Do dia para a noite, os sertanejos se tornaram os “vilões” da meia-entrada. Durante a visita de artistas ao presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira (29), o eventual fim do benefício a estudantes e pessoas de baixa renda, garantido pela Constituição, entrou na discussão e praticamente obrigou os cantores a se retratarem com o público nas redes sociais.
O tema foi abordado por Doreni Caramori, presidente da Abrape (Associação Brasileira dos Promotores de Eventos). Convidado por sertanejos para levar ao presidente as reivindicações do setor, o empresário discursou por aproximadamente cinco minutos e reclamou que a meia-entrada desequilibra a cadeia produtiva de shows no Brasil.
Foi o suficiente para os cantores que estiveram presentes -e outros que não foram mas teriam confirmado presença de acordo com a lista divulgada pela Secretaria Especial de Comunicação Social do governo- serem criticados por fãs inconformados com a suposta ideia de extinguir a meia-entrada.
Procurado pela reportagem, o representante dos promotores nega ter pedido o fim do benefício e reclama que o debate foi “descontextualizado”.
“Os sertanejos e todos os outros produtores não foram pedir para acabar com a meia-entrada, foram para dizer que do jeito que está, o benefício não é sustentável. O que prejudicou o debate foi, primeiro, a descontextualização. Segundo, o fato de não ter sido apresentado nada tecnicamente, foi só um diagnóstico. Terceiro, e principalmente, é que quem debateu não foram os interlocutores que deverão debater esse processo, que são os parlamentares, e sim os beneficiados. O debate não está sendo feito tecnicamente, mas emocionalmente por quem não quer perder o benefício criticando aqueles que arcam com ele”, justifica Caramori.
“Vai chegar o momento em que as pessoas não vão nos colocar como vilões da meia-entrada, mas como heróis, porque até hoje só quem arcou com os custos foram os produtores”, completa.
“Quando eu disse que ‘é preciso corrigir essa injustiça histórica’, quis dizer que injustiça histórica é uma interferência na cadeia produtiva sem nenhum tipo de compensação”, afirma o chefe da Abrape.
Preocupados com a repercussão negativa a respeito do suposto apoio ao “fim” da meia-entrada, artistas presentes na lista da Secom desmentiram o posicionamento.
“Não estamos nem sabendo dessa lista e se soubesse não assinaríamos jamais”, responderam Matheus & Kauan a um seguidor. “Estou por fora de qualquer assunto político que esteja em discussão no momento; não declarei apoio a nada relacionado”, publicou Israel Novaes.
“Para o fã do artista, não tem como não reclamar, e eu entendo, é difícil perder o benefício. As pessoas ainda não entendem o tamanho do problema porque a gente não cobra meio cachê ou aluga meio gerador. Apesar de a receita ser a metade, no caso dos benefícios, as nossas despesas são pagas integralmente, nos colocando muitas vezes até em prejuízo”, argumenta Caramori.
As principais queixas dos produtores representados pelo presidente da Abrape estão em mudanças na reforma trabalhista, nos direitos autorais e na venda de ingressos.
Pela lei 12.933, sancionada em 2013, 40% dos ingressos de qualquer evento devem ser destinados a meias-entradas. Eles também precisam se submeter às legislações estadual e municipal.
O líder da entidade sugere uma compensação semelhante aos subsídios dados pelo governo a outros setores. “O setor não tem uma proposta debatida, mas há inúmeros exemplos nas outras cadeias produtivas que podem ser usados. No horário eleitoral, o governo compensa as rádios e TVs por fornecerem o espaço. Carros deixam de pagar parte do IPI para vender com preço diferenciado para táxi, frotista e deficiente físico. Há modelos em que podemos nos inspirar”, argumenta.
“A lei fala em inclusão mas acaba excluindo uma maioria que paga mais para tentar equilibrar a conta e beneficiar uma minoria. O que não faz nenhum sentido é o cidadão deixar de pagar R$ 100 e pagar R$ 50 porque o Estado me obriga, e na hora de eu pagar o imposto sobre esse show eu ter que pagar tudo. É sobre esse tema que devemos nos debruçar tecnicamente, nós e o governo”, propõe Caramori.