Coleção de desentendimentos amplia distância entre Bolsonaro e Fernández

Mais um mal-estar se somou à coleção de desentendimentos entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández, depois que o presidente brasileiro alfinetou o argentino sobre as restrições anunciadas por ele para frear o aumento de casos do novo coronavírus na região de Buenos Aires. Não é o primeiro, nem será o último, apenas amplia a distância entre os dois mandatários, inviabilizando o que se espera de uma boa convivência entre vizinhos e parceiros comerciais.

Desta vez, Fernández assumiu um tom didático em relação a Bolsonaro, que, num tuíte, afirmou ironicamente que o Exército argentino estava nas ruas para manter a população em casa. O presidente brasileiro ainda afirmou, falsamente, que há toque de recolher entre 20h e 8h, quando, na realidade, o horário de restrição à circulação se encerra às 6h.

“É preciso explicar um pouco a Bolsonaro como funciona a Constituição: na Argentina não há toque de recolher, na Argentina as Forças Armadas não fazem a segurança interna, mas dão apoio à população em situações catastróficas”, respondeu o presidente argentino, ao explicar que o Exército não patrulhará as ruas.

As relações entre eles oscilam entre frias e litigiosas. O momento mais próximo de cordialidade transpareceu em novembro passado, na única reunião bilateral, por videoconferência. Até então, prevaleceu a troca de críticas e insultos entre os desafetos: “esquerdalha”, por parte de Bolsonaro, para condenar o retorno do kirchnerismo ao país, com a vitória de Fernández, em outubro de 2019; “misógino, racista e violento”, nas palavras do argentino sobre o brasileiro.

Quando Fernández enviou ao Congresso a proposta de legalização do aborto, Bolsonaro devolveu: “Tiraram Macri e o resultado é isso. Povo argentino, lamento, é o que vocês merecem.”

A Argentina é frequentemente referida pelo presidente brasileiro ou integrantes de seu governo como a etapa anterior à Venezuela, em termos de rebaixamento. Em fevereiro, reproduziu, num post, a imagem de uma reportagem do jornal “O Globo” sobre a emigração dos argentinos durante a pandemia.

A condução da crise sanitária evidenciou posições irreconciliáveis. Bolsonaro condena veementemente o lockdown para conter a pandemia. Não incentiva o uso de máscaras faciais, tampouco é defensor da vacinação.

Fernández, por sua vez, optou por quarentenas e pacotes de restrições, como o que anunciou nesta quarta-feira à noite em pronunciamento. Diante do recrudescimento da doença, com 25 mil novos casos por dia, ele suspendeu por duas semanas as aulas presenciais e a circulação de pessoas entre 20h e 6h em Buenos Aires e nos 40 municípios que rodeiam a capital argentina. Atividades recreativas, culturais e religiosas em lugares fechados também estarão proibidas.

Após o post de Bolsonaro, o presidente argentino deixou claro que jamais cogitou decretar toque de recolher ou estado de sítio em seu país, como insinuou o brasileiro: “É chocante que ele diga isso.” Com Bolsonaro e Fernández em campos ideologicamente opostos, Brasil e Argentina nunca estiveram tão afastados.

G1