Ministério da Saúde distribuiu na pandemia cloroquina que deveria ser para o combate da malária, apontam documentos

Nos documentos obtidos pelo jornal Folha de São Paulo, a que a TV Globo também teve acesso, o ministério relata a aquisição de dois medicamentos produzidos pela fundação e as quantidades: quase 16 milhões de comprimidos do fosfato de oseltamivir, o antiviral Tamiflu, e 4 milhões de cloroquina.

A MP abriu crédito extra de 9,4 bilhões de reais.

Os documentos do Ministério da Saúde foram enviados pela pasta ao Ministério Público Federal (MPF) em junho e outubro do ano passado. O órgão investiga uma possível lentidão na execução do orçamento pra combate à Covid.

Depois disso, o Ministério da Saúde e a Fiocruz informaram que a produção dos remédios não se concretizou. A fundação alega que os comprimidos de cloroquina produzidos e entregues à pasta foram para o programa nacional de prevenção e controle da malária.

Um outro documento, também obtido pelo jornal Folha de S. Paulo, mostra que o Ministério da Saúde usou a cloroquina destinada ao programa da malária para tratamento da Covid. A informação foi dada pelo próprio ministério, no dia 4 deste mês, ao MPF de Brasília.

No ofício, a pasta federal explica que, em março do ano passado, adquiriu três milhões de comprimidos de cloroquina de 150 mg da Fiocruz. E que depois houve um aditivo, e em dezembro recebeu mais 750 mil.

O documento também revela que a aquisição foi planejada para o atendimento ao programa da malária, entretanto, com o advento da pandemia pelo novo coronavírus e dadas as orientações de uso pelo Ministério da Saúde, a cloroquina passou a ser disponibilizada no SUS [Sistema Único de Saúde], em 27 de março de 2020, também para uso no contexto Covid.

A pasta informa, ainda, que distribuiu o medicamento aos estados, Distrito Federal e municípios conforme o número de casos de Covid registrados no boletim do ministério, e com base nas solicitações da secretarias municipais e estaduais de Saúde.

O ministério afirma que, especialmente entre abril e junho do ano passado, recebeu vários pedidos e, diante da insuficiência do estoque, o laboratório químico e farmacêutico do Exército disponibilizou a cloroquina 150 mg para a distribuição no SUS.

No mesmo documento, o ministério aponta a quantidade de cloroquina distribuída, somando a aquisição da Ministério da Saúde e a produção do laboratório do Exército: quase 5,5 milhões de comprimidos de cloroquina 150 mg.

“Então, você tira a medicação que foi produzida pra utilizar dentro da indicação de bula, que é pra tratamento de malária, e desvia para um tratamento que não tem indicação de bula, desvia de um programa específico pra que essa droga foi produzida para fazer o uso dela para tratar uma doença que não tem nenhuma indicação de bula, que hoje a gente já sabe bastante bem, inclusive com publicação hoje de um artigo da OMS, dizendo que essa droga não funciona e não deve ser utilizada pra tratamento de Covid-19”, diz.

O Ministério da Saúde afirmou que a aquisição de cloroquina da Fiocruz se manteve no patamar médio de anos anteriores, mas não respondeu por que distribuiu comprimidos destinados ao programa de combate à malária para o tratamento da Covid.

A Fiocruz declarou que fornece a quantidade de medicamentos solicitada e que não cabe à instituição assegurar o uso final do produto (veja a íntegra abaixo).

Íntegra da nota da Fiocruz

“A Fiocruz afirma que não houve produção de cloroquina pela Fundação para pacientes com Covid-19, com uso de recursos da MP 940/2020, voltados a ações contra a Covid-19. O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) produz o medicamento cloroquina 150mg apenas para atendimento ao Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária, a partir de solicitações do Ministério da Saúde (MS) há quase 20 anos.

Os recursos da MP 940/2020 recebidos pela Fiocruz, no valor de R$ 457,4 milhões, foram destinados para ampliação da capacidade de produção e fornecimento de testes para diagnóstico molecular e rápido; reforço da capacidade nacional de realização de testes em apoio à rede nacional de laboratórios públicos; realização de estudo clínico de novas drogas; construção e operação do Centro Hospitalar para a Pandemia de Covid-19 – Instituto Nacional de Infectologia; e produção do medicamento fosfato de Oseltamivir para tratamento de influenza.

A Fiocruz afirma que também não houve aquisição do insumo farmacêutico ativo (IFA) difosfato de cloroquina, em 2020 ou 2021, para produção de cloroquina. Ou seja, não há previsão, neste momento, de nova produção para o programa de malária.

As últimas entregas de cloroquina feita pela Fiocruz ao MS ocorreram no âmbito do Termo de Execução Descentralizada (TED 10/2020) para atendimento ao Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária. Foram entregues três milhões de comprimidos em março de 2020.

Em dezembro do mesmo ano, foi solicitado pelo programa de malária um aditivo de 25%, correspondente ao fornecimento de 750 mil comprimidos, que foram entregues em janeiro de 2021. O TED, bem como seu aditivo, não tem qualquer relação com a MP 940/2020 ou com o tratamento de pacientes de Covid-19.

Em relação ao medicamento fosfato de Oseltamivir, a Fiocruz esclarece que foram repassados à Farmanguinhos cerca de R$ 70 milhões da MP 940/2020 para a produção de um total de 16.822.500 de unidades farmacêuticas deste produto em diferentes concentrações, que vem sendo entregue conforme estabelecido por cronograma pactuado com Ministério da Saúde.

A produção ocorre desde 2009 e visa apoiar a estratégia de enfrentamento à influenza e não tem relação com o tratamento da Covid-19, sendo sua indicação para tratamento e profilaxia de gripe em adultos e crianças com idade superior a um ano.”

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