Presidente rearranja relação com ala militar do governo

Ala militar. Ao longo do primeiro semestre do governo de Jair Bolsonaro (PSL), esta foi uma das grandes novidades introduzidas no noticiário político, naturalmente ao lado de sua antípoda, a dita ala ideológica da gestão.
Seis meses depois de assumir cercado de generais da reserva, o presidente deu um cavalo de pau na sua relação com as Forças Armadas, da qual é oriundo como capitão reformado do Exército.
O peso relativo dos militares no governo segue mais ou menos inalterado. Começaram com sete, passaram para oito e voltaram para o patamar inicial de ministérios sob seu controle.
Politicamente, contudo, a equação foi mudada, com resultados que ainda não podem ser avaliados.
Ao mesmo tempo, o Exército, mais forte e influente das três Forças Armadas, busca a difícil missão de delimitar sua presença institucional, afirmando independência num governo do qual participou de forma inédita desde a redemocratização de 1985.
Não há, até aqui, um movimento coordenado de retirada dos mais de cem militares que ocuparam cargos importantes do primeiro e segundo escalões dos governos.
Hoje há poucos prédios na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, sem funcionários que inadvertidamente prestam continência ao cruzar com estranhos.
Isso dito, o expurgo palaciano executado por Bolsonaro nas últimas semanas foi agudo, embora pequeno para olhos exteriores.
A vítima mais vistosa, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), foi derrubado após longa fritura e embate com a ala ideológica alinhada ao escritor Olavo de Carvalho – que xingou o militar e foi apoiado pelo presidente.
Caiu na sequência um amigo dele, o também general da reserva Floriano Peixoto, removido da Secretaria-Geral para dirigir os Correios em fase de pré-privatização. Da estatal, saiu um ex-integrante do Alto Comando do Exército, Juarez Cunha, demitido pelo próprio presidente em uma entrevista. Por fim, da Fundação Nacional do Índio saiu o general Franklimberg Ribeiro de Freitas.
Para a vaga de Santos Cruz foi deslocado o comandante militar do Sudeste, o general quatro estrelas da ativa Luiz Eduardo Ramos.
Sua ida foi vista por parte do Alto Comando do Exército, colegiado de 16 oficiais do qual faz parte, como uma forma de deferência.
O tiro de Bolsonaro, contudo, pode ter saído pela culatra: Ramos é o general da ativa mais próximo do presidente.
Eles são amigos pessoais desde que eram cadetes na escola preparatória em Campinas. A indicação acabou também sendo lida como preenchimento de cota pessoal.
Tudo dependerá do desempenho de Ramos, que assume na semana que vem, no rearranjo de forças do Planalto. Visto como um militar político, hábil no trato, o general terá a missão de desanuviar o clima entre os fardados a serviço do governo e a ativa.
O acerto foi favorável ao entorno de Bolsonaro: a remoção de Santos Cruz é a mais importante vitória do grupo olavista, que tem nos filhos presidenciais Eduardo e Carlos, além dos ministros da Educação e das Relações Exteriores, seus expoentes.
De cara, o Exército enviou sinais sutis. Promoveu para o lugar de Ramos o ex-chefe da segurança presidencial de Dilma Rousseff, uma função técnica, mas que soa como pecado para ouvidos bolsonaristas pela associação à ex-mandatária petista.
Mais importante, nesta semana o Alto Comando escolheu dois generais da turma de 1981 da Academia das Agulhas Negras para ganhar a quarta estrela. O porta-voz presidencial, Otávio do Rêgo Barros, foi preterido e deverá encaminhar-se à reserva.
Com isso, a Força busca afastar-se um pouco do governo. Isso não quer dizer que a ala ideológica tenha ganho mão livre para agir naquilo que os militares consideram seu território, como ações com repercussão na defesa nacional –a crise da Venezuela, ora amainada, é o exemplo mais evidente.
De resto, fortaleceu-se o comandante do Exército, Edson Pujol, que vinha sendo obscurecido pela constelação de estrelados no governo.
O movimento isolou o decano da reserva, Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
Segundo integrantes do governo, o mau humor do ministro, algo folclórico, piorou notadamente nos últimos dias.
Sua agressividade em relação às críticas europeias sobre a política ambiental brasileira, logo ao chegar para a reunião do G20 em Osaka, foi vista como subproduto da situação –e teve de ser contornada pelo Itamaraty, em pleno momento de anúncio do acordo comercial Mercosul-União Europeia.
Heleno é o maior crítico da noção de ala militar do governo Bolsonaro, dizendo ser “bobagem de jornal”.
De fato, há várias alas concorrentes com origem nas Forças Armadas servindo ao presidente, dentro e fora do governo, e sua posição de líder inconteste delas parece ameaçada neste momento.