Reitores de universidades federais recusam volta às aulas em janeiro e dizem que prioridade é salvar vidas

Reitores de universidades federais afirmam que não vão acatar a portaria do Ministério da Educação (MEC) que determina a volta às aulas presenciais nas instituições federais de ensino a partir de 4 de janeiro de 2021.

A portaria foi publicada nesta quarta-feira (2) no “Diário Oficial da União”. O texto também revoga a permissão para que as atividades on-line contem como dias letivos, o que é autorizado até dezembro de 2020.

Os reitores defendem que o retorno presencial só deve ocorrer se a situação local da pandemia permitir, e se houver segurança para garantir que não haja aumento nas transmissões do coronavírus.

“A Universidade de Brasília reitera que não colocará em risco a saúde de sua comunidade”, afirmou a instituição, em nota.

Vice-reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Wagner Carvalho disse: “Acho que nós estamos vivendo claramente uma segunda onda. Não é possível a gente colocar em risco toda a nossa comunidade”.

Em nota, a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) disseram que a portaria é uma “atitude irresponsável, equivocada e que atenta contra a vida do povo brasileiro.”

“A retomada de atividades presenciais significaria uma verdadeira migração de milhões de estudantes, que em grande parte se encontram em regiões e/ou municípios distantes de seu local de estudo. Somado à circulação cotidiana em ambientes fechados nos campi e prédios das universidades, os riscos de contaminação e proliferação do vírus são altíssimos”, afirmou o texto.

A volta às atividades presenciais colocará em circulação mais de 2,3 milhões de pessoas, entre alunos, professores e técnicos, segundo dados do próprio MEC.

Procurada pelo G1, a Andifes, associação que representa os reitores das universidades federais, afirmou que só vai se posicionar após reunião com os reitores.

O Conif, conselho que representa dos dirigentes dos institutos federais de ensino, afirmou em nota que a portaria foi publicada “sem nenhuma espécie de diálogo com as Instituições Federais de ensino, especialmente em meio a um novo crescimento dos casos da doença no Brasil” e classificou como um ato “arbitrário”, que desrespeita a autonomia das universidades e institutos de ensino.

A portaria desta quarta diz respeito apenas às instituições federais de ensino. As redes públicas estaduais e municipais ainda seguem sem definição sobre o tema.

Risco à comunidade, diz UnB

Em nota, a Universidade de Brasília (UnB) disse que recebeu “com surpresa” a informação sobre a portaria e que “não colocará em risco a saúde da comunidade”.

“Chama a atenção a edição de um normativo como esse, específico para instituições federais, em um momento de aumento das taxas de contaminação pelo coronavírus em diversos estados e no Distrito Federal”, afirmou o comunicado. A UnB ressalva que possui um plano de retomada das atividades, em cinco etapas, e que “o avanço ou eventual regressão no plano depende das fases da pandemia”.

“A Universidade de Brasília reitera que não colocará em risco a saúde de sua comunidade. A prioridade, no momento, é frear o contágio pelo vírus e, assim, salvar vidas. A volta de atividades presenciais, quando assim for possível, será feita mediante a análise das evidências científicas, com muito preparo e responsabilidade”, disse a nota da UnB.

Situação ainda é de cautela, diz vice-reitor da UFABC

Para Wagner Carvalho, vice-reitor da UFABC, não há condições de voltar às aulas presenciais em 4 de janeiro. “A situação ainda é de muito cuidado de muita cautela”, afirmou.

“Acho que nós estamos vivendo claramente uma segunda onda. Estamos com aumento dos casos, de testes positivos, e não é possível a gente colocar em risco toda a nossa comunidade para uma atividade presencial.”

Ele defendeu que “essa regulamentação demanda muita discussão e muita avaliação, principalmente entre os dirigentes de instituições de ensino, para que seja avaliada a condição de cada uma”.

Não é possível pensar em retorno presencial, diz reitora da Unifesp

Para Soraya Smaili, reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que tem campi na capital, região metropolitana e Baixada Santista, ainda não é possível pensar em um retorno presencial.

“Nós precisamos, para o retorno das atividades presenciais, de condições sanitárias adequadas. Se não tivermos essa situação adequada, não podemos falar em atividade presencial segura. Portanto, neste momento, a Unifesp continua com as suas atividades remotas”, afirmou a reitora da Unifesp.

“Não é possível ainda falarmos em atividades presenciais, por conta dessa situação que nós vivemos especificamente aqui na Unifesp. Acredito que a melhor solução seja permitir que as universidades pensem cada local, cada situação específica”, disse, referindo-se ao aumento no número de casos de Covid-19.

Sem segurança, não há retorno, diz reitor da UFLA

Campus da Universidade Federal de Lavras (UFLA) — Foto: Assessoria/UFLA

Campus da Universidade Federal de Lavras (UFLA) — Foto: Assessoria/UFLA

Para o reitor da Universidade Federal de Lavras (UFLA), João Chrysostomo, é preciso ter segurança para garantir o retorno.

Ele afirma que a instituição montou um plano para o retorno às aulas presenciais, em fevereiro, para os alunos que precisam de laboratórios para estudar. A previsão é que os demais estudantes continuarão com ensino remoto.

“Se não fosse dessa forma, não conseguiríamos aplicar o plano de contingência, proposto pelo próprio MEC, pois o mesmo prevê o distanciamento e outras medidas para prevenir a expansão da pandemia”, explica. “Se não houver segurança, não há como retornar”, disse o reitor da UFLA.

O planejamento ainda precisa ser aprovado pelo conselho da UFLA e está sujeito aos números de transmissão de casos e mortes pelo coronavírus, segundo o reitor.

A preocupação, segundo Chrysostomo, é atrair de volta à cidade de Lavras (MG) estudantes de outros estados que se deslocaram para a casa dos familiares quando as aulas presenciais foram suspensas. “O risco é trazer um incremento à pandemia”, disse.

Não pactuará com a negligência, diz Univasf

Em nota, a Reitoria Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) afirmou estar “surpreendida” com a portaria. Disse também que “não pactuará” com medidas “que venham a negligenciar os alertas das autoridades sanitárias nas três esferas de poder”.

“Informamos que esta Reitoria não tomará qualquer decisão de forma unilateral, açodada e antagônica aos princípios que regem a autonomia universitária e, no menor espaço de tempo possível, levará o assunto ao Conselho Universitário para as devidas deliberações, que analisará e decidirá de forma definitiva, enquanto Órgão Colegiado Superior máximo da Univasf”, disse a universidade.

Outras instituições federais de ensino de Pernambuco, como a UFPE, UFRPE, e IFPE, também descartaram a volta às aulas em janeiro.

Portaria determina volta às aulas

A portaria desta quarta condiciona o retorno aos protocolos de biossegurança – ela prevê distanciamento social, uso de álcool em gel, ambientes ventilados, entre outros pontos.

O documento cita o uso de ferramentas de tecnologia para complementar eventuais conteúdos que foram perdidos na pandemia.

O MEC definiu que é responsabilidade das instituições de ensino fornecer recursos para os alunos acompanharem as atividades. No entanto, o orçamento da pasta para 2021 prevê cortes de R$ 1,4 bilhão, o que também deverá afetar as instituições de ensino superior.

As universidades e institutos federais têm autonomia para fazer seus próprios calendários e reorganizar seus currículos, mas agora passam a não ter mais autorização para que as aulas on-line sejam equivalentes às presenciais.

O MEC na pandemia

Em 2020, o MEC se absteve de protagonizar uma articulação com as redes de ensino para minimizar os impactos da pandemia. Um relatório da Comissão Externa da Câmara, que acompanha as ações do MEC, fez críticas à falta de liderança da pasta e à ausência de diálogo em decisões tomadas no período.

Em julho, o governo afirmou que forneceria chips e pacote de dados a 400 mil alunos de baixa renda das universidades e institutos federais. Em agosto, quando foi detalhar o programa (que ainda não havia sido implementado), o ministro da Educação, Milton Ribeiro, chegou a reconhecer que a ajuda chegou “um pouquinho tarde“.

Desde outubro,a expectativa era que o MEC homologasse uma resolução do Conselho Nacional de Educação, que previa a possibilidade de ofertar aulas remotas até dezembro de 2021. O conselho é responsável por assessorar o governo em políticas de educação e tem representantes do MEC. A resolução havia sido aprovada por unanimidade.

com g1