O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), foi surpreendido nesta quarta-feira (7) com uma homenagem de despedida antecipada no plenário da Corte.
Celso de Mello se aposenta no próximo dia 13 de outubro e ainda deve participar nesta quinta do julgamento que definirá se o presidente Jair Bolsonaro prestará depoimento presencial ou por escrito no inquérito sobre suposta tentativa de interferência na Polícia Federal. O ministro é relator do inquérito.
Nesta terça (6), ele participou da última sessão como membro da Segunda Turma do STF, na qual também foi homenageado.
Depois de ouvir todos os demais ministros, Celso de Mello agradeceu a homenagem e afirmou lamentar “não poder mais compartilhar os grandes desafios que esta nação sempre enfrentou e ainda continua enfrentar”.
O ministro disse ter “inabalável fé na integridade e na independência do STF, por mais desafiadores, por mais difíceis e por mais nebulosos que possam ser os tempos que virão, e os ventos que soprarão”.
“Os magistrados deste alto tribunal, com suas qualidades e atributos, sempre estarão, como sempre estiveram, à altura das melhores e mais dignas tradições históricas, especialmente em delicado momento de nossa vida institucional no qual se ignoram os ritos do poder e em que altas autoridades da República, por ignorarem que nenhum poder é ilimitado e absoluto, incidem em perigosos ensaios de cooptação de instituições republicanas, cuja atuação só se pode ter por legítima quando preservado o grau de autonomia institucional que a Constituição lhes assegura”, declarou.
O decano disse ter agora “muito mais passado do que futuro”, mas, complementou, “a vida está em permanente evolução”. “Há um tempo para todo propósito, para tudo que acontece, eis que para tudo há sempre uma ocasião certa.”
Manifestações dos ministros
A ministra Cármen Lúcia deu início aos discursos, afirmando que o plenário sempre terá “a força da presença moral e intelectual do ministro Celso de Mello, seu exemplo vital, ética profissional, a nos conduzir em sua trajetória modelar, de ser humano, de juiz”.
A ministra afirmou que “a humanidade precisa de pessoas boas” e que “ruindade faz mal”, num país com “muitas chagas a serem curadas”.
“José Celso é um homem bom. Isso já o faria essencial, ainda mais no Brasil, em que a maldade tem assento em lugar do cidadão. Um homem bom, um homem de bem, intransigente com práticas antirrepublicanas e antidemocráticas.”
O ministro Alexandre de Moraes disse que o decano ensinou que “Corte Suprema não se curva a pressões, não admite pressões de qualquer esfera de poder, combate os atos de corrupção e não tolera o poder que corrompe, nem admite o poder que se deixa corromper”.
O ministro Edson Fachin afirmou que Celso de Mello “sempre recusou a oferta do caminho fácil” e que poderá “ser sucedido nesse tribunal, mas nunca substituído”.
Em seguida, Luís Roberto Barroso destacou que o ministro terá seus votos estudados pelos juristas do futuro e servirá de inspiração.
A ministra Rosa Weber complementou: “Dia de reverenciar, de celebrar um ser humano ímpar”. “Em absoluto vamos perder. O ministro Celso de Mello integra e integrará sempre a instituição STF.”
O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que o decano representa a “realização da Justiça” com sua contribuição ao direito, na defesa dos direitos fundamentais, ao fortalecimento da democracia, princípios e valores da Constituição cidadã.
Para o advogado-geral da União, José Levi, a ausência de Celso de Mello “abre um vazio”, que é próprio somente dos homens que não se deixam esquecer “por serem eles mesmos”.
“Celso de Mello fez a hora, sempre esteve adiante da hora, jamais esperou acontecer”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, citando decisões históricas do decano.
O ministro Dias Toffoli acrescentou que Celso de Mello auxiliou na criação de uma jurisprudência voltada à proteção dos direitos humanos e de minorias. “É um homem à frente do seu tempo. A visão do decano sobre a Justiça está refletida na própria missão do STF.
Para o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, o decano é a “representação viva do bom juiz”. Segundo Fux, Celso de Mello “destacou o papel da instituição no combate principalmente às restrições aos direitos fundamentais”.
“Tanto dedicou sua vida à causa dos direitos fundamentais, sempre destacando que o Poder Judiciário tem um compromisso com os valores fundamentais da Carta da República, que protegem a dignidade da pessoa humana, esse valor fundamental que foi erigido entre lutas e barricadas.”
“Como se percebe, de um lado, trata-se de juiz visionário, republicano e progressista, um homem à frente de seu tempo. De outro lado, sua postura serena e o seu perfil conciliador o transformaram em um decano singular desta Corte: ponto de equilíbrio nos momentos de instabilidade e farol nas situações de escuridão”, disse ainda Fux.
Para o presidente do STF, a “altivez” e a “cordialidade” de Celso de Mello “o tornaram uma inegável referência interna, uma liderança natural”.
“É ele quem nos socorre nas questões sensíveis, com lições sábias e conselhos acolhedores. É ele quem toma a frente para preservar e defender o tribunal nos momentos delicados, com discrição e autocontenção, mas coragem heroica”, afirmou Fux.
Perfil
Em agosto, Celso de Mello completou 31 anos de STF. Ele foi indicado pelo ex-presidente José Sarney em 1989. O desembargador Kassio Nunes Marques foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para substituí-lo. Marques ainda passará por sabatina e votação no Senado no próximo dia 21.
José Celso de Mello Filho nasceu em 1º de novembro de 1945, em Tatuí (SP). Formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo do São Francisco) e, no ano seguinte, foi aprovado em primeiro lugar no concurso do Ministério Público Estadual.
Permaneceu na carreira por 20 anos, até ser nomeado para o STF. Atuou também como consultor-geral interino da República entre 1987 e 1989.
G1