Primeiro, a decadência das suas igrejas. Em seguida, a perda do contrato com a gravadora gospel MK Music. Pastora, cantora e deputada federal, Flordelis dos Santos de Souza enfrenta agora o risco de perder o mandato de parlamentar. Mais do que a única função ainda capaz de lhe render lucros, o mandato é também o que ainda a mantém em liberdade. Ao se tornar ré por ser mandante da morte do marido, Flordelis só não teve a prisão pedida à Justiça por ter imunidade parlamentar, uma prerrogativa prevista na Constituição Federal. Caso perca o cargo de deputada, a ida da pastora para a cadeia é iminente.
O destino de Flordelis deve ser decidido nos próximos meses. Na última semana, teve início o processo disciplinar contra ela na Corregedoria da Câmara dos Deputados. Depois de duas tentativas frustradas, a parlamentar foi notificada na última quarta-feira para apresentar sua defesa em um prazo de cinco dias úteis, que pode ser prorrogado por igual período.
O processo contra Flordelis ainda é longo. Após a apresentação da defesa da deputada, a corregedoria vai encaminhar um relatório com seu parecer sobre o caso à Mesa Diretora da Casa. O relatório terá que ser aprovado, e só então vira uma representação e será enviada à Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. Nela, terá que passar por nova aprovação para, apenas em seguida, ser encaminhado ao plenário. Só então haverá a votação final que decidirá o destino de Flordelis.
A deputada poderá apresentar defesa em todas as etapas — além da corregedoria, Mesa da Diretora, Comissão de Ética e Plenário da casa.
Os trâmites podem demorar ainda mais porque as sessões das comissões da Câmara dos Deputados estão suspensas em razão da pandemia do novo coronavírus. Corregedor da casa, o deputado Paulo Bengtson (PTB-PA) apresentou, no fim do mês passado, um projeto de resolução que autoriza o Conselho de Ética a realizar reuniões virtuais, o que é proibido atualmente. A previsão é de que ele seja votado apenas na próxima semana. Em entrevista ao EXTRA, Bengtson explicou que após apresentação da defesa, a corregedoria tem um prazo de 45 dias para emitir seu parecer, mas isso deve acontecer em, no máximo, 15 dias.
“Fizemos uma força-tarefa para analisar as 8 mil páginas de inquérito, material que nos foi enviado pelo auxiliar de acusação (advogado Ângelo Máximo, que atua no processo da 3ª Vara Criminal de Niterói). Com isso, estamos conseguindo adiantar nosso trabalho para dar uma resposta rápida para a sociedade. A Casa está atenta, pois é um caso de grande comoção nacional”, detalha.
O deputado evita estimar o tempo que deve levar para o processo chegar ao fim. O corregedor explica também que, além da perda de mandato, a Comissão de Ética pode decidir pela suspensão do mandato da pastora por seis meses ou até pelo arquivamento do caso, hipótese que ele considera pouco provável.
Acusada de quebra de decoro
O processo que pode culminar com a perda do mandato de Flordelis teve início com uma representação do deputado federal Leo Motta (PSL-MG) à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. A denúncia encaminhada pelo parlamentar foi de que a pastora teve “atos incompatíveis com o decoro parlamentar”.
A falta de decoro pode se dar pelo abuso das prerrogativas de parlamentar, recebimento de vantagens indevidas ou praticar irregularidades graves no desempenho do mandato que afetem a dignidade da representação popular.
O deputado Paulo Bengtson esclarece que o processo disciplinar não se propõe a julgar Flordelis pelos crimes respondidos por ela:
“Todo o processo criminal serve de base para o nosso relatório. Mas nossa análise será se houve quebra de decoro e não a parte criminal. Iss o é importante ficar bem claro”, explica o parlamentar.
Além das provas relativas ao assassinato de Anderson, da qual Flordelis é acusada de ser mandante, estão sob análise os indícios de rachadinha — quando parte do salário do assessor fica com o político — e nepotismo — prática pela qual um agente público usa de sua função para contratar ou nomear parentes — no gabinete da pastora.