Um mês após a morte de Pâmela do Nascimento, de 27 anos, que estava grávida, o principal suspeito do feminicídio continua foragido. Hélio José de Almeida Feitosa, que era marido da vítima, está sendo procurado pela Polícia Civil, suspeito de ter espancado Pâmela até a morte, na cidade de Poço de José de Moura, no Sertão paraibano, no dia 7 de setembro.
‘Pâmela era uma pessoa que todos gostavam’
“A cidade é pequena, então todos se conhecem. Todo mundo gostava de Pâmela”. É com palavras em tom de saudade e orgulho que a irmã de Pâmela, Bruna Bessa, a descreve. No dia que Pâmela foi morta, Bruna estava em São Paulo. A paraibana morava em outro estado há mais de dois anos e, depois do crime, voltou ao Sertão paraibano.
Pâmela e Bruna quando eram crianças — Foto: Arquivo Pessoal/Bruna Bessa
Segundo Bruna, uma das marcas de Pâmela era a alegria. Ela estava sempre alegre e sorrindo, talvez por isso fosse tão querida por todos. Era mãe de três filhos, um menino de 10 anos, outro menino de quatro anos e uma menina de sete anos. Pâmela estava esperando o quarto filho, com três meses de gravidez, quando foi assassinada.
Mesmo morando distantes, as irmãs mantinham contato diário, por ligações, mensagens ou videochamadas. Elas sempre davam um jeito de estarem próximas. “A gente nunca perdeu o contato, nem ficou sem se falar”, contou.
Pouco antes de Bruna se mudar para São Paulo, Pâmela foi morar com Hélio. Eles já tinham um relacionamento antes disso, mas há cerca de dois anos, decidiram morar juntos.
‘Nossa mãe desconfiava do que ela passava’
Pâmela e a família mantinham contato mesmo morando longe — Foto: Arquivo Pessoal/Bruna Bessa
“Qual a mãe que não conhece o filho?”. Bruna questiona retoricamente quando perguntada se a família imaginava as agressões que Pâmela sofria. Segundo Bruna, a irmã não contava nada à família, nem das atitudes abusivas, nem mesmo das agressões, quando começaram a acontecer. Talvez por medo do que poderia acontecer, ou para não preocupar a família, ela sofria calada e sozinha. Mesmo sem falar, a mãe sentia o que a filha passava.
“Ela nunca chegou e nos contou o que ele fazia. A gente ficava sabendo por outras pessoas, pelos vizinhos… O pessoal comentava. Porém, foi só depois do acontecimento que a gente ficou sabendo de mais coisas”, disse.
‘Ele tinha um ciúme doentio’
A irmã de Pâmela não era próxima de Hélio, na verdade, os dois nunca tiveram muito contato. “Eu nem gostava muito dele, mas por ela, a gente suportava”, relatou Bruna.
De acordo com Bruna, o suspeito já tinha se desentendido com a mãe delas. “Um dia eles brigaram e minha mãe foi interferir na briga e ele tentou agredir ela. Depois disso, eu diminui ainda mais o contato com ele”, contou.
“Ele tinha um ciúme doentio. É tanto que chegou um determinado tempo que ele não queria que ela saísse de casa, nem que o pessoal frequentasse a casa dela. Ela tava vivendo uma coisa fora do controle já”, disse a irmã.
Como o crime aconteceu
No mesmo dia em que foi espancada e morta, Pâmela do Nascimento chegou a ter o celular quebrado e foi atendida em um posto de saúde após a primeira agressão. A cronologia do crime foi explicada pelo delegado Glauber Fontes, da Delegacia de Homicídios de Cajazeiras. No dia do crime, vizinhos relataram ouvir o momento em que ela foi espancada e informaram aos policiais que ela, provavelmente, teria sido espancada até morrer.
De acordo com a Polícia Civil, a versão contada pelo suspeito em depoimento no dia do crime é “totalmente mentirosa”. O homem também é suspeito de provocar um aborto na vítima após agressões, em fevereiro.
O laudo do Instituto Médico Legal (IML) identificou que Pâmela sofreu pancadas no abdome, que resultaram em uma hemorragia interna, e teve duas costelas fraturadas. Ela estava com três meses de gestação.
Polícia Civil revela que principal suspeito de matar grávida é o companheiro dela
Cronologia do feminicídio de Pâmela do Nascimento, segundo a polícia
9h30 – Houve a primeira discussão entre o casal, na casa onde moravam. Vizinhos deles relataram ouvir a discussão, que teria sido provocada por ciúmes. Durante a primeira discussão, Hélio já quebrou o celular de Pâmela. “Ele arremessou o celular da vítima contra o solo”, disse o delegado.
10h05 – Pâmela consegue se comunicar com uma amiga (a polícia não informou o meio usado pela vítima para entrar em contato com a testemunha) e relata o que aconteceu, confirmando que havia sido agredida e que seu celular tinha sido quebrado.
Primeiras agressões aconteceram na casa onde o casal morava, em Poço de José de Moura, PB — Foto: TV Paraíba/Reprodução
10h30 – Pâmela sente fortes dores de cabeça e relata a Hélio. Ele, então, a leva ao posto de saúde de Poço José do Moura, onde ela foi atendida.
12h – Pâmela e Hélio voltam do posto para a casa onde moravam. O horário de retorno foi confirmado à polícia por um vizinho, que viu o casal retornando à residência.
16h40 – Uma amiga de Pâmela vai até a casa dela fazer uma entrega de um bolo, que havia sido encomendado por ela anteriormente. Pâmela recebeu o bolo e disse à amiga que, posteriormente, faria o pagamento.
19h – A última vez que a vítima foi vista com vida. Pâmela e Hélio saem de casa em direção ao sítio “Outro Lado”, zona rural do município onde moravam, para efetuar o pagamento do bolo (que havia sido entregue às 16h40). Até as 19h, Pâmela estava aparentemente normal, sem marcas evidentes de agressões. Segundo o relato da amiga da vítima, ela teria conversado normalmente, efetuado o pagamento do bolo e não havia nenhum sinal que demonstrasse as agressões.
Entre 19h e 19h20 – Pâmela dá entrada no posto de saúde desacordada. O próprio suspeito quem leva a vítima até a unidade de saúde. Ao chegar no posto, o funcionário informou que aquele tipo de atendimento não poderia ser feito no local e é feito o acionamento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Nesse momento, segundo o delegado, o suspeito “começa a ludibriar as autoridades”, dizendo ao médico do Samu que a esposa teria tido um desmaio repentino e que teria ferido o tornozelo quando caiu. Pâmela é encaminhada, ainda desacordada, para o hospital de São José do Rio do Peixe. No entanto, antes de dar entrada no hospital, a vítima teve uma parada cardiorrespiratória e morreu dentro da ambulância do Samu.
Prisão em flagrante não efetuada
Segundo o delegado Glauber Fontes, o suspeito não foi preso em flagrante no dia do crime porque as lesões da vítima não eram aparentes e a única pessoa que esteve com a vítima no momento do crime foi o próprio suspeito. Além disso, segundo ele, não havia nenhuma informação com a Polícia Civil de agressões anteriores de Hélio contra Pâmela.
Hélio José de Almeida Feitosa é procurado pela polícia pelo feminicídio da esposa grávida e ainda por provocar aborto contra a vontade dela, em fevereiro — Foto: TV Paraíba/Reprodução
Quando Hélio José de Almeida Feitosa foi levado até a delegacia, relatou que não tinha espancado a mulher. Hélio disse apenas que Pâmela tinha passado o dia reclamando de dores de cabeça e sentindo-se mal. “Ele omitiu completamente os fatos e contou uma história totalmente mentirosa, que não se sustentou nem até o dia seguinte”. O homem foi liberado após depoimento e quando, no dia 8 de setembro, policiais foram até a residência para intimá-lo, ele já tinha fugido.
De acordo com o delegado, o laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) demonstrou que a vítima não tinha lesões aparentes. “Aparentemente não era possível saber a causa da morte. Após o laudo, no dia seguinte, ficou constatado que a vítima tinha sofrido diversas pancadas na área abdominal, que resultaram em uma hemorragia interna que evoluiu a ponto de desencadear a parada cardiorrespiratória e morte da vítima, que também teve duas costelas fraturadas”, disse.
No dia seguinte ao crime, a polícia começou a ouvir o depoimento de todas as pessoas próximas a Pâmela, ou que, de alguma forma, tiveram contato com ela no dia 7 de setembro. “A partir daí, foi possível montar toda a história do dia do crime”, contou o delegado.
Etapas de investigação
Segundo a Polícia Civil, a primeira fase da investigação é o “esclarecimento do crime” e já foi realizada, pois não há dúvidas que Pâmela foi vítima de um feminicídio. A segunda fase é a de localização e prisão do suspeito.
No decorrer da investigação, surgiu um fato novo. De acordo com o delegado Danilo Charbel, através de documentos e relatos testemunhais, foi constatado que, no dia 12 de fevereiro de 2020, o homem já havia provocado um aborto em Pâmela após agredi-la.
“A vítima estava grávida de três meses, constatada através de exames de sangue. Ela chegou a ter o pré-natal iniciado na cidade onde morava. Nós tivemos conhecimento através das testemunhas, que, no dia 12 de fevereiro deste ano, ela sofreu um aborto”. Ainda conforme o delegado Danilo, na ficha de Pâmela, no posto de saúde, consta “um aborto espontâneo”, no entanto, as testemunhas informaram que ela havia sido agredida e depois disso teria abortado.
“Nós vamos opinar para o Ministério Público para que a prefeitura de Poço de José de Dantas instaure um inquérito investigativo para apontar o esclarecimento do fato”, disse.
Pâmela estava sozinha
Pâmela e irmã durante festinha de aniversário — Foto: Arquivo pessoal/Bruna Bessa
Pâmela do Nascimento já era mãe de três filhos. Uma filha mora em São Paulo e os outros dois filhos no Sertão, com ela. Conforme o delegado Danilo, no dia do crime a vítima não tinha nenhum familiar na cidade, pois todos se encontravam em São Paulo.
“Nós sempre buscamos familiares para entendermos fatos anteriores ao crime, mas a mãe e os irmãos dela estavam em outro estado”.
‘Possessivo, ciumento e de temperamento altamente agressivo’
O delegado Glauber Fontes, assim como Bruna, definiu o o suspeito como “possessivo, ciumento e de temperamento altamente agressivo, que ficou sobejamente demonstrado dos autos”. Para Glauber, o caso de Pâmela é um caso típico de feminicídio.
“Ela foi barbaramente assassinada. Alguns casos de feminicídio trazem certas complexidades, pois as próprias estatísticas criminais indicam que 80% dos crimes comuns são praticados em espaços públicos. Os casos de violência doméstica, no entanto, são praticados em ambientes privados, fechados. O que dificulta o esclarecimento e a investigação”, relatou na época das investigações.
Ainda segundo o delegado, nesse caso, apenas o companheiro e ela estavam no momento da situação. É um crime onde não há testemunhas, o que dificultou a investigação.
“A violência doméstica representa uma ideia de retrocesso a qualquer noção de civilidade. É lamentável que em pleno século XXI a gente tenha que se deparar, rotineiramente, com esse tipo de caso”, disse Glauber Fontes.
Até quando?
“Estamos lutando para que a justiça seja feita. Estamos confiantes. Agora só nos resta esperar e ter esperança, pois sabemos que é um processo difícil”, disse Bruna.
Talvez ninguém nunca saiba ao certo o que Pâmela passou durante os últimos anos de sua vida, provavelmente, ela tinha inúmeros sonhos a ser realizados, planos para um futuro, quem sabe, onde não tivesse seus direitos violados dentro da sua própria casa. Onde não sentisse medo de ir, vir, falar, viver. Onde fosse respeitada, como todo ser humano merece ser. Mas, ninguém nunca vai saber, porque Pâmela foi morta.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
O que resta para a família dela, agora, é a esperança de que a justiça seja feita e o responsável seja preso e punido, já que os sonhos, os objetivos, e a vida de Pâmela, não têm volta. E agora, fica o mesmo questionamento: até quando? Pâmela deixou, mais do que o sorriso nas fotos e a alegria que quem a conhecia pôde ver, a dor de mais uma mulher que teve a história interrompida, por um homem que achou que ela pertencia a ele a tal ponto, que ele poderia ditar até quando ela poderia viver.
Feminicídio é o assassinato de uma mulher cometido devido ao fato de ela ser mulher ou em decorrência da violência doméstica. Foi inserido no Código Penal como uma qualificação do crime de homicídio em 2015 e é considerado crime hediondo.
Até as 7h10 desta quarta-feira (7), Hélio José de Almeida Feitosa não havia sido preso.
com g1