A Justiça arquivou nesta semana o caso do menino morto em 2017 em frente ao Habib’s na Zona Norte de São Paulo, sem apontar ou punir culpados. João Victor Souza de Carvalho tinha 13 anos quando morreu após confusão com dois funcionários da lanchonete que o teriam agredido.
A causa da morte, porém, foi problema cardíaco decorrente do consumo de drogas, segundo a perícia. Não ficou comprovado nos exames que ele tenha sido agredido e que eventuais agressões o mataram. O advogado da família da criança criticou a decisão judicial.
O arquivamento do processo foi pedido pelo Ministério Público (MP), que não responsabilizou ninguém pela morte. Em março de 2019, a Polícia Civil, que investigava as causas e eventuais responsabilidades pela morte do menino, já havia concluído o inquérito sem indiciamentos.
João Victor morreu em 26 de fevereiro de 2017 após pedir esmolas a clientes do Habib’s da Avenida Itaberaba, na Vila Nova Cachoerinha.
Áudio
Um motorista de ônibus, testemunha do caso, chegou a telefonar para o número 190 da Polícia Militar (PM) para pedir socorro e contar que tinha visto dois empregados da lanchonete agredirem e arrastarem o garoto do lado de fora do estabelecimento. O G1 teve acesso ao áudio gravado pela corporação no qual o homem conta o que viu.
“Por favor, você manda uma viatura aqui no Habib’s do lado do Japonês? Tem um menino de 7 anos que tava roubando e tem um segurança batendo nele. Arrastando no meio da rua aqui. Isso não pode”, diz o motorista no áudio gravado pela PM.
“O moleque desmaiou, tá aqui no chão desmaiado de tanto que eles bateram. São os seguranças do Habib’s”, diz a testemunha. “E o segurança bateu à beça nele”.
“O moleque está convulsionando agora… convulsionando. Vai ter que mandar uma ambulância aqui. O moleque tá todinho roxo e convulsionando. E os palhaços do Habib’s estão aqui do lado olhando. Quero ver se eles vão assumir que eles bateram”, fala o motorista.
João Victor morreu após confusão no Habib’s — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal / Newton Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo
Um gerente e um supervisor do Habib’s chegaram a ser investigados pela polícia por suspeita de agredirem a criança após discussão, mas eles não foram responsabilizados pela morte de João Victor. Em suas defesas, os dois alegaram que só levantaram o menino.
Além do motorista, uma vendedora de balas disse ter visto o gerente e o supervisor do Habib’s darem socos na nuca do adolescente.
Câmeras de segurança do local não gravaram as supostas agressões, mas registraram o momento que João Victor discute com os funcionários, tenta agredir um deles com um pedaço de pau no estacionamento e quando é arrastado por eles. Depois, eles largam João Victor na calçada, aparentemente desacordado.
Imagens mostram discussão entre funcionário de lanchonete e menino que morreu em São Paulo
Mas a mesma testemunha, que antes havia dito no áudio gravado pela PM que viu os dois funcionários da lanchonete baterem em João Victor, mudou de versão quando falou à Polícia Civil.
O motorista alegou depois que não tinha visto os empregados baterem no menino, e que falou que inventou a agressão para chamar a atenção da PM para que enviasse um socorro rapidamente porque o menino estava passando mal.
A testemunha contou ainda que viu os funcionários do Habib’s correndo atrás de João Victor. E que um deles o pegou pelo braço. Em seguida, a criança “desfaleceu” e foi arrastada pelos braços pelo gerente e supervisor.
Polícia investiga todas as versões para a morte de menino de 13 anos em SPhttps://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Laudos da Polícia Técnico-Científica concluíram que a causa da morte do menino foi infarto em decorrência do uso contínuo de droga, como lança-perfume, por exemplo. Não há menção de que supostas agressões também colaboraram para a morte de João Victor.
Em sua decisão pelo arquivamento do caso, a juíza Ana Carolina Munhoz de Almeida, da 2ª Vara do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste da capital, escreveu na segunda-feira (24): “Acolho as ponderações do Ministério Público e determino o arquivamento do presente inquérito policial no qual figura como vítima João Victor Souza de Carvalho”.
Advogado da família
Polícia faz reconstiuição da morte de menino após confusão em estacionamento do Habib’s, em São Paulo — Foto: GloboNews/Reprodução
Para o advogado da família da criança, Francisco Carlos da Silva, a mudança de versão no depoimento do motorista contribuiu para que a Polícia Civil, o MP e a Justiça decidissem não apontar culpados pela morte de João Victor.
“Desde o começo já queriam o arquivamento do inquérito policial”, disse Francisco à reportagem. “Muda toda a sua versão, mas no dia que ocorreu o assassinato de João Victor, até ele estava revoltado”.
De acordo ao advogado, os dois funcionários tinham de ser responsabilizados pela morte de João Victor. Ele, porém, não poderá recorrer da decisão do arquivamento da Justiça. Isso caberia ao Ministério Público, que foi quem pediu para arquivar o processo.
A reportagem não conseguiu encontrar os pais de João Victor, Marcelo Fernandes de Carvalho e Fernanda Cassia de Souza, que são separados, para comentarem o assunto.
Laudos e reconstituição
Segundo o relatório policial, os próprios pais do menino confirmaram que ele chegou a usar lança-perfume, mas estava em tratamento médico e era saudável.
Segundo exames do Instituto Médico Legal (IML) e da exumação do corpo, o menino teve parada cardiorrespiratória por causa de entorpecente e o coração dele era compatível com o de uma pessoa de 90 anos.
Trecho de laudo necroscópico do Instituto Médico Legal sobre a morte de adolescente no Habib’s — Foto: Reprodução
Os laudos periciais também não mencionaram agressões ou lesões aparentes no cadáver.
Mãe de menino morto em confusão no Habib’s acompanha exumação do corpohttps://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Pareceres técnicos particulares, feitos por peritos contratados pelos advogados da família de João Victor e que chegaram a ser incluídos no inquérito policial, contestaram a conclusão dos laudos oficiais do IML sobre a causa da morte do garoto.
Um dos pareceres, feito pelo chileno Eduardo Llanos, da empresa Sewell, analisou os vídeos e a reprodução simulada e apontou que o adolescente morreu provavelmente em razão de agressões dos empregados e asfixia.
Na reprodução simulada, nome técnico dado a reconstituição, foram apresentadas as versões dos empregados, que negam ter batido no garoto, e das testemunhas, que os acusam de agressão.
Polícia faz reconstuição de morte de menino após confusão no Habib’s, em São Paulo — Foto: GloboNews/Reprodução
Funcionários
Em entrevista ao G1 em 2017, os empregados, que pediram para não ter os nomes divulgados à época, negaram a agressão e disseram que quem bateu no adolescente foi um cliente não identificado.
Contaram ainda que o menino teve um mal súbito após correr e cair quando foi perseguido por pessoas que estavam na lanchonete.
Segundo os funcionários, eles tinham ido atrás de João Victor porque o menino ameaçou jogar pedaços de pau nos vidros do Habib’s e dos carros dos clientes. O garoto era conhecido na região por pedir esmolas.
Também estão na reconstituição fotos feitas a partir do que disseram duas testemunhas, uma catadora de latinhas e um motorista, que contaram ter visto o menino apanhar dos funcionários, que deram soco na nuca da vítima, que depois teve convulsões.
Habib’s
A reportagem procurou a assessoria de imprensa do Habib’s para comentar o assunto e aguarda o seu posicionamento. Em outras ocasiões, a rede de fast food havia informado que cooperava “com as investigações, se empenhando em esclarecer todos os detalhes do ocorrido com prioridade”.
Não há informações se os dois funcionários continuam trabalhando na empresa.
COM G1