A Justiça de São Paulo impediu um cidadão de utilizar palavrões no registro de domínios de internet. Para a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), um cidadão não tem o direito de registrar domínios www.fodase.com.br, www.cu.com.br e www.piroca.com.br.
“O registro e o uso das expressões propostas (“fodase”, “cu” e “piroca”) é totalmente impróprio e aberrante quando feita uma comparação com as finalidades de individualização e distinção assumidas pela propriedade industrial diante do público, nada justificando sua utilização para identificar pontos virtuais, expressando o desrespeito total às regras técnicas de composição dos nomes de domínio, efetivada uma agressão generalizada e sem sentido aos padrões de civilidade”, escreveu o desembargador Fortes Barbosa, relator do caso.
A decisão, de 20 de junho, se deu depois de Reginaldo Fonseca de Souza perder o pleito em 1ª instância contra o Comitê Gestor da Internet (CGI), que regula o registro de nomes de domínios no país. O processo tramita sob o número 0026872-90.2016.8.26.0002.
No recurso, ele argumentou que a sua liberdade de expressão estava sendo violada, com fundamento nos artigos 5º, incisos IV, IX e XIV e 220, §§1º e 2º da Constituição.
Para o apelante, a “potencialidade informacional de um site não pode ser descartada pelo singelo fato de constar no endereço eletrônico uma palavra de ‘baixo calão’, não podendo um discurso ‘pseudo-moralista’ relativizar uma garantia constitucional”.
Segundo o desembargador, porém, a composição de um nome de domínio, mesmo em sites de natureza institucional, não visa transmitir ideias ou promover a transmissão de informações. Por isso, não caberia a argumentação de cerceamento à liberdade de expressão do pensamento.
Fortes Barbosa lembra que nenhum direito tem caráter absoluto. Todos podem sofrer limitações quando, em situações concretas, há colisão ou conflito com outros direitos. Para ele, não é admissível toda e qualquer expressão do pensamento, cabendo excepcionar as situações anômalas, das quais o discurso de ódio, a pedofilia e a zoofilia são os “exemplos mais gritantes, repugnantes e grotescos”.
“Não há, portanto, como reconhecer a alegada violação ao disposto nos artigos 5º, inciso IX e 220, §§1º e 2º da Constituição da República e o indeferimento combatido se sustenta, impondo-se a manutenção da improcedência da ação, tal como decretada em primeira instância”, entendeu o magistrado.
O desembargador destacou que, no âmbito internacional, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (AICANN) implementou regras mínimas para o registro de domínios.
Fortes Barbosa lembrou que elas reproduzem os mesmos limites estabelecidos para o registro de marcas exposto na lei 9.279/1996, que veda “expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes”, com o objetivo de evitar “o escândalo e a injúria”.
Palavrões e a liberdade de expressão
A argumentação contra a possibilidade do registro feita pelos desembargadores paulistas, porém, é questionada por alguns advogados especializados em liberdade de expressão. Marco Antônio Sabino, sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, avalia que a questão cai em uma clássica análise: palavrões são protegidos pelo Direito de se expressar livremente?
“Minha opinião é polêmica nesse assunto, mas avalio que utilizar palavrões no registro de um domínio é exercício da liberdade de expressão. Por si só, não é ilícito nem incita o ódio”, diz Sabino.
Ele pondera que a situação precisa ser analisada dentro do contexto. “O problema é proibir palavras em abstrato. O que não pode acontecer é extirpar palavras da linguagem, que é muita mais rica do que o dicionário”, diz.
Sabino faz uma analogia com a questão da pornografia e até que ponto ela está protegida pela liberdade de expressão. “O palavrão, na escala do que é grotesco, está alguns níveis abaixo da pornografia.
Posso não gostar, posso achar de mau gosto, mas não posso proibir a pornografia, porque seria proibir a liberdade de expressão”, afirma Sabino. Gerente jurídica do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e do CGI, Kelli Angelini avalia que a liberdade de expressão não é um direito absoluto.
Para ela, a tese de liberdade de expressão usada no processo para obrigar o registro de nome de domínio é “forçada”. “O direito de se manifestar não está sendo cerceado por não conseguir o registro de um domínio”, afirma. Ela explica que, no contexto do processo, o CGI argumentou, embora o desembargador não tenha citado em sua decisão, que os nomes que o cidadão tentou registrar já estavam reservados pelo Comitê.
Isso aconteceu porque no início da década o CGI decidiu reservar alguns palavrões para evitar que fossem utilizados. Outros domínios, como www.vadia.com.br e www.perereca.com.br, por exemplo, também estão reservados pelo CGI e não podem ser usados por usuários. Na ferramenta Whois é possível ver quais os nomes disponíveis para registro.
Kelli Angelini ressalta ainda que todos os nomes de domínio que não estão reservados ou já registrados podem vir a ser objeto de registro. Cabe ao titular se responsabilizar por eventuais danos causados. A opinião é compartilhada pelo advogado Caio Lima, sócio do escritório Opice Blum Advogados Associados. Segundo Lima, não há um fundamento que legitime esse registro de domínio na internet. “O princípio da liberdade de expressão não é ilimitado. Poderiam usar o conteúdo desse domínio para ofender outras pessoas. É uma restrição”, diz. “No meu entendimento, o magistrado decidiu bem porque o conteúdo que potencialmente seria hospedado violaria o direito de terceiros.”
CARIRI EM AÇÃO
Com Polêmica Paraíba/Foto: Reprodução Internet
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