Um jovem foi levado para a sede da Polícia Militar (PM) em Reserva, na região dos Campos Gerais do Paraná, após chamar o trabalho de policiais de “lixo” em uma rede social, segundo a PM. O caso aconteceu na segunda-feira (21).
Especialistas em diferentes áreas do direito avaliam que a abordagem é questionável, podendo ser ilícita e abusiva.
De acordo com a PM, a publicação foi feita em referência a uma motocicleta que havia sido recolhida pela polícia.
A polícia disse que a moto tinha sido recolhida porque o proprietário não tinha habilitação e o veículo estava com pendências administrativas.
Ao saber do comentário, os policiais identificaram o jovem e foram até a casa dele em Reserva. Conforme a PM, o rapaz confessou que tinha feito a publicação.
A PM informou que foi feito um termo circunstanciado pelo crime de desacato.
Procedimento questionável
A advogada especialista em direito penal Camila Martins afirmou que o procedimento não é lícito, sendo uma abordagem abusiva.
“Essa prática não pode acontecer. Salvo casos muito excepcionais, que alguém coloque o seu endereço no Facebook, não consigo imaginar uma situação onde isso aconteça. Certamente a polícia utilizou o nome dessa pessoa para fazer uma busca nos dados. Isso por si só já é invasivo”, disse.
Ainda de acordo com a advogada, o caso não parece se configurar como desacato, mas como crime contra a honra, feito pela internet.
“Falando de um crime contra honra, tem que se proceder mediante uma investigação, uma autuação. A polícia não pode se valer dos seus dados sigilosos para ir na casa dessa pessoa, sem um mandado judicial, fazer uma abordagem desse tipo e levar para um batalhão para fazer um termo circunstanciado”, explicou.
Segundo Camila Martins, o caso pode ser visto do ponto de vista da Lei de Abuso de Autoridade e da Lei Geral de Proteção de Dados.
Já o especialista em Direito Constitucional André Portugal ressaltou o direito de liberdade de expressão previsto pelo Artigo 5º da Constituição Federal, incluindo críticas a organizações públicas. Para o advogado, a abordagem pareceu problemática e o procedimento é questionável.
“O primeiro ponto é se o fato de alguém chamar o trabalho da polícia de ‘lixo’ justificaria uma medida dessa, pouco importando se ela adotou um procedimento legítimo ou não, o que me parece que não. Mesmo que se considere a legitimidade do crime de desacato, é no mínimo muito questionável. A polícia, assim como qualquer instituição, não é imune a críticas, e foi precisamente uma crítica que aconteceu aqui. Isso é abrangido pela liberdade de expressão”, disse.
O G1 entrou em contato com o Comando da Polícia Militar do Paraná e aguarda o retorno.
Âmbito digital
Francisco Brito Cruz, doutor em direito e diretor do InternetLab — que faz pesquisas em direito e tecnologia —, acredita que o uso do desacato para limitar a expressão das pessoas não é legítimo.
“Nessa hipótese, acho que você precisa de muito mais elementos na fala da pessoa, elementos vinculados a outro tipo de ilícito, como uma ameaça, uma calúnia, contra uma autoridade policial específica. Sem isso, fica apenas um cheque em branco para que a autoridade policial possa constranger o discurso de quem quer que seja.”
O especialista lembrou que situações parecidas acontecem muito no país e que decisões judiciais recentes sinalizam para que autoridades públicas saibam lidar com críticas.
Segundo ele, mapeamentos feitos pelo centro de pesquisa mostram que as autoridades ingressam frequentemente com ações na Justiça para processar pessoas que fizeram críticas.
‘Você vai criando um ambiente ruim, um ambiente que a gente vai ficando cada vez mais com medo de dizer o que acha, de criticar algum poderoso ou alguma instituição, quando deveria ser o contrário”, disse.
COM G1