Os alunos do curso de direito de uma universidade particular de Ourinhos (SP) publicaram uma carta de repúdio e pediram o afastamento do professor que viralizou e causou polêmica nas redes sociais ao dizer que o comportamento da vítima de estupro pode “colaborar” com o crime.
Na carta aberta que foi divulgada na página da Associação Atlética Acadêmica de Direito FIO no Facebook, assinada por alunos de vários períodos do curso de Direito da Unifio, os estudantes pedem o afastamento do professor Fábio Alonso das atividades, uma vez que, segundo os próprios alunos, ele não teria entendido o posicionamento deles apesar da conversa que tiveram com o docente.
“Por mais que a gente tenha conversado já com o professor sobre o ocorrido, as recentes entrevistas por ele dadas aos meios de comunicação, que agora estão sendo divulgadas, demonstram que o que foi exposto pelos alunos ainda não foi por ele compreendido, sendo este o primeiro ponto de nossa nota.”
“Em nenhum momento, nós alunos, queremos censurar ou impedir que determinados temas sejam tratados dentro de sala de aula. O que nos incomodou profundamente foi, além do exemplo utilizado para explicar determinado conceito jurídico, a forma como esse exemplo foi dado”, esclarece o documento divulgado pelos estudantes.
No documento, os alunos também manifestam o descontentamento com a reitoria da universidade que, segundo eles, “teria lavado as mãos” e deixado para os próprios resolverem a questão.
“A Universidade declarou que defende a “liberdade de cátedra” de seus professores e que o assunto deveria ser tratado por estes. Eles que deveriam deliberar o que fazer com o professor. Vale lembrar que, hoje, o professor Fábio é coordenador do Curso de Direito, aquele que atribui as aulas para os demais professores”, diz outro trecho da nota.
O vídeo que viralizou nas redes sociais na última sexta-feira (16), é um trecho de uma aula de uma hora e meia onde o professor diz aos alunos:
“Vamos pensar: o que é mais fácil estuprar? Uma freira de hábito ou aquela menininha com a cinta larga? Fala para mim. Que vítima colabora mais com a prática do crime de estupro? Eu estou falando em tom de brincadeira, mas eu quero que vocês imaginem isso.”
Segundo um dos alunos ouvidos pela reportagem do G1, a declaração ocorreu durante uma aula online na terça-feira (13). De acordo com ele, o professor usou a frase para exemplificar um assunto da disciplina em relação ao que se leva em consideração para chegar à pena do condenado.
Em outro momento do vídeo, durante a explicação, o professor também disse:
“Quem apanha mais? Não estou dizendo que isso tem feito, estou falando para vocês, vamos ser realistas. Quem apanha mais? A mulher passiva, que fica quietinha, que vê quando o marido chegou de cara cheia, ou aquela que começa ‘ai, bebeu de novo, trabalhar que é bom você não quer, né seu vagabundo?’ Quem apanha mais? A quietinha ou a bocuda?”, declarou no vídeo.
Nas redes sociais, usuários reprovaram a atitude do professor. “Meu Deus, eu estou com o coração acelerado vendo esse vídeo”, comentou uma internauta. “Repúdio e responsabilização”, disse outro usuário.
Declaração de professor em aula online em Ourinhos repercutiu nas redes sociais — Foto: Facebook/Reprodução
“Fui infeliz”
Em entrevista ao TEM Notícias, o professor que é delegado aposentado e coordenador do curso, disse que foi infeliz ao usar o exemplo do crime de estupro.
“Eu gostaria de me retratar e de pedir desculpas às pessoas que tiveram acesso ao vídeo, porque fui infeliz no exemplo que foi dado.”
‘Fui infeliz’, diz professor sobre declaração de que vítima ‘colabora’ com estupro
“Eu estava dizendo que o juiz, no momento em que ele vai dosar a pena, tem que analisar as circunstâncias judiciais que estão expressamente previstas no artigo 59 do Código Penal, que dizia: a pessoa pode ter bons antecedentes e pode ter maus antecedentes, pode agir com maior ou com menor culpabilidade”, explica.
O professor afirmou ainda que em momento algum imaginou que poderia ter sido interpretado dessa forma e que utiliza esse exemplo nas aulas há pelo menos 15 anos.
“O que eu fiz não foi para ofender ninguém, foi com fins didáticos, e seria algo no mínimo deselegante querer associar com qualquer instituição. A instituição não tem nada com isso. E, em momento algum, eu fiz referência à condição de mulher como vítima”, explica.
Professor Fábio Alonso, de uma universidade particular de Ourinhos (SP) — Foto: Reprodução/TV TEM
Exemplo ultrapassado
Na carta, os alunos citam outros juristas e até incluem um vídeo do professor Fábio Roque Araújo, que tem um canal de vídeos no Youtube com mais de 31 mil inscritos sobre assuntos relacionados ao Direito e Processo Penal, para reforçar que o exemplo dado pelo professor seria ultrapassado.
“A doutrina penalista mais moderna, exemplificada pelo professor Cléber Masson, um dos maiores penalistas de nosso país, deixa claro que o comportamento da vítima do crime de estupro não deve mais ser levada em consideração pelo juiz. Dito de outra forma: não importa quem era a vítima, onde estava andando, que horas estava na rua, com que roupa estava. Nada disso importa como enquanto “comportamento da vítima” para atenuar pena de estuprador”, afirma os alunos na carta.
Em outro trecho do documento, os estudantes afirmam que “que o fato de o professor mencionar em suas entrevistas que usa esse mesmo exemplo há 15 anos só demonstra o quanto seu conhecimento está ultrapassado e ainda defende posicionamentos machistas e retrógrados. Isso não deve mais ser levado em consideração e é extremamente ofensivo para as mulheres que assistem sua aula.”
E por fim, os estudantes pedem o afastamento do professor das atividades. “Isso é inadmissível nos tempos em que vivemos e, por sermos aqueles que mantêm essa instituição com nossas mensalidades, queremos, o quanto antes, que o professor Fábio Pinha Alonso seja imediatamente afastado de suas funções.”
O Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos (Unifio) publicou uma nota no site da instituição sobre o ocorrido:
“A Unifio esclarece que repudia qualquer tipo de discriminação ou ato de preconceito, seja por deficiência física ou mental, cultura, religião, nacionalidade, raça, classe social ou identidade de gênero. Assim, após tomar conhecimento da divulgação do ocorrido pelas redes sociais, a Unifio está apurando os fatos para análise de eventual necessidade de adoção de providências, sempre respeitando o devido processo legal e os princípios do contraditório e da ampla defesa.”
Ainda na nota publicada, a universidade disse que irá propor um workshop para debater o tema com profissionais da área e a comunidade, com o intuito de promover mais conhecimento e cumprir com o seu papel educacional.
O que diz a lei
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‘Ele comenta e reproduz uma cultura que não se aceita mais numa sociedade civilizada’, diz desembargadora sobre professor de direito
O advogado da área penal e presidente da Comissão da Advocacia Criminal da OAB de Sorocaba (SP), Marcelo Savoi Pires Galvão, explicou, em entrevista ao G1,que há exemplos em livros didáticos de quais elementos são levados em consideração durante o julgamento de um caso.
“O artigo 59 do Código Penal traz vários requisitos que devem ser levados pelo juiz, como os antecedentes de quem cometeu o crime, a personalidade, quais consequências esse crime teve, se gerou lesões graves fisicamente na vítima ou se causou um grande prejuízo patrimonial. Dentre todos esses elementos que devem ser considerados tem também o comportamento da vítima.”
Ainda segundo o advogado, a referência comportamental da vítima é avaliada no processo. “O professor não cometeu nenhum crime por citar esse exemplo. É um exemplo que consta na literatura. Existem outros exemplos e a lei consta isso. A lei diz que, se uma vítima se comportar de uma maneira que contribua para a prática do crime, a pena vai ser reduzida”, explica o advogado.
“É inadmissível que um professor que forma os futuros operadores do direito, seja advogados, juízes, promotores, defensores, passe a ensinar o ‘não direito’ para os seus alunos e alunas. Ele deu exemplos misóginos. Ele comenta e reproduz uma cultura que não se aceita mais em uma sociedade civilizada”, diz a desembargadora Kenarik Boujikyan sobre o caso.
G1