O relator da medida provisória que prevê a compra de vacina contra a Covid-19 pelo programa internacional Covax Faciliy (leia mais abaixo), deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), informou que o texto a ser votado pelo Congresso terá a previsão de um “termo de consentimento” a ser assinado por quem tomar a futura vacina.
Zuliani se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro nesta terça-feira (15) e afirmou que o termo a ser assinado pelos cidadãos vai tirar da União a responsabilidade sobre eventuais efeitos colaterais da vacina.
Epidemiologistas criticaram a exigência do termo e afirmaram que “parece que o presidente não quer que a vacina aconteça” (veja no vídeo abaixo).
VÍDEO: Termo de responsabilidade ‘não faz sentido’ e gera ‘suspeição’, diz epidemiologista
O advogado e diretor-executivo do Instituto Questão de Ciência (IQC), Paulo Almeida, afirmou que a proposta do presidente é “extremamente infeliz e irresponsável.
“Primeiro porque isso não é necessário desde que a vacina tenha aprovação, seja extraordinária, seja regular de registro de autoridades sanitárias competentes…. E, segundo, porque isso, em última instância, vai diminuir a cobertura vacinal em função da pessoa que quando for à UBS tomar a sua vacina tenha que assinar um termo”, disse Paulo Almeida.
“Eventualmente vai fazer com que várias pessoas desistam de tomar vacina por excesso de burocracia”, acrescentou o advogado
Termos de compromisso em estudos clínicos
A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o programa nacional de imunizações, também criticou o plano de Bolsonaro.
Ela lembrou que “esses termos são utilizados em estudos clínicos em que o pesquisador ainda não sabe a segurança daquele produto que ele está entregando para o voluntário da pesquisa. Então ele é fundamental neste processo, em que você ainda não conhece a segurança do produto”.
“Quando a vacina passou pelo estudo de fase 3, já se tem um resultado da qualidade e da segurança e da eficácia [da vacina]. Não justifica no programa de vacinação pedir um termo de consentimento. Parece que o presidente não quer que a vacina aconteça no nosso país. Ele está jogando contra a população que quer buscar a vacinação”, afirmou.
De acordo com Carla Domingues, não há razão para o presidente exigir termo de responsabilidade. “Nós estamos falando de uma vacina que já vai ter um registro da Anvisa, que terminou a fase três, que já mostrou que ela é uma vacina segura. Portanto, não se justifica fazer isso. Qual é o objetivo de fazer um termo desse? Isso vai inviabilizar qualquer campanha de vacinação”.
“Ao invés de ir para televisão, ir para mídia para fazer uma campanha de esclarecimento, da importância da vacinação, ele coloca que a vacina não é importante, que a vacina vai fazer mal a saúde e que a população não deve se vacinar”, criticou a epidemiologista.
A também epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel afirmou que o termo que Bolsonaro quer exigir não faz sentido.
“Precisamos estabelecer onde as pessoas devem ir caso ela apresente algum sinal ou sintoma [após a vacinação]. Precisamos estabelecer e deixar de forma bem transparente para a população, onde, como e quando a pessoa deve procurar um serviço de saúde se ela apresentar alguma reação à vacina. Esse termo de responsabilidade não faz sentido. Cria uma barreira para que as pessoas possam ir se vacinar; cria uma suspeita no momento que a gente precisa dar segurança às pessoas. A Anvisa só vai aprovar um produto que seja seguro e eficaz”, disse.
Covax Facility
Covax Facility é um programa global coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para impulsionar o desenvolvimento e garantir a compra de vacinas contra a Covid-19. A coalizão envolve mais de 150 países e a adesão do Brasil será prevista na medida provisória.
De acordo com o relator da MP, Geninho Zuliani, com a assinatura do termo, a responsabilidade passa a ser de quem foi vacinado. A ideia é o termo ser utilizado para todas as vacinas contra Covid-19 a ser aplicadas no Brasil.
“O que será feito, construído um termo de consentimento informado para cada pessoa que quiser tomar a vacina, ela vai estar sabendo, ela vai estar ciente de eventuais riscos que ela vai poder também junto com imunizante poder lá na frente sofrer alguma reação adversa”, disse o parlamentar.
A medida provisória relatada por Zuliani está na pauta desta terça da Câmara dos Deputados. O parlamentar espera aprovar o novo relatório até quinta (17).
De acordo com apuração do colunista do G1 Valdo Cruz, caso o termo de responsabilidade seja incluído na MP, deve ser derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou pelo Congresso Nacional.
Para ministros do STF e aliados do próprio presidente da República ouvidos pelo blog, a medida não vai prosperar. Segundo eles, uma vacina só vai ser aplicada no Brasil se for autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou agências similares no exterior. Nesse caso, dizem, não faz nenhum sentido exigir esse termo de responsabilidade.
Ministros do Supremo lembraram que, hoje, vacinas autorizadas no Brasil são aplicadas sem a exigência do termo. “Parece mais um medida para gerar polêmica e fugir da sua responsabilidade como dirigente do país”, afirmou reservadamente ao blog um ministro do STF.
Um aliado de Bolsonaro no Congresso disse que a proposta do presidente gera “susto”, “polêmica” e só “desestimula” a população a se vacinar. Segundo ele, vai acabar prejudicando uma medida que deveria ser de interesse não só da população, como do governo também: a vacinação em massa dos brasileiros.
‘Responsabilidade civil’
Em entrevista após o encontro com Bolsonaro, Zuliani afirmou que o presidente tem uma “grande preocupação” em relação à “responsabilidade civil do governo federal” na vacinação.
De acordo com o relator da MP, o governo federal não pode assumir o “passivo” futuro sobre eventuais efeitos colaterais das vacinas.
“O laboratório da Pfizer, no contrato que ele disponibilizou para o governo federal, ele tem uma cláusula que ele tira responsabilidade do laboratório para eventuais efeitos colaterais do futuro. E o presidente da República, ele quer repassar isso de forma segura, de forma clara, de forma transparente a todos que receberão a vacina”, explicou o parlamentar.
Conforme o deputado, cada pessoa antes de ser vacinada será informada de que tomará um imunizante que passou por fases de testes, mas que não teve “estudo tão aprofundando como outras vacinas”.
“Eventualmente pode ter algumas reações que não dá para União assumir esse passivo ao longo das próximas décadas de todo aquilo que eventualmente uma vacina pode trazer de efeito colateral”, afirmou.
Segundo o deputado, o termo não constava no relatório da medida provisória, mas será incluído por ele.
Vacinação voluntária
Zuliani também informou na entrevista que, após acerto com Bolsonaro, o texto da medida provisória definirá que a vacinação será “voluntária” e não obrigatória no Brasil. O presidente já se manifestou mais de uma vez contra a obrigatoriedade da vacina.
O relator declarou que, pela MP, a vacina será “universal”, com a aplicação seguindo os grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde. Segundo o deputado, o texto também vai prever que todas as vacinas aprovadas pela Anvisa passarão a “fazer parte automaticamente” do programa nacional de imunização.
G1 PB