O presidente Jair Bolsonaro criticou nesta sexta-feira (9) o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), por ter determinado a instalação no Senado de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Por meio de uma rede social, o presidente afirmou, em relação a Barroso, que “falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política.”
Em nota, o Supremo afirmou que “os ministros que compõem a Corte tomam decisões conforme a Constituição e as leis.” Diz ainda que, “dentro do estado democrático de direito, questionamentos a elas (decisões) devem ser feitos nas vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça em nosso país.”
Presidente Jair Bolsonaro critica ministro Luís Barroso, do STF, por ordenar abertura de ‘CPI da Pandemia’ — Foto: G1
Bolsonaro, na postagem, diz que a decisão monocrática, ou seja, de apenas um dos ministros do Supremo e não referendada pelo plenário da Corte, se destinará a apurar apenas o governo federal.
Segundo Bolsonaro, não haverá espaço, na comissão, para investigar “nenhum governador” por eventuais desvios de recursos federais destinados ao combate à Covid-19.
O presidente afirmou ainda que Barroso se “omite” ao não determinar que o Senado também abra processos de impeachment contra ministros do STF.
“Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política”, afirmou Bolsonaro na postagem feita em uma rede social.
Regras diferentes
Especialistas ouvidos pelo G1 apontaram que a instalação de CPIs e a abertura de processos de impeachment seguem regras distintas (leia mais abaixo nesta reportagem).
No caso das CPIs, a instalação não depende apenas da decisão do presidente da Câmara ou do Senado. As regras estão previstas no artigo 58 da Constituição:
“As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”
Já no caso dos pedidos de impeachment de ministros do Supremo e do próprio presidente da República, a abertura do processo depende da vontade do presidente do Senado ou da Câmara.
Os pedidos de impeachment do presidente da República são enviados ao presidente da Câmara, enquanto os pedidos em relação a ministros do Supremo são encaminhados ao presidente do Senado.
Há hoje no Congresso tanto pedidos de impeachment de Bolsonaro quanto de ministros do Supremo, entretanto não houve decisão dos presidentes das duas casas para que eles tenham andamento.
Além disso, um ministro do STF não pode determinar a instalação de uma CPI sem ser provocado, ou seja, sem que alguém entre com uma ação fazendo esse pedido. No caso da decisão de Barroso, ele atendeu a uma ação movida por dois senadores.
Pedido tem apoio de 31 senadores
O pedido de criação da CPI foi protocolado em 15 de janeiro por senadores que querem apurar as ações e omissões do governo Jair Bolsonaro na crise sanitária.
Ao todo, 31 senadores assinaram o pedido de criação da comissão – quatro a mais que os 27 exigidos pelo regimento interno do Senado.
A comissão, no entanto, ainda não tinha sido instalada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Pacheco dizia considerar que a instalação da CPI durante a fase crítica da pandemia poderia agravar a “instabilidade institucional”, em vez de ajudar no combate ao vírus.
Diante da recusa do presidente do Senado, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) entraram com ação no STF pedindo que Supremo determinasse a instalação da CPI.
Em documento enviado ao STF por conta dessa ação, o Senado defendeu que a prerrogativa de decidir o momento de abertura da CPI é do presidente da Casa; que a comissão não contribui para o enfrentamento da pandemia; e que não há “compatibilidade técnica” para o funcionamento de uma CPI de forma remota (os senadores estão trabalhando de casa devido à pandemia).
Ministro Barroso, do STF, determina abertura de CPI da Covid
Após a decisão de Barroso, Pacheco afirmou que cumprirá a determinação e instalará a CPI. O presidente do Senado avaliou, no entanto, que a decisão foi “equivocada” e que a comissão poderá ser usada como “palanque político” para as eleições de 2022.
A decisão de Barroso
Na decisão, Barroso cita o agravamento da pandemia de Covid como um dos argumentos que justificariam a instalação da CPI.
“Além da plausibilidade jurídica da pretensão dos impetrantes, o perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da Covid-19. É relevante destacar que, como reconhece a própria autoridade impetrada, a crise sanitária em questão se encontra, atualmente, em seu pior momento, batendo lamentáveis recordes de mortes diárias e de casos de infecção”, descreve Barroso.
Barroso afirmou que a Constituição estabelece que as CPIs devem ser instaladas sempre que três requisitos forem preenchidos:
- assinatura de um terço dos integrantes da Casa;
- indicação de fato determinado a ser apurado;
- e definição de prazo certo para duração.
Segundo o ministro, não cabe omissão ou análise de conveniência política por parte da Presidência da Casa Legislativa sobre quando a comissão deve ser criada.
“É certo que a definição da agenda e das prioridades da Casa Legislativa cabe ao presidente da sua mesa diretora. No entanto, tal prerrogativa não pode ferir o direito constitucional do terço dos parlamentares à efetivação criação da comissão de inquérito”, escreveu.
Especialistas comentam decisão
Especialista em Direito Constitucional, Acacio Miranda da Silva Filho, diz que os presidentes da Câmara e do Senado têm obrigação de instalar CPIs quando cumpridos os requisitos. Já em relação aos processos de impeachment, “não há nenhuma obrigação quanto ao presidente do Senado e Câmara analisar”.
“Em relação à CPI, ela é exclusivamente legislativa. Ela tem os requisitos mais bem delineados na Constituição. Como regra, já é um entendimento consolidado, o presidente da Casa é obrigado a instaurá-la. Ele não tem discricionariedade, conveniência ou oportunidade. E foi o que o Supremo fez, segundo a própria jurisprudência da Corte”, avalia.
Savio Chalita, professor de Direito Constitucional, aponta que CPI e impeachment são coisas distintas.
“Existem na administração pública situações em que há discricionariedade e situações onde há ato vinculado. O discricionário é aquele ato em que há uma margem de decisão dentro da lei. A denúncia do impeachment é discricionária. Agora, quando a lei estabelece critérios objetivos, claros, se for cumprido, não há margem de discricionariedade, é obrigatório”, explica.
Segundo o especialista, se a CPI cumpre os requisitos e não é instalada, “vai-se buscar o Judiciário, com a possibilidade de um poder interferir saudavelmente no outro”.
“No sistema de freios e contrapesos, o poder é uno. Os poderes podem ter uma ingerência um no outro, um poder controla o outro mas de modo saudável, conforme a Constituição.”
“Tem que tomar cuidado com falas de caráter político e despidas de qualquer fundamento. Qualquer cidadão pode oferecer uma denúncia por crime de responsabilidade contra ministro do STF, é bastante semelhante ao caso do presidente. No caso do ministro, temos a mesma lei, que é a lei do impeachment. Se o presidente identificar que houve o cometimento de algum dos crimes, ele pode oferecer uma denúncia, ela é apresentada direto no Senado”, completa.