debate sobre mudanças nas regras de ocupação dos cargos de tabelião e registrador nos cartórios de notas e registros públicos tem sido travado no Congresso há mais de 20 anos. No momento, tramita a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2014, apresentando, na verdade, em 1997, com o objetivo de criar uma lei específica sobre o preenchimento da titularidade desses serviços.
O PLC 30/2014 tem como meta modificar a chamada Lei dos Cartórios (Lei 8.935, de 1994), que estabelece a habilitação em concurso público de provas e títulos como ponto de partida para a delegação da atividade notarial e de registro.
O objetivo do projeto é o de restringir as exigências de ingresso da norma apenas a quem ainda não atua como titular desses cartórios. Para quem já tem essa titularidade, uma eventual transferência de serventia seria feita por remoção, e não por concurso público.
Além da aprovação em concurso de provas e títulos, a Lei dos Cartórios impõe outros requisitos para delegação do serviço: nacionalidade brasileira; capacidade civil; quitação com obrigações eleitorais e militares; graduação em Direito; e conduta condigna para o exercício da profissão. A proposta interfere justamente nessa etapa de ingresso.
Caso o PLC 30/2014 passe no Congresso, os interessados nessa disputa não poderão ter ainda condenação transitada em julgado por crime contra a administração ou fé pública e deverão comprovar o exercício, por pelo menos três anos, no cargo de escrevente em serventia notarial ou de registro, em cargo equivalente em serventia judicial, na advocacia ou em qualquer outra carreira jurídica.
Experiência
Diversos dispositivos da proposta flexibilizam exigências de ingresso na hipótese de remoção. Um exemplo é a previsão de reserva das serventias “mais complexas” para preenchimento por remoção por quem já é tabelião ou oficial de registro, restando as serventias “menos complexas” para ocupação pelos aprovados em concurso público.
A adoção dessa sistemática modificaria a atual forma de ocupação das delegações vagas, pela qual, alternadamente, dois terços são preenchidas por concurso de provas e títulos e um terço, por remoção.
“Essa modificação tem por intento dar prioridade aos mais experientes na atividade. Cabendo consignar que, os candidatos menos experientes na ocupação das serventias menos complexas, mediante concurso público de provas e títulos, com o passar dos anos serão os candidatos mais experientes à ocupação das serventias mais complexas por remoção mediante concurso de títulos”, ressalta o relator na CCJ, senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), manifestando-se pela aprovação do PLC 30/2014, com emendas.
A defesa da valorização da experiência na ocupação dos cartórios de notas e registros públicos se repete à medida que o relator analisa outras ações pela remoção. Uma delas é garantir concurso apenas de títulos na remoção para serventias de mesma natureza.
Outra é dispensar os candidatos a remoção dos requisitos para ingresso na atividade notarial e de registro, com exceção da exigência de “conduta condigna para o exercício da profissão”, que deve permanecer.
A lista de benefícios nessa disputa incluiria ainda a dispensa da realização de provas eliminatórias para candidatos a remoção para serventias de outra natureza. Assim, eles participariam da seleção a partir da prova classificatória e não mais teriam de se submeter a provas sobre matéria técnica e administrativa e de Direito ligada à natureza da serventia e de conhecimentos gerais.
Contestação
Apesar de avaliar a iniciativa encaminhada pelo PLC 30/2014 como “bastante louvável”, Cássio Cunha Lima registra, no relatório, a posição contrária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à sua aprovação.
Para a instituição, a proposta cria uma “reserva” para preenchimento de serventias vagas por remoção em favor de quem já foi titular de outro cartório, “o que equivale ao retorno ao velho critério de entrega das serventias extrajudiciais como concessão de privilégios pessoais”.
“Também entendeu aquele órgão que ‘a não-exigência da comprovação de conhecimentos jurídicos para o exercício de cada atividade específica, ademais, possibilitará a manutenção de baixa qualidade na prestação do serviço público, com inegáveis reflexos nas relações sociais e econômicas, nessas incluídas a comercialização e a concessão de financiamento, tendo bens imóveis como garantia’”, acrescenta Cássio Cunha Lima.
Emendas
A partir das críticas da CNJ, o relator decidiu aproveitar seis emendas apresentadas ao PLC 30/2014 pelo senador Paulo Bauer (PSDB-SC). Essas sugestões foram condensadas em quatro emendas, que também levam em conta mudanças defendidas por Cássio Cunha Lima.
O relator admite que a manutenção do texto aprovado pela Câmara poderia dar margem a “severas críticas”. Reforçando a argumentação do CNJ, considerou, no parecer, que o conjunto de medidas abriria brecha “para a criação de privilégio em favor dos já titulares de outra delegação para assumir qualquer serventia vaga, quando da abertura de concurso público de outorga de delegações de notas e de registro”.
“Nesse sentido, devem ser enfaticamente louvadas as emendas apresentadas pelo senador Paulo Bauer, as quais, além de oferecerem imprescindíveis aprimoramentos, procuram extirpar do projeto justamente a pecha de inconstitucionalidade a que ficaria caso a sua redação seja mantida”, observou Cássio.
Quanto às mudanças propostas Bauer, a primeira trata de limitar a remoção à serventia da mesma natureza. Na sequência, elimina a possibilidade de se equiparar, como sendo de mesma natureza, serventias com funções diferentes. O PLC 30/2014 faz isso em relação aos cartórios de lavratura de escrituras imobiliárias e de registro imobiliário.
A terceira emenda retira do texto critérios de valoração de títulos relacionados a atividades “que pouco ou nada aumentam ou enriquecem o conhecimento exigido para o bom desempenho das funções nas serventias”. As duas próximas emendas vão nessa mesma linha ao reequilibrar a pontuação de títulos de doutorado, mestrado, graduação e formação secundária no processo seletivo, impondo uma valoração gradativa vinculada à importância da titulação.
Nepotismo
Em relação às mudanças inseridas pelo próprio relator, um deles recupera parcialmente trecho da Lei dos Cartórios vetado pela Presidência da República. A intenção é a de na norma a hipótese de afastamento do titular dos cartórios para exercer mandato eletivo; cargo de ministro ou secretário nos governos estaduais ou municipais; e função de dirigente de empresa pública da União, dos estados, do Distrito Federal ou municípios, sem perda da delegação outorgada.
Outra mudança importante defendida pelo relator garante ao substituto mais antigo do cartório a possibilidade de assumir a função de tabelião ou oficial de registro quando do afastamento desse titular, independentemente de ter parentesco com o mesmo.
“Ao contrário do posicionamento de algumas Corregedorias de Justiça, não se pode excluir o substituto mais antigo caso tenha ele situação de parentesco com o antigo titular. Não vislumbro hipótese de nepotismo, como é alegado. A atividade cartorial é exercida em caráter privado. O serviço notarial ou de registro são atividades estatais, mas não são serviços públicos, não havendo, portanto, qualquer razão para excluir o substituto por questão de parentesco”, justifica Cássio Cunha Lima.
Por fim, o relator toma a precaução de, também por emenda, deixar claro no PLC 30/2014 que as mudanças sugeridas não serão aplicadas aos concursos que estejam em andamento quando de sua transformação em lei.
Depois de passar pela CCJ, o projeto será votado pelo Plenário do Senado. Caso aprovado com as mudanças propostas pelo relator, o texto — originado na Câmara — terá de ser reexaminada pelos deputados.