A cada 10 brasileiros, 8 tomam remédio por conta própria, diz pesquisa

A automedicação é praticada por 79% dos brasileiros com mais de 16 anos.

É o que revela pesquisa do ICTQ (instituto de pós-graduação para profissionais do mercado farmacêutico), feita em setembro deste ano, em 129 municípios das cinco regiões do país.

Para o cardiologista Marcos Vinícius Gaz, do Hospital Israelita Albert Einstein, o fácil acesso é uma das razões para o uso indiscriminado de remédios no Brasil.

O índice de quem admite tomar remédio sem prescrição médica chega a 91% na faixa etária de 25 a 34 anos.

Foram ouvidas 2.126 pessoas, e a margem de erro do levantamento é de dois pontos.

“Qualquer pessoa pode comprar um analgésico no balcão da farmácia como se fosse um chiclete. Muitas vezes, até sem a orientação do farmacêutico”, afirma o médico.

“Todo mundo sempre tem um remédio para indicar quando você reclama de dor. Me indicavam, eu tomava, mas a dor voltava”, conta Ana Silmara Azevedo, 44.

Diagnosticada com hérnia de disco, a auxiliar administrativa chegou a procurar o pronto-socorro em intervalos de 20 dias com dor intensa, antes de receber o tratamento correto.

Ana Silmara descobriu que havia desenvolvido a síndrome dolorosa miofascial, problema muscular relacionado à hérnia de disco.

O problema na coluna foi corrigido com cirurgia, e hoje ela toma o remédio prescrito pelo médico para os sintomas neurológicos da doença.

O risco da automedicação é conhecido pelas pessoas. Uma pesquisa feita no ano passado com 416 pessoas que se automedicavam quando sentiam dor mostrou que 90% delas sabiam que isso é perigoso.

O estudo é da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Botucatu (interior de SP).

Indicações da bula, experiências anteriores com o remédio e opiniões de amigos e familiares foram motivos mais apontados pelos participantes da pesquisa para escolher o remédio, segundo o professor Guilherme de Barros, chefe do Departamento de Anestesiologia da faculdade.

“Só é aceitável tomar um medicamento por conta própria quando previamente orientado pelo médico, que já examinou, identificou a doença, conhece a pessoa e deixou a orientações para a situação específica”, afirma Gaz.

Diferentemente dos analgésicos de venda livre nas farmácias, os anti-inflamatórios devem ser vendidos com a apresentação de receita médica. Na prática, porém, a regra não costuma ser cumprida.

O uso contínuo desses medicamentos apresenta riscos maiores do que os analgésicos simples, segundo Hazem Adel Ashmawi, anestesiologista membro da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor.

O especialista explica que os remédios anti-inflamatórios trazem grande melhora da dor, o que motiva o paciente a continuar recorrendo a eles.

A pessoa, no entanto, não identifica o perigo, já que as complicações não aparecem imediatamente.

A maioria dos anti-inflamatórios age inibindo a produção de uma enzima responsável pela produção da substância que causa a inflamação e a dor.

O problema é que o medicamento também inibe a enzima que controla, entre outras funções, o fluxo sanguíneo dos rins e a produção de muco gástrico.

Por isso, o uso indiscriminado de anti-inflamatórios provoca frequentemente úlceras no estômago e lesões renais, afirma o anestesiologista.

Outros riscos da automedicação são a interação medicamentosa, que precisa ser avaliada por profissionais, e as alergias, já que vários medicamentos são combinações de princípios ativos e podem esconder em suas fórmulas compostos aos quais o paciente é sensível.

Na opinião de Marcos Gaz, o maior perigo é camuflar sintomas de algo mais grave. A dor melhora, a pessoa fica tranquila, e o problema vira uma bola de neve.

Responsável pelo tratamento de Ana Silmara, Marcos Pai, médico do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP, afirma que a automedicação prolongada escondeu o problema muscular dela, que é difícil de ser tratado.

Ter profissionais de saúde cada vez mais perto do paciente pode ser a solução, aponta Gaz.

Artifícios como a telemedicina (que possibilita atendimento médico online ou por telefone) e clínicas de atendimento rápido são exemplos de alternativas, mais seguras e práticas, à automedicação.

Folha press