O que é que os candidatos têm?

Ao final do período de registro de candidaturas, em 15 de agosto, passou a ser possível conferir a declaração de bens de todos os candidatos no sistema de divulgação online do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Alguns candidatos à Presidência chamaram mais a atenção. Henrique Meirelles (MDB) e João Amoêdo (Novo) apontaram uma fortuna superior a 350 milhões de reais cada. Já o ex-presidente Lula mostrou que seu patrimônio cresceu quase dez vezes em relação ao seu último informe eleitoral de bens, em 2006, pulando de 839 mil reais para quase 8 milhões.

Mas, apesar da fortuna desses candidatos ter ganhado destaque, o sistema da Justiça Eleitoral também explicitou velhas distorções: a falta de transparência nas declarações e a subavaliação do patrimônio dos candidatos.

Eleição após eleição, os candidatos declaram ao TSE imóveis e outros bens pelo valor da compra, ignorando a valorização dessas propriedades ao longo do tempo. Essa manobra permite que os candidatos informem um patrimônio menor do que o real.

Os informes sobre bens também pouco revelam sobre eventuais conflitos de interesse que os candidatos podem ter em relação ao cargo pretendido, sua evolução patrimonial e a fonte de renda.

A falta de atualização nos valores de imóveis faz com que alguns candidatos pareçam menos ricos do que de fato são. É o caso do ex-governador Geraldo Alckmin. O candidato à Presidência pelo PSDB declarou ao TSE possuir em 2018 um apartamento de 323 mil reais. O valor informado por Alckmin permaneceu o mesmo em suas declarações de 2006, 2008, 2010, 2014, quando ele também se candidatou, sem considerar qualquer valorização no período.

Uma imobiliária de São Paulo que oferece um apartamento no mesmo edifício tem uma avaliação bem diferente: 1,1 milhão de reais.

O mesmo ocorre na declaração da ex-presidente Dilma Rousseff, que concorre neste ano ao Senado. Assim como em 2010 e 2014, ela apontou em 2018 possuir um imóvel de 118 mil reais em Belo Horizonte. O valor permaneceu o mesmo em todos esses anos. Trata-se de um apartamento no edifício Solar, no centro da capital, que pelos valores de mercado não sai por menos de 500 mil reais.

Já Lula, apesar do salto do seu patrimônio nos últimos 12 anos, informou que seus imóveis em São Bernardo do Campo (SP) ainda têm o mesmo valor de 2006. Seu apartamento de três quartos no edifício Green Hill aparece com o valor de 189 mil reais. Segundo imobiliárias da região, uma unidade no mesmo condomínio ultrapassa facilmente meio milhão de reais. A mesma subavaliação acontece com dois outros apartamentos do ex-presidente na cidade.

Jair Bolsonaro (PSL), por sua vez, declarou nesta eleição possuir um apartamento de 69m² no plano piloto de Brasília com valor de 240 mil reais. É o mesmo valor que apareceu em seus informes em 2010 e 2014. No site de uma imobiliária da capital, um apartamento com dimensões iguais e no mesmo edifício aparece por 720 mil.

Falta de regras

Essa defasagem evidente nas declarações não é ilegal, mas é favorecida pela falta de regras. A Lei Eleitoral determina que todos os candidatos entreguem uma lista de seus bens, mas não obriga a informar valores atualizados. Em geral, a maioria dos candidatos prefere preencher a relação usando como base alguns dados das suas declarações do imposto de renda, mesmo que isso não seja atualmente exigido pela Justiça Eleitoral. Nada impede que eles indiquem o valor atualizado do seu patrimônio.

A natureza das declarações à Receita Federal acaba favorecendo a distorção, já que o Fisco determina que o valor da compra não pode ser atualizado nos formulários. Isso ajuda a Receita a taxar a diferença entre o preço original e o de venda.

Essa prática de usar parte da declaração do Fisco também pode gerar distorções curiosas. Dilma Rousseff informou nesta eleição possuir um “veículo automotor” de 30.642 reais. Trata-se do mesmo valor que a candidata indicou em 2014 como sendo de um “automóvel Fiat Tipo” modelo 96. Tal veículo, com mais de 20 anos de uso, hoje mal alcança quatro mil reais em revendas.

Segundo Guilherme France, consultor da Transparência Internacional, pessoas que se candidatam a mandatos eletivos são menos cobradas em suas declarações ao TSE do que um cidadão que tem que declarar seus impostos ao fisco. “A receita exige metragem do apartamento, número de inscrição, entre outros”, diz. “É um nível de detalhamento muito maior.”

France também aponta que o problema das declarações não se limita à defasagem no valor de imóveis. “As declarações são muito abstratas. O candidato diz possuir X em ações sem indicar as empresas ou que tem alguns terrenos, mas sem informar a região. Se os dados fossem detalhados, seria possível verificar um possível conflito de interesses no caso de o candidato ser eleito e encaminhar projetos que influenciem no valor desses bens”, disse. “Também não há informações suficientes sobre a renda dos candidatos e a evolução patrimonial deles.”

De acordo com o consultor da Transparência, o incentivo para prestar informações precisas é reduzido pelo próprio TSE. “A Justiça Eleitoral não considera fraude ou aplica sanções a candidatos que preenchem declarações falsas”, disse. Dessa forma, o sistema atual de declaração acabando sendo uma mera formalidade.

“O ideal seria que os candidatos usassem mesmo as informações detalhadas do imposto de renda, mas indicando o valor atualizado dos imóveis. Também seria preciso exigir a declaração de familiares para verificar se não ocorreram transferências para ocultar bens”, completou.

Transparência

A partir deste ano, ficou ainda mais complicado para o eleitor obter as informações que já eram escassas sobre o patrimônio dos candidatos. O sistema de divulgação de candidaturas do TSE não está disponibilizando por enquanto o item “descrição” na relação de bens dos candidatos. Antes, o sistema de registro informava, por exemplo, modelos de veículos, o nome de empresas em que os candidatos têm participação e os endereços de imóveis.

Por enquanto, o TSE só disponibiliza informações genéricas, como “veículo automotor” e “apartamento” ou “casa” ao lado dos valores. Em 2014, o apartamento de 323 mil reais de Alckmin (ou mais de um milhão de reais no mercado), era indicado com a informação de que está localizado no Edifício Pitangueiras, um das cinco torres de um condomínio em São Paulo. Em 2018, sua declaração cita apenas um “apartamento de 323 mil reais” sem nem mesmo mencionar o município.

Na semana passada, o TSE informou que as mudanças ocorreram para dar “mais agilidade” ao sistema de consultas. Após alguns jornais terem apontado que as mudanças resultaram em menos transparência, o tribunal informou que ia reverter a medida e pedir aos candidatos detalhes sobre os bens. Nesta sexta-feira (17/08), no entanto, o sistema continuava sem apresentar qualquer listagem detalhada.

Msn/Foto: Reprodução