Após flexibilizar a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) para beneficiar municípios que tiveram perda de arrecadação, o Congresso pode abrandar ainda mais a legislação para ampliar a margem de gasto com pessoal.
Está pronto para ser votado no Senado um projeto de lei de Otto Alencar (PSD-BA) que deixa de considerar como gasto com pessoal despesas com servidores de programas sociais instituídos pela União, mas executados pelas prefeituras.
Caso seja aprovada, a proposta retiraria da conta de despesa com pessoal o custeio de servidores de programas como Cras (Centros de Referência de Assistência Social), Caps (Centros de Atenção Psicossocial), Programa Saúde da Família e conselhos tutelares.
Na prática, a medida amplia a margem para que prefeitos cheguem ao limite de 54% da receita corrente líquida com pessoal, evitando reprovações de contas e uma possível inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa.
Apesar de ainda não ter sido apreciada pelo Congresso, a flexibilização já é uma realidade em pelo menos três estados.
Tribunais de Contas da Bahia, de Rondônia e do Piauí adotaram interpretações que retiraram do gasto com pessoal as despesas com funcionários de programas federais de atenção básica à saúde.
As cortes têm autonomia de julgamento.
A postura mais branda fez despencar o número de prefeitos que tiveram as contas rejeitadas.
Na Bahia, a flexibilização foi adotada em agosto deste ano.
No início do ano, o presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Angelo Coronel (PSD), ameaçou extinguir o TCM (Tribunal de Contas dos Municípios).
“Do jeito que está vamos ter de sugerir o fechamento, que é uma prerrogativa da Assembleia”, afirmou em uma reunião com prefeitos.
O tribunal foi criticado também pelo governador Rui Costa (PT). Ele afirmou que “tem gente que tem o prazer mórbido de rejeitar contas de prefeitos”.
O TCM aprovou a flexibilização por quatro votos a dois, mesmo com parecer contrário das assessorias técnica e jurídica do órgão.
Contrário à medida, o conselheiro Paolo Marconi afirma que o novo entendimento resultou em uma “escandalosa e reiterada mutilação” da LRF.
Em nota técnica, a Secretaria do Tesouro Nacional, ligada ao Ministério da Fazenda, manifestou preocupação com as divergências de interpretação da lei de responsabilidade.
A mudança fez com que o número de contas rejeitadas despencasse entre os prefeitos baianos, por exemplo.
Das 131 contas referentes a 2017 julgadas neste ano, 121 foram aprovadas com ressalvas, e apenas dez foram reprovadas.
No ano anterior, 213 dos 417 prefeitos de cidades baianas tiveram suas contas rejeitadas -51% do total.
Autor do projeto que quer expandir a flexibilização para todos os municípios do país, Alencar defende a aprovação da proposta alegando que a criação dos programas federais não previa recursos para que as prefeituras os financiassem.
“O governo federal está fazendo cortesia com o chapéu alheio. As cidades ricas podem financiar os programas voluntários, mas as pequenas e pobres, sobretudo do Nordeste, não têm condições”, afirma.
Ele diz que, com a perspectiva de rejeição de contas, políticos têm desistido de disputar prefeituras.
“Quem é sério não quer mais ser prefeito neste país.”
Os prefeitos fazem coro ao abrandamento da lei. “O que a União nos passa é insuficiente para custear os programas”, diz Eures Ribeiro, prefeito de Bom Jesus da Lapa, no oeste baiano, e presidente da União dos Municípios da Bahia.
FolhaPress