Falta de tecnologia pode ser entrave para Cannabis no Brasil

Terra boa, clima favorável e terreno de sobra é o que não falta para o plantio da Cannabis no Brasil. Além dos problemas relacionados à regulamentação, outro entrave aparece no meio do caminho para introduzir a cultura no país: a falta de tecnologia agrícola.

“Há uma tendência de importar modelos de produção que já estão sendo executados em outros países”, explica Sergio Barbosa, pesquisador e fundador da startup ADWA Cannabis. Esse é um dos caminhos naturais na introdução de qualquer cultura nova, mas no caso da Cannabis o negócio pode sair ainda mais caro pelo maquinário sofisticado.

Para Barbosa, estamos atrasados neste mercado; EUA, Canadá e Europa largaram na frente e desenvolveram tecnologias para o manejo da cultura como máquinas para plantio, colheita e pós-colheita.

“O custo Brasil é bem diferente quando comparamos com estes países, não temos tanto acesso à tecnologia a baixo custo como eles têm”, diz.

Para aproveitar melhor o potencial brasileiro, explica, seria necessário trabalhar pesquisa e tecnologia, principalmente na área de melhoramento genético para desenvolver variedades de plantas nacionais.
Até o momento, grande parte de Cannabis cultivadas no mundo foram desenvolvidas e melhoradas em países temperados ou subtropicais. Em outros climas, essas plantas terão um comportamento diferente do esperado. Com a diversidade de climas que temos por aqui, o resultado é ainda mais incerto.

“Daí temos que criar um ambiente artificial onde é possível reproduzir o clima onde aquela planta foi adaptada. Encarece muito o custo de produção”, diz Barbosa.

Em parceria com a UFV (Universidade Federal de Viçosa) e através do Departamento de Fitotecnia e do Grupo Brasileiro de estudo sobre a Cannabis sativa L., a startup quantificou as áreas com maior aptidão para o cultivo da erva, dividindo entre produção de fibras, flores e sementes.

O relatório inclui espécies com alto teor de THC, a substância psicoativa da planta, e também baixo, o cânhamo.

Segundo o relatório, o Brasil tem aproximadamente 7,5 milhões de quilômetros quadrados de áreas disponíveis para o cultivo da planta.

Devido à produtividade até 12 toneladas de celulose por hectare, a Cannabis é uma opção para a indústria de papel e celulose — prato cheio para o agronegócio. Também é usada para fins medicinais, fabricação de superalimentos e produtos estéticos e dermatológicos.

O atrativo comercial da planta começou a chamar a atenção da bancada ruralista. Tramita na Câmara o PL 399/2015 para regulamentar seu plantio para fins medicinais e o de cânhamo, que vem ganhando a atenção dos deputados.

A Embrapa participa das discussões para explicar, sobre o ponto de vista científico, dúvidas dos parlamentares sobre como poderia ser elaborado um sistema de produção seguro e controlado, já que inexistem pesquisas sobre o assunto adaptadas ao Brasil.
O Ministério da Agricultura afirmou que não se manifesta sobre a tramitação do projeto e diz que não existe qualquer estudo sobre o tema.

A Comissão de Agricultura da Câmara debate o tema desde setembro de 2019, e desde então cresceu o diálogo com o setor agrícola. “Não apenas com o grande agronegócio, mas também os representantes da agricultura familiar e pequenos produtores”, conta o advogado Rodrigo Mesquita, que acompanha a tramitação.

“Uma grande variedade de setores poderá se aproveitar disso: o agronegócio [commodity], o setor de biotecnologia [melhoramento genético], o da indústria têxtil, alimentos e bebidas, construção civil”, diz ele.

“Há sempre uma polêmica quando se trata desta planta e em nenhuma bancada, seja a ruralista ou a evangélica, existe uma posição unânime”, diz Dennys Zsolt, pesquisador da Canapse, associação parceira da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).

“Mas, grande parte dos produtores e membros da bancada ruralista acompanham de perto o desenvolvimento em outros países e sabem que temos condições para dominar este mercado. O lucro bruto é mais que o dobro da soja quando a finalidade é fibra e grãos; para fins medicinais, ainda maior”, diz Zsolt.

Segundo ele, a cultura ainda pode ser rotacionada com soja e milho no campo.
“O mercado medicinal [caso a liberação seja aprovada] deve acabar sendo dominado pela agricultura familiar em parceria ou contratos com produtores de medicamentos devido às demandas de rastreabilidade, qualidade [sem agrotóxicos] e por demandar mão de obra intensiva. Já para a produção de fibras e grãos, esta deve ser abraçada, em grande parte pelo agronegócio”, diz.

A diversidade na produção agrícola brasileira — do agricultor familiar no sertão nordestino ao produtor de alto nível tecnológico — deve ser explorada se o passo do plantio for dado, avaliam especialistas.

“Teremos que desenvolver modelos adequados para cada uma dessas realidades, e isso também é um desafio”, explica Sergio Barbosa.

“E isso entra na distribuição da variedade. Se você pegar um produtor que tem um alto nível tecnológico, você oferece uma variedade que necessita de um cuidado maior. Para um produtor pequeno, com menos acesso à tecnologia, é preciso desenvolver uma variedade mais rústica. Cabe observar esse cenário de diferentes produtores”, diz.

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