Com UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) em colapso e casos, internações e mortes em crescimento vertiginoso, Araraquara, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto decidiram adotar lockdown entre fevereiro e março como forma de tentar frear a disseminação da Covid-19.
Cada uma a seu jeito, mas com pontos principais em comum, como suspender o transporte coletivo, fechar supermercados e implantar barreiras para impedir a circulação de veículos e pessoas, a medida gerou protestos raivosos de comerciantes, arrombamentos de bancos e ameaças de morte a um prefeito. Xingamentos em redes sociais proliferaram quase que no mesmo ritmo do crescimento de casos do novo coronavírus.
Semanas após o lockdown e a reabertura gradativa de alguns setores — todas seguem na fase vermelha do Plano São Paulo —, as três cidades em geral registram indicadores melhores do que os apresentados no período pré-fechamento das atividades. Mas o cenário ainda é crítico.
Em São José do Rio Preto, o lockdown foi implantado com mais restrições entre os dias 17 e 21 de março, mas durou até o dia 31.
A média móvel de casos leves notificados caiu de 1.289, antes do lockdown, para 792 na última quarta-feira (7), ou 38% a menos. Já os casos graves caíram de 47 por dia, na média, para 32 (32% menos).
“Não se pode esperar nada antes de dez dias. No nosso caso, começamos a ter a queda a partir do décimo segundo dia”, disse o secretário da Saúde de São José do Rio Preto, Aldenis Borim, durante anúncio dos resultados das restrições.
Dois dias antes da implantação do lockdown, a cidade tinha 1.471 notificações de estado gripal e, segundo Borim, a tendência não era de queda, o que fez com que a administração decidisse pelas medidas, que foram seguidas por outras 11 cidades da região — Bady Bassit, Sales, Ibirá, Nova Aliança, Nova Granada, Palestina, Mira Estrela, Icém, Guapiaçu, Monte Aprazível e Jales.
“O efeito do lockdown não é momentâneo, tem de ter tempo para diminuir a circulação de pessoas, transmissão, casos leves e internados. Dia 28, percebemos que essa curva mostrava uma tendência de diminuição. Dos 1.471 casos, tivemos, no último dia 7, 728 notificações, o que dá 50%. Ainda há exames para saírem resultados, mas não mudará muito, pode cair para 48%, 40%.”
A média móvel de óbitos é de 17, o que o secretário diz considerar muito alta, “muito indesejável”. Mas há a expectativa com base nos dados de casos leves e internações de que o número de mortes venha a cair nas próximas semanas também.
A cidade, que na primeira onda chegou a 74% de ocupação de UTIs, em março atingiu 98%.
Rio Preto seguiu as medidas que tinham sido adotadas quase um mês antes em Araraquara, que, governada pela quarta vez pelo ex-ministro Edinho Silva (PT), serviu de modelo também para mais de uma dezena de cidades da região de Ribeirão Preto, como Jaboticabal, Batatais, Orlândia e Altinópolis.
Em Ribeirão, até a última semana houve queda de 45% em relação aos sete dias anteriores na procura de pacientes com suspeita de Covid-19 nas unidades de atendimento da prefeitura, e a expectativa é que a partir desta semana possa haver queda em outros indicadores, como internações.
“As decisões precisam ser tomadas imediatamente, não podem ser postergadas. Existe o que é perfeito e o que é possível. Fechamos a cidade por cinco dias, as indústrias todas, e nós peitamos aqui, tivemos a coragem de fazer e foi bom”, disse o prefeito de Ribeirão, Duarte Nogueira (PSDB).
Ele afirmou que o prazo era o possível em meio às dificuldades enfrentadas, mas que não hesitará se precisar adotar a mesma medida caso o cenário piore.
Apesar de protestos de comerciantes — houve quem manteve a porta de seu comércio aberta —, a medida teve apoio da Acirp (associação comercial). “A entidade defende o funcionamento do comércio, indústria e serviços, mas acima de tudo é a favor da vida e entende que, neste momento, não é possível pedir recuo das medidas, pois não podemos ser cúmplices das mortes que ocorrerão em caso de um colapso no sistema de saúde”, diz comunicado da entidade.
Embora o índice de ocupação de UTIs tenha caído — 93% neste domingo, ante 96% do pré-lockdown —, isso ocorreu porque a cidade abriu mais leitos.
No ápice da pandemia em 2020, a cidade tinha 245, ante os 314 atuais, dos quais 292 estavam ocupados neste fim de semana.
“Continuamos com uma quantidade grande de internados porque o vírus tem infectado pessoas mais jovens. Se antes a pessoa ficava seis ou oito dias internada, agora fica 14 ou mais. Elas aguentam mais tempo na luta contra o vírus”, disse Nogueira.
Dez desses leitos foram abertos na última semana no HC (Hospital das Clínicas), vinculado à USP, que passou a ter 82 vagas intensivas.
“Tivemos uma diminuição de 22% de mortes em relação ao ano passado das faixas de 90 a 60 anos, que já é reflexo da vacinação, mas não podemos abrir mão das medidas, temos de considerar que essa onda veio mais pesada e tocou mais fundo na consciência de algumas pessoas que subestimaram a doença. E alguns que passaram pela doença e tinham visão negacionista viram ele mesmo ou o pai morrerem.”
Em Araraquara, onde o lockdown iniciou-se em 21 de fevereiro, com restrições mais severas nos sete primeiros dias, após um mês a cidade viu cair a média móvel diária de novos casos de 189 para 80 (-58%) e de pessoas internadas de 218 para 172 (-21%).
Já os óbitos nas semanas pré-lockdown e depois de um mês se mantiveram estáveis (25), mas em relação à pior semana da pandemia (1 a 7 de março), quando ocorreram 41 mortes, a queda foi de 39%.
Na última semana, Araraquara passou quatro dias sem ter mortes por Covid-19. Desde o início da pandemia, foram 344 óbitos, sendo 252 neste ano e 228 a partir de fevereiro, quando explodiu a circulação da variante brasileira, acelerando casos, internações e mortes. Em 2020 inteiro, foram 92.
Edinho disse que o lockdown foi resultado da construção de um processo, iniciado quando a prefeitura detectou forte crescimento da curva diária, que não caía mesmo com as restrições impostas pela fase vermelha do Plano São Paulo.
“Sabíamos que era a cepa de Manaus, falamos com a OMS, com pesquisadores que acompanharam a doença em Manaus. Nosso comitê científico local projetava um quadro muito difícil, poderíamos quase triplicar o número de leitos e não resolveríamos o problema das internações. Olhamos as experiências brasileiras e não vimos nada semelhante, mesmo na Europa não tinha algo tão restritivo assim, com fechamento de supermercado, transporte. Fizemos um modelo dentro da necessidade que estava posta”, disse o prefeito.
Assim, Araraquara impediu bancos de abrirem até mesmo caixas eletrônicos, determinou o fechamento de postos de combustíveis e implantou barreiras para não haver circulação de pessoas. Avenidas ficaram vazias, mas comerciantes chegaram a fazer protesto e quatro bancos tiveram as portas dos caixas eletrônicos arrombadas por pessoas que queriam sacar dinheiro no primeiro fim de semana de vigência. O prefeito também foi ameaçado, num caso que é investigado pela Polícia Civil.
O lockdown veio seguido de uma série de medidas, como a transformação de um antigo motel em unidade para atender pacientes que não têm condições de cumprir o isolamento em suas casas e o uso de uma igreja como extensão da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Vila Xavier, para internações precoces.
Para planejar ações, Araraquara vai medir carga viral em esgoto Além das medidas já tomadas com as unidades de apoio ao sistema de saúde, a prefeitura anunciou uma parceria envolvendo o Daae (departamento de água e esgotos) e a faculdade de ciências farmacêuticas da Unesp (Universidade Estadual Paulista) para analisar 50 pontos da rede de esgoto da cidade.
Serão monitorados os últimos postos de cada região antes de o esgoto ir para o emissário, para medir a carga viral de cada região e planejar iniciativas para enfrentar a doença naquele local específico.
A análise, semanal, teve início terça (6) na unidade de retaguarda e no hospital de campanha para casos da Covid-19.
“É um pouco desenvolver o conceito de isolamento vertical. Em vez de parar a cidade toda, paramos a região específica em que a incidência está maior. É uma espécie do método de controle da dengue que estamos tentando levar para o combate à Covid-19”, disse o prefeito Edinho Silva.
De acordo com a coordenadoria extraordinária de ações de combate ao novo coronavírus, não há transmissão da doença pelo esgoto, já que o tratamento feito é suficiente para eliminar o vírus.
Neste domingo (11), Araraquara tinha 165 pacientes internados, sendo 80 em UTIs –que têm índice de ocupação de 92%.
A cidade, que chegou a internar moradores a até quase 400 km de distância, hoje abriga 89 pacientes de outras 28 cidades, que correspondem a 54% de seus internados.
Há pacientes de Cuiabá, Rio de Janeiro e São Gabriel do Oeste (MS), por exemplo. São Carlos, com 28 pacientes, é o município que mais enviou infectados para internação em Araraquara.
As aulas presenciais da rede municipal de Araraquara recomeçam nesta segunda (12), sem a obrigatoriedade do comparecimento físico dos alunos. Houve casos em que a unidade de ensino tem 230 alunos e só 35 confirmaram a intenção de voltar agora.
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