No Brasil, 148 pessoas morrem por dia devido a erro em hospitais públicos e privados. Ao todo, 54.076 pacientes perderam a vida por esta razão em 2017, ano da pesquisa divulgada nesta quarta-feira (15) pelo 2º Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, produzido pelo IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar) e pelo Instituto de Pesquisa Feluma, da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
Os 148 óbitos diários por imperícia hospitalar se aproximam das 175 mortes violentas intencionais registradas por dia em 2017, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no último dia 9.
O documento se refere a esses óbitos como “eventos adversos graves”, listando como exemplos infecção generalizada, pneumonia, infecção urinária, infecção do sítio cirúrgico, complicações com acessos e dispositivos vasculares. Erro no uso de medicamentos e complicações cirúrgicas, como hemorragia, também preocupam.
“Meu marido passou 3 dias infartando” diante dos médicos
Hemorragia interna é a suspeita para a morte do empresário André Pereira Venâncio, 47, em janeiro do ano passado. Sua mulher, a empresária Kelly Cristhian de Paiva, 44, reclama na Justiça punição ao hospital Santa Cecília, na zona oeste de São Paulo. Ela acusa a unidade de saúde e o Grupo NotreDame Intermédica por “seguidos erros médicos, imperícia, imprudência e descaso”.
Venâncio fazia compras em uma feira livre quando sentiu fortes dores no peito e nas costas. Ele começou a vomitar e parou de sentir a perna e o braço esquerdos.
Socorrido, chegou ao pronto-socorro Santa Cecília, onde esperou por uma hora para a triagem. Na ocasião, o médico diagnosticou gastrite infecciosa. Antes da alta, prescreveu soro, Buscopan e Dramin, para hidratar e aliviar dor e enjoo.
Mas, sem melhora no quadro e ainda vomitando, o empresário acabou voltando ao mesmo hospital na manhã do dia seguinte. “O médico deu uma injeção para dor e deu alta novamente”, conta Kelly.
À noite, os dois retornaram ao local, agora com o paciente vomitando sangue. Foi novamente diagnosticado com gastrite infecciosa. Às 2h22, chegou o resultado da tomografia: “derrame pericárdico”, um acúmulo de plasma ou sangue na membrana que envolve o coração.
Por volta das 4h50, ele foi levado às pressas para a emergência e entubado. “Estava com rompimento da veia aorta do abdômen”, conta Kelly. “Ele passou três dias infartando na mão de diversos médicos.”
No início daquela manhã, Venâncio morreu, deixando três filhos, um deles com nove anos. “O menor assistiu ao pai morrendo na minha frente”, relata a mulher.
“Morro um pouco a cada dia”, lamenta Kelly. “Entreguei minha vida aos tratamentos psicológico e psiquiátrico.”
Procurados, o hospital Santa Cecília e o Grupo NotreDame Intermédica responderam por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa na qual afirmam que “o paciente André Pereira Venâncio deu entrada no Hospital Santa Cecília com sintomas inespecíficos, os quais foram investigados dentro do ambiente de emergência do hospital, no tempo adequado, sempre considerando o quadro clínico apresentado”.
“Inicialmente, não havia evidências clínicas de dissecção de aorta, sendo que foi medicado e apresentou melhora. Quando retornou no dia seguinte, com quadro clínico alterado, foi iniciada nova investigação. Apesar dos exames de método gráfico e laboratoriais se mostrarem normais, foi procedido o aprofundamento da investigação com a realização de tomografia computadorizada, chegando-se ao diagnóstico (que tem uma elevada mortalidade), porém, o paciente veio a falecer, não havendo tempo suficiente para instituir o tratamento cirúrgico.”
Número de mortes está subestimado
A quantidade de mortos por imperícia hospitalar, no entanto, está subestimada, afirma o superintendente-executivo do IESS, Luiz Augusto Carneiro. “O fato de os hospitais analisados no estudo serem considerados ‘de primeira linha’ indica que a média nacional projetada a partir da amostra estudada provavelmente está subestimando o problema”, diz. “É possível que ainda mais brasileiros morram por eventos adversos do que o detectado.”
O especialista afirma que, proporcionalmente, “temos no Brasil mais eventos adversos do que em outros países”. “A falta de transparência de informações e desempenho impede a comparação entre os prestadores, o que é ruim para o sistema e para o cidadão”, opina.
Mortes custam mais de R$ 10 bilhões em 1 ano
O estudo estima que essas mortes custaram R$ 10,6 bilhões apenas para o sistema privado no ano passado. “Não foi possível estimar as perdas para o SUS (Sistema Único de Saúde) porque os valores pagos aos hospitais se originam das AIHs (Autorizações de Internações Hospitalares) e são fixados nas contratualizações, existindo outras fontes de receita não operacionais, com enorme variação em todo o Brasil”, informa o anuário.
Para Carneiro, uma das principais razões para tamanho desperdício é a forma como as operadoras de saúde remuneram seus prestadores de serviço, o chamado “fee-for-service”. “Estamos premiando o desperdício”, resume. “Nesse modelo, as organizações com maior incidência de eventos adversos e que apresentam piores índices de recuperação da saúde dos pacientes são recompensadas com um aumento das receitas pelo retrabalho.”
Nos Estados Unidos, diz, o governo não paga, desde 2008, pelos gastos gerados por 14 tipos de eventos adversos. “É natural que, se os gastos partiram de um erro do hospital, a entidade arque com esses custos adicionais em vez de transferi-los ao paciente.”
No Brasil, dentre os principais eventos adversos, cinco não contam com qualquer programa de prevenção ou combate, tanto no SUS quanto na rede privada: parada cardiorrespiratória passível de prevenção, insuficiência renal aguda, aspiração pulmonar, hemorragia pós-operatória e insuficiência respiratória aguda.
O anuário aponta que as regras que regem o sistema de saúde suplementar também não ajudam. “A norma definida pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) restringe o descredenciamento de prestadores, exigindo substituição equivalente ou superior, inibindo a concorrência”, descreve o estudo.
O anuário avaliou 182 hospitais entre públicos e privados, mas não informou a quantidade em cada um dos casos.
Uol/Foto: Internet