Ofício sobre uso de cloroquina pode ser prova contra governo federal em CPI da Covid-19

 O senador Renan Calheiros (MDB-AL), futuro relator da CPI da Covid, já tem em mãos um ofício no qual o governo federal orienta a Fiocruz a divulgar e indicar a prescrição de cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento contra a Covid-19.

Para membros da comissão, o documento poderá ser usado eventualmente como prova para imputar crimes a integrantes do governo Jair Bolsonaro na gestão da pandemia.
Os senadores do grupo independente e de oposição que compõem a CPI definiram que uma das frentes de investigação deve ser a recomendação do uso de remédios sem eficácia comprovada contra a Covid, mais notoriamente da hidroxicloroquina.

Além da retórica do presidente da República, os parlamentares do colegiado querem apurar a atuação do Ministério da Saúde para incentivar o uso dos medicamentos por estados e municípios.

O governo recentemente passou a adotar a narrativa de que apenas disponibilizou os medicamentos para os entes federados que solicitaram a hidroxicloroquina, por exemplo, e que a decisão final cabe aos médicos.

Os senadores, no entanto, pretendem iniciar a investigação em um período anterior e por isso já trabalham na pesquisa de documentos que possam comprovar essa ação para estimular a administração do medicamento.

A CPI tem sua instalação marcada para a próxima terça (27). Além da confirmação de Renan na relatoria, a primeira sessão de trabalhos deve eleger o senador Omar Aziz (PSD-AM) presidente da comissão. A base do governo é minoria entre os 11 integrantes.

O ofício de 29 de junho do ano passado enviado pelo Ministério da Saúde à Fiocruz é um dos textos que estão na relação de evidências que comprovariam a orientação explícita de Bolsonaro para uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid –algo rechaçado por especialistas.

O texto, assinado pelo coronel Luiz Otavio Franco Duarte, então secretário de Atenção Especializada à Saúde na gestão Eduardo Pazuello, foi encaminhado também ao Instituto Evandro Chagas e a Fernandes Figueira, diretor do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Ele solicita aos órgãos que indiquem e divulguem o uso do remédio no combate à doença.

“Solicito a ampla divulgação desse tratamento [uso da cloroquina ou hidroxicloroquina], considerando que ele integra a estratégia do Ministério da Saúde para reduzir o número de casos que cheguem a necessitar de internação hospitalar para tratamento de síndromes de pior prognóstico, inclusive com suporte ventilatório pulmonar e cuidados intensivos”, diz o ofício.

O documento lista medidas “essenciais a tomar e divulgar”. Em primeiro lugar, solicita que haja divulgação para se considerar a “prescrição de cloroquina ou hidroxicloroquina nos primeiros dias dos sintomas, no âmbito do Sistema Único de Saúde”.

Em segundo, diz que as unidades de saúde devem “dispor visivelmente as orientações para prescrição para gestantes e pacientes adultos e pediátricos com sinais leves, moderados e graves nas três fases de tratamento”.

O ministério ainda orientou as instituições a disponibilizarem o Termo de Ciência e Consentimento aos médicos que prescreverem cloroquina ou hidroxicloroquina.
“Devem estabelecer um fluxo de atendimento e o monitoramento por meio de eletrocardiograma para pacientes nos primeiro, terceiro e quinto dias de tratamento com cloroquina ou hidroxicloroquina isolada ou em associação com azitromicina.”

Outra informação que deve ser usada para embasar eventuais acusações contra o governo são ofícios do meio do ano passado segundo os quais o governo mandou a Fiocruz produzir a cloroquina, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo em fevereiro.
Obtidos pelo jornal, os documentos do Ministério da Saúde datam de 29 de junho e 6 de outubro e mostram a produção de cloroquina e também de fosfato de oseltamivir (o Tamiflu) pela Fiocruz, com destinação a pacientes com Covid-19. O Tamiflu também não tem eficácia contra a doença, segundo estudos.

O dinheiro que financiou a produção partiu da MP (Medida Provisória) 940, editada em 2 de abril por Bolsonaro para o enfrentamento de emergência do novo coronavírus, como consta nos dois documentos enviados pelo Ministério da Saúde ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília.

A MP abriu um crédito extraordinário, em favor do ministério, no valor de R$ 9,44 bilhões. Para a Fiocruz, que é vinculada à pasta, foram destinados R$ 457,3 milhões para “enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.

A ala governista que compõe a CPI, por sua vez, trabalha para afastar das investigações as questões relativas aos medicamentos sem comprovação de eficácia contra a Covid-19. Argumentam que se trata de uma questão subjetiva, uma vez que a decisão final de administrar ou não medicamentos como a hidroxicloroquina cabe aos médicos.

Um senador governista lembra que a CPI precisa focar em um “fato determinado” para cumprir os requisitos para a sua instalação, citando como exemplo a questão do colapso do sistema de saúde de Manaus, onde serão investigados fatos concretos, como a falta de leitos, de oxigênio e se os repasses do governo federal não foram empregados.

Segundo ele, não é possível criar uma linha de investigação a respeito da hidroxicloroquina, delimitar um fato a ser investigado, por conta da subjetividade da questão.

Os integrantes da CPI da Covid no Senado

Governistas
Jorginho Mello (PL-SC)
Eduardo Girão (Podemos-CE)
Marcos Rogério (DEM-RO)
Ciro Nogueira (PP-PI)

Demais
Humberto Costa (PT-PE)
Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
Renan Calheiros (MDB-AL)
Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM)
Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Eduardo Braga (MDB-AM)

Suplentes
Jader Barbalho (MDB-PA)
Luis Carlos Heinze (PP-RS)
Angelo Coronel (PSD-BA)
Marcos do Val (Podemos-ES)
Zequinha Marinho (PSC-PA)
Rogério Carvalho (PT-SE)
Alessandro Vieira (Cidadania-SE)

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