A parcela da população que apoia o impeachment do presidente Jair Bolsonaro aparece pela primeira vez numericamente à frente dos contrários ao afastamento, de acordo com pesquisa Datafolha.
São favoráveis ao processo 49% dos entrevistados ouvidos pelo instituto, ante 46% que se dizem contrários à saída dele do cargo dessa forma.
Os índices representam um empate técnico dentro da margem de erro, mas praticamente se inverteram em relação a março deste ano, quando 50% afirmavam se opor ao impeachment, ante 46% que se declararam a favor.
O Datafolha entrevistou presencialmente 2.071 pessoas em todo o Brasil na terça (11) e na quarta (12). A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%.
A tendência detectada em relação ao impeachment reflete os números negativos para Bolsonaro apontados em outros pontos da pesquisa feita nesta semana.
O presidente, por exemplo, atingiu sua pior avaliação no mandato nos levantamentos do Datafolha e apareceu muito atrás de seu principal adversário na corrida eleitoral para 2022, o ex-presidente Lula, do PT.
Avaliam o governo Bolsonaro como ótimo ou bom 24% dos entrevistados, queda de seis pontos percentuais em relação a dois meses atrás.
Na pesquisa eleitoral, 54% disseram agora que não votariam de jeito nenhum na reeleição do atual mandatário. Em simulação de segundo turno com Lula, teve 32% das intenções de voto, ante 55% do petista.
O Datafolha mostra que a oposição ao impeachment é maior em alguns segmentos que apoiam Bolsonaro em outros campos da pesquisa.
A reprovação ao impeachment vai a 52% entre homens e no Sul do país. Também sobe para 60% entre entrevistados que dizem não ter medo do coronavírus, 57% entre evangélicos e 56% entre assalariados registrados.
Já o apoio ao afastamento cresce entre jovens de 16 a 24 anos (57%), moradores do Nordeste (também 57%), desempregados que procuram emprego (62%) e entrevistados que dizem ter muito medo do coronavírus (60%).
Entre eleitores do ex-presidente Lula, o apoio ao afastamento salta para 74%.
Na série de pesquisas do Datafolha feitas desde abril de 2020, o impeachment chegou a ser rejeitado por 53% dos entrevistados em janeiro, ante 42% dos que apoiavam a cassação.
O resultado agora ocorre em um momento em que o governo se vê desgastado em diferentes frentes diante dos reflexos da pandemia da Covid-19, que já matou mais de 430 mil brasileiros.
Opositores acusam o presidente de inépcia. A CPI que investiga a resposta à pandemia começou os trabalhos no fim de abril, com depoimentos críticos às interferências do presidente no Ministério da Saúde. A pasta já teve três trocas de comando desde o início da crise sanitária, em 2020.
Um dos assuntos abordados na comissão é o trabalho do governo para garantir a vacinação, área na qual a atual gestão patina desde o ano passado.
Capitais suspenderam a imunização por falta de doses nas últimas semanas, e o Instituto Butantan parou a fabricação da Coronavac por falta de insumos, importados da China.
A incerteza em relação às vacinas também provoca insegurança no campo econômico, que é fortemente afetado pela disseminação do vírus. Há perspectiva de piora na recuperação, diante do novo pico da doença registrado a partir de março e que voltou a provocar fechamento do comércio e restrições à circulação de pessoas pelo país.
Dezenas de pedidos de impeachment de Bolsonaro foram encaminhados ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), responsável por decidir se dá andamento ou não às solicitações.
A exemplo do antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Lira não tem nem rejeitado nem aceitado dar início aos procedimentos. No fim de março, o deputado fez discurso crítico ao governo e lembrou que há “remédios políticos no Parlamento” que são fatais. Mas afirmou que não tinha intenção de usá-los, embora tenha mencionado “um sinal amarelo para quem quiser enxergar”.
Também naquela mesma semana, banqueiros, empresários e economistas publicaram uma carta cobrando mais trabalho do governo em resposta à pandemia. A iniciativa foi lida como um forte revés em um nicho que se alinhou com a atual gestão desde a campanha eleitoral de 2018.
Em outra mudança de rota à época, o governo trocou o titular das Relações Exteriores, com a saída de Ernesto Araújo, muito identificado com a chamada ala ideológica.
Caso Lira decida dar continuidade a alguns dos pedidos de impeachment, seriam necessários os votos de dois terços dos deputados para que o processo tivesse continuidade e fosse levado ao Senado.
No fim de abril, o deputado declarou, em resposta à cobrança por encaminhamento dos pedidos: “Os pedidos de impeachment, em 100%, não 95%, em 100% dos que já analisei são inúteis para o que entraram e para o que solicitaram”.
Uma outra possibilidade de afastamento é por meio da análise de denúncia criminal da Procuradoria-Geral da República. Se o procurador-geral Augusto Aras apresentasse acusação formal contra Bolsonaro, a Câmara precisaria fazer votação para avaliá-la, o que poderia provocar sua responsabilização. Essa hipótese, porém, também parece pouco crível hoje.
A OAB nacional já defendeu denunciá-lo por crime comum, como infração de medida sanitária preventiva.
Mesmo nomes de oposição, como Lula e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) já disseram não acreditar na viabilidade de um processo de afastamento no atual momento político.
Um fator sempre mencionado nos debates sobre impeachment é a mobilização nas ruas, que marcou o afastamento dos mandatos de Fernando Collor (em 1992) e Dilma Rousseff (em 2016). Em meio à pandemia, os protestos contra Bolsonaro não deslancharam até agora. No início deste ano, opositores promoveram carreatas em capitais pelo afastamento, mas o movimento não teve continuidade.
Com as medidas de isolamento social, um tipo de manifestação recorrente no atual mandato foram os panelaços, principalmente em ocasiões em que Bolsonaro fez pronunciamentos na TV.
Folha