BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) — As lives nas quais o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem feito propaganda para diversos candidatos nas eleições municipais tiveram a participação de dois intérpretes de libras da Presidência da República.
Fabiano Guimarães Rocha e Lucas Moura são assessores da Secretaria de Comunicação Social, alocada na Secretaria de Governo da Presidência.
A nomeação deles foi publicada em agosto do ano passado. O primeiro tem remuneração bruta de R$ 11.506,59 e o segundo, R$ 9.709.
Os dois são descritos em textos do governo como os intérpretes oficiais de Bolsonaro.
Guimarães Rocha, por exemplo, apareceu na live da última terça-feira (10) e, no mesmo dia, traduziu o discurso do presidente durante uma solenidade no Palácio do Planalto. No dia 8 do mês passado, o tradutor também apareceu na transmissão ao vivo que Bolsonaro costuma fazer às quintas-feiras.
Já Moura esteve nas transmissões da última segunda (9) e desta quarta-feira (11).
Ex-ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e advogados que preferiram falar sob condição de anonimato afirmam que o caso reforça a suspeita de uso da máquina pública e o caráter institucional das transmissões porque indica que Bolsonaro usou o aparato da comunicação oficial do governo em prol de outros atores políticos.
O ideal, dizem os especialistas, seria abrir uma investigação sobre os episódios.
A lei eleitoral veda ao servidor público, além do uso de bens e imóveis da União em benefício de um candidato, a utilização de materiais e serviços custeados pelo governo e a cessão de servidor público ou empregado da “administração direta ou indireta federal”.
Advogados dizem que a participação dos intérpretes nas lives tem “cara e fucinho” de ilegalidade, mas é preciso investigar porque a legislação abre brechas.
Uma exceção prevista é se o funcionário não estiver em horário de trabalho e atuando por conta própria. Isso porque o servidor tem o direito de ter atuação política.
Procurada pela reportagem, a Presidência da República alegou que ambos os tradutores atuaram de “forma voluntária” na live e não deu informações sobre o horário de trabalho dos servidores até a conclusão deste texto.
A advogada Gabriela Rollemberg, secretária-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, defende que o caso seja apurado.
“A primeira questão é saber se estão dentro do horário de expediente ou não e de forma voluntária ou não. Se estiver no horário de expediente, mesmo sendo voluntário, eles estão cometendo a conduta vedada.”
O advogado José Eduardo Cardozo, advogado eleitoral e ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff (PT), questiona o argumento de que os intérpretes agiram de forma voluntária.
“É espantosa a coincidência que eles tenham se oferecido voluntariamente para todos esses vídeos, apoiado vários candidatos simultaneamente sem a ordem do superior”, diz.
Para o ex-ministro do TSE Luiz Carlos Lopes Madeira, o indício de ilegalidade ocorre já a partir do fato de a propaganda política ser feita de dentro do Palácio da Alvorada.
“O que pode configurar é o abuso do poder político porque nem a Presidência da República nem os funcionários dela podem ser usados em proveito de um candidato ou de um partido”, afirma. “Não interessa se é voluntário ou não, interessa usar a coisa pública.”
O advogado eleitoral e ex-ministro do TSE Marcelo Ribeiro diz que, se ficar comprovado que eles não trabalharam durante o expediente, trata-se do exercício de liberdade política do funcionário público.
“Veja só, se ele estiver no horário de trabalho dele, esse tradutor, ou se ele tiver sido convocado para fazer isso, aí é problemático. Agora ele pode, se quiser, participar do horário de trabalho que não é dele, dando um apoio.”
Reservadamente, advogados também questionam o argumento de que os tradutores foram voluntários. Se ficar comprovada conduta indevida no uso dos tradutores, Bolsonaro poderia responder por improbidade administrativa.
Caso as ações avancem, elas podem gerar a cassação do candidato beneficiado, considerado o cenário mais improvável, ou a imposição de multa a Bolsonaro. A tramitação, porém, começará nas Justiças Eleitorais dos estados e só depois poderá chegar ao TSE.
As lives de Bolsonaro já foram questionadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e por candidatos à Prefeitura de São Paulo.
Nesta quarta-feira, a Rede foi ao TCU (Tribunal de Contas da União) para que a corte investigue o uso do Palácio da Alvorada e de funcionários da Presidência nas transmissões.
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