Uma pesquisa da Universidade de Oxford divulgada em janeiro apontou que 81 países – entre eles o Brasil – foram em 2020 cenários de ações de “propaganda computacional” e “desinformação industrializada” sobre temas políticos. Essas iniciativas foram promovidas profissionalmente por agências governamentais e outros atores institucionais ou privados – empresas, partidos e influenciadores digitais.
No estudo, o país aparece com “tropas cibernéticas” dedicadas a atacar opositores do governo e aumentar a polarização na sociedade, entre outras metas. Em seu repertório de instrumentos, estavam as fake news. Essas notícias falsas, inventadas para manipular a opinião pública, foram massificadas por robôs nas redes sociais.
“Na indústria da desinformação global, o Brasil está posicionado como um país com ‘tropas cibernéticas’ de capacidade média”, afirmou ao Estadão, em entrevista por e-mail, a pesquisadora Antonella Perini.
Ela integra o Projeto de Pesquisa de Propaganda Computacional do Oxford Internet Institute (OII). O grupo de pesquisadores constatou que, em relação a 2019, houve crescimento no número de países com esse tipo de atividade. Foi de 15,7%, 81 ante 70.
O Brasil “garantiu” sua presença na lista de Oxford, posicionado entre países com média capacidade de desinformação industrializada, apontou a pesquisa Industrialized Disinformation 2020 – Global Inventory of Organized Social Media Manipulation, lançada em 13 de janeiro.
As ações de suas “tropas” foram marcadas por atividade recente, em caráter permanente, com alguma centralização, emprego de recursos financeiros e existência de uma coordenação central.
O país está ao lado de Armênia, Austrália, Bolívia, Cuba, Hungria, Polônia, México, Síria, Turquia. Ao todo, são 37 países nesse grupo. Empregam gente em tempo integral. Promovem ações “para manipulação de mídia social”. Algumas operam até fora de seus respectivos territórios nacionais, diz o relatório.
“As mais utilizadas estratégias no Brasil foram mensagens pró-governo, ataques à oposição e polarização”, disse Antonella Perini. “Mais frequentemente, os ataques são voltados contra jornalistas e meios de comunicação que são críticos ao governo, contra políticos e contra funcionários públicos.”
Classificação
Em primeiro lugar nesse ranking, a pesquisa da universidade britânica aponta um grupo com 17 outros países. Suas “tropas”, afirma, têm “alta capacidade” de desinformar.
Estão lá Estados Unidos, China, Reino Unido, Índia, Rússia, além de Arábia Saudita, Venezuela, Irã, Iraque. Para “iludir” o público, usam notícias falsas e outros truques, recorrem a contas automatizadas, campanhas organizadas de denúncia e até a perfis roubados.
Suas atividades envolvem muita gente e grandes despesas. O dinheiro vai para operações psicológicas e guerra de informações.
“Essas equipes não operam apenas durante eleições, mas envolvem funcionários em tempo integral dedicados a moldar as informações”, prossegue o relatório. “Equipes de tropas cibernéticas de alta capacidade focam operações domésticas e no exterior. Também podem dedicar fundos à mídia patrocinada pelo Estado, para campanhas de propaganda aberta.”
O terceiro grupo tem baixa capacidade no campo da propaganda computacional. Estão lá 27 integrantes – Argentina, Colômbia, Espanha e África do Sul são alguns deles. Suas ações envolvem “equipes que podem estar ativas durante eleições ou referendos, mas param suas atividades até o próximo ciclo eleitoral”.
Segundo o estudo, desde 2009, em todo o mundo, quase US$ 60 milhões (mais de R$ 300 milhões) foram gastos em serviços de desinformação. Eles foram prestados por empresas privadas, em todo o mundo.
O número de campanhas de “propaganda computacional” dirigidas por governos ou partidos, cresceu constantemente ao longo dos anos pesquisados, aponta o trabalho.
“Em 2020, encontramos empresas privadas operando em 48 países, implantando propaganda computacional em nome de um ator político”, diz o texto.
“Essas empresas costumam criar contas-marionete, identificar públicos para microdirecionamento ou usar robôs ou outras estratégias de amplificação para estimular a tendência de certas mensagens políticas.”
O mesmo relatório lembra como grandes plataformas de comunicação intervieram recentemente nesse cenário. Elas tiraram do ar contas aparentemente gerenciadas por “tropas cibernéticas”, para ataques políticos.
‘Deserto de notícias’
Trinta e quatro milhões de brasileiros não têm acesso ao jornalismo local. Seis em cada dez municípios no Brasil estão nessa situação, chamada de “desertos de notícias”. O dado faz parte dos resultados obtidos na quarta edição do Atlas da Notícia, divulgado nesta terça-feira.
O levantamento apontou aumento de 10,6% na base de veículos jornalísticos – com forte presença digital. O registro desses novos meios de comunicação digitais levou à redução do número de “desertos” em cerca de 5,9% em relação à edição anterior da pesquisa, de um ano atrás.
CNN