatos. Cita o MPF, por exemplo, a munição 9mm do Lote UZZ-18, utilizada no assassinato da vereadora Marielle Franco e no assalto aos Correios em Serra Branca, na Paraíba. Com a mesma identificação (munição 9mm Lote UZZ-18), foram produzidas e comercializadas 1 milhão e 359 mil unidades pela Companhia Brasileira de Cartuchos.
Dentre os 10 itens solicitados ao Exército, o MPF ainda pergunta se a CBC passa por auditorias regulares realizadas pelo Exército e qual a periodicidade dessas auditagens.
À Companhia Brasileira de Cartuchos, o Ministério Público Federal indaga se a limitação imposta pelo Departamento Logístico do Exército, através de portaria que estabelece o lote padrão de comercialização de 10 mil cartuchos de munição por lote, alcança a venda de munições para os órgãos referidos no Estatuto do Desarmamento. Caso isso ocorra, o MPF pede que a CBC informe a razão pela qual o Lote UZZ-18, vendido ao Departamento de Polícia Federal, em 2006, foi composto de 1 milhão e 359 mil munições do tipo CBC 9mmLuger Etog 1246R A e 500.000 munições do tipo CBC 9mmLuger+P+Expo 115GR Gold A, todas com a mesma marcação de identificação, e se houve autorização do Exército para a produção e comercialização da munição 9mm em tais quantidades, no mesmo lote, e com igual e repetido padrão de identificação.
Da CBC, o MPF ainda quer saber se há viabilidade técnica, operacional e econômica para identificar individualmente cada munição, de forma a tornar eficiente a rastreabilidade de tais produtos. Não havendo, pede que a Companhia de Cartuchos informe sobre a viabilidade de limitar em, no máximo, mil unidades de munições, por tipo e lote, para possibilitar a rastreabilidade minimamente efetiva.
Por fim, o MPF pede que a Companhia informe se adota a marcação individualizada ou utiliza algum padrão de individualização mais limitado (lotes menores, por exemplo), nos estojos de munições fornecidas pela CBC ao comércio exterior, para qualquer país.
Polícia Federal
À Polícia Federal, o Ministério Público solicita que informe se a instituição possui sistema ou mecanismo informatizado de controle e de rastreabilidade de munições, fornecidas pela PF aos policiais ou adquiridas diretamente por eles perante fornecedores autorizados. Pede, ainda, que informe se a circunstância da repetição do mesmo marcador de identificação UZZ-18 nos estojos de mais de um milhão e trezentas mil munições do mesmo tipo (9mm) inviabilizou o rastreamento quando da apuração de extravio interno, perda, furto ou roubo e quando da investigação da utilização do artefato no assalto aos Correios de Serra Branca.
Crime organizado – No despacho em que determinou a solicitação de informações ao Exército, CBC e PF, o procurador Edílio Magalhães considera a real possibilidade de munições das forças de segurança acabarem, de alguma forma, em poder do crime organizado e cita, como exemplo, estudo do Instituto Sou da Paz, segundo o qual, nos anos de 2014 a 2017, o maior número de munições, apreendidas com criminosos no Rio de Janeiro, foi de pistolas 9mm (27,44%), seguido de munição de fuzil 7,62mm (14,07%), ficando as munições de pistola .40 (10,17%) e de fuzil 5,66 mm (8,46), respectivamente, em 4º e 5º lugares. Isso significa que, dentre os cinco maiores tipos de munições apreendidas, quatro correspondem a artefatos de uso restrito, o que equivale a 60,14% do material apreendido.
Lote UZZ-18
A Companhia Brasileira de Cartuchos já informou ao MPF que o Lote UZZ-18 é composto de 2.463.000 munições e 24.000 cartuchos. Nesse lote, com a mesma marcação de identificação no culote dos estojos, foram produzidas 1.859.000 munições calibre 9mm (1.359.00 munições CBC 9mmLuger Etog 1246R A e 500.000 munições CBC 9mmLuger+P+Expo 115GR Gold A) e repassadas ao Departamento de Polícia Federal, em 2006. Conforme noticiado pela imprensa, parte dessa munição, utilizada no assalto aos Correios em Serra Branca e no assassinato da vereadora Marielle Franco, também teria sido empregada na Chacina de Osasco (SP) e por organizações criminosas no Rio de Janeiro em diversos crimes.
CARIRI EM AÇÃO
Com Blog do Suetoni/Foto: Blog do Suetoni
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