O presidente Jair Bolsonaro levou ao plenário da ONU (Organização das Nações Unidas) um discurso que reproduziu o repertório ideológico de seu grupo político, com ataques a outros países e um tom de enfrentamento em relação às críticas sofridas por seu governo.
O objetivo de Bolsonaro era marcar o que ele classifica como uma nova era para o Brasil, segundo auxiliares. Nas palavras de um deles, que participou diretamente da elaboração do texto, a imagem que o presidente queria imprimir era de um governo “revolucionário”.
Em 32 minutos, o presidente apresentou o socialismo como um adversário e um risco às nações, fez uma série de referências religiosas, chegou a celebrar o golpe militar de 1964 e insistiu na ideia de que a crise da Amazônia é contaminada por interesses econômicos estrangeiros.
“É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a ciência é o pulmão do mundo. Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista. Questionaram aquilo que nos é mais sagrado, a nossa soberania”, afirmou.
Foto: Alan Santos/PR
Antes da chegada a Nova York, assessores discutiam a possibilidade de fazer um pronunciamento mais moderado no campo ambiental, a fim de evitar novos choques com líderes internacionais e com a própria ONU, mas o presidente decidiu seguir o caminho contrário.
Bolsonaro ficou sob pressão principalmente depois que o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, apontaram publicamente o risco de retrocessos na agenda do Brasil para o ambiente.
Os dois líderes europeus também devem discursar na Assembleia nesta semana -o francês ainda nesta terça, a alemã no sábado (28).
O presidente respondeu diretamente às cobranças e mencionou o que chamou de espírito colonialista, num tom inédito em discursos de líderes brasileiros na Assembleia Geral da ONU.
“Um deles, por ocasião do encontro do G7, ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir”, afirmou, em referência a Macron. “Agradeço àqueles que não aceitaram levar adiante essa absurda proposta”, e citou o americano Donald Trump.
O plenário da Assembleia Geral estava cheio para o discurso. Macron não assistiu à fala de Bolsonaro. Merkel acompanhou o pronunciamento com equipamento de tradução simultânea. A alemã mexia no telefone celular e, ao fim, bateu palmas quatro vezes, vagarosamente.
Na sequência de seu discurso, Bolsonaro voltou ao plenário para assistir ao pronunciamento de Trump.
O presidente brasileiro fez seguidas críticas à imprensa nacional e internacional, acusando-a de propagar informações que, segundo ele, prejudicam a imagem do país.
O presidente negou as recentes queimadas na Amazônia, embora ele mesmo tenha enviado tropas militares para ajudar a combater o fogo.
“Queremos que todos possam conhecer o Brasil e, em especial, a nossa Amazônia, com toda a sua vastidão e beleza natural. Ela não está sendo devastada e nem consumida pelo fogo como diz mentirosamente a mídia”, disse.
A delegação brasileira levou ao plenário a índia Ysani Kalapalo, criticada por organizações por não representar as comunidades nacionais. Bolsonaro rebateu com uma carta de um grupo de agricultores indígenas e acusou estrangeiros de cobiçarem a floresta por interesse econômico
“Os que nos atacam não estão preocupados com o ser humano índio, mas sim com as riquezas minerais e a biodiversidade existentes nessas áreas.”
Bolsonaro abriu sua fala agradecendo a Deus e retomou sua interpretação de que o país esteve à beira de um regime socialista durante as administrações do PT.
“Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos”, declarou.
O presidente usou o argumento do risco socialista para atacar tanto seus antecessores como países vizinhos e a própria ONU.
“Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um ‘interesse global’ abstrato. Essa não é a organização do interesse global, é a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer”, afirmou.
Segundo ele, a ONU também respaldou programas como o Mais Médicos, que transferiam milhões de dólares “para a ditadura cubana”.
O chanceler cubano, Bruno Rodríguez, reagiu poucos minutos após o discurso do brasileiro. Em seu Twitter, escreveu: “eu rejeito categoricamente os ataques de Bolsonaro a Cuba. Ele é delirante e deseja os tempos da ditadura militar. Ele deveria cuidar da corrupção de seu sistema judicial, seu governo e sua família.”
Também foram alvos prioritários o Foro de São Paulo -organização de partidos políticos de esquerda na América Latina- e o regime de Nicolás Maduro.
“A Venezuela, outrora um país pujante e democrático, hoje experimenta a crueldade do socialismo. O socialismo está dando certo na Venezuela. Todos estão pobres e sem liberdade.”
Minutos antes, Bolsonaro havia feito referência elogiosa ao golpe militar de 1964.
“Há poucas décadas, tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados. Civis e militares brasileiros foram mortos e outros tantos tiveram suas reputações destruídas, mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade”, disse.
O presidente explorou o discurso para divulgar a guinada de seu governo nas relações internacionais. Além de enfrentar outros países, Bolsonaro fez afagos a Israel e ao americano Donald Trump. Citou a China apenas ao mencionar a intenção de visitar o país e de facilitar a entrada de turistas no Brasil.
O brasileiro seguiu sua linha nitidamente conservadora. Citou Deus, valores da família.
“A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que Ele nos revestiu e, com esses métodos, essa ideologia sempre deixou um rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou”, disse.
O presidente ainda encerrou com um versículo bíblico que se tornou recorrente desde sua campanha presidencial –”e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, de João 8:32
No discurso, Bolsonaro mencionou o ministro da Justiça, Sergio Moro, que não acompanhou a comitiva que foi a Nova York. Foi o único integrante do governo citado nominalmente pelo presidente.
“Há pouco, presidente socialistas que me antecederam desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do parlamento”, disse.
“Foram julgados e punidos graças ao patriotismo, perseverança e coragem de um juiz que é símbolo do meu país, o Dr. Sergio Moro, nosso atual ministro da Justiça e da Segurança Pública.”
Em um trecho curto, o presidente também exibiu credenciais de uma política econômica liberal. Citou privatizações e concessões, além do esforço de implementação de medidas para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).