Após 4 meses, apenas 39% dos idosos tomaram duas doses da vacina no Brasil; especialistas temem 3ª onda

Após quatro meses de vacinação contra a Covid-19 no Brasil, apenas 39% dos idosos acima de 60 anos foram vacinados com as duas doses, considerando todas as vacinas. Isso revela um desafio ainda maior para que o país consiga imunizar a maior parcela da população: a formada pelos adultos até 59 anos. Especialistas estimam a conclusão da vacinação só em 2023 e temem uma terceira onda da doença.

Os dados foram tabulados pelo G1 a partir da base de vacinados do OpendataSUS, sistema do Ministério da Saúde em que estão registradas todas as doses aplicadas .

“A distribuição etária deixa claro que temos um longo caminho pela frente”, afirma o físico Marcelo Gomes, especialista em modelos de propagação de doenças da Fiocruz.

O gráfico abaixo indica o tamanho da população em cada faixa de idade e que parcela dela já recebeu só a primeira dose da vacina, as duas doses ou que ainda não recebeu dose nenhuma.

Ao ampliar a análise para todo o grupo prioritário, que totaliza pouco mais de 78 milhões de pessoas segundo a última atualização do Plano Nacional de Vacinação, vê-se que 45% receberam a 1ª dose e somente 20% podem ser consideradas imunizadas, pois receberam também a 2ª dose.

Entende-se como grupo prioritário os profissionais de saúde, os idosos acima de 60 anos, as grávidas, os indígenas, entre outras categorias incluídas recentemente.

O desafio é: como vacinar tanta gente ainda se, após 4 meses, o país não conseguiu cobrir nem os grupos prioritários?

Especialistas consultados pelo G1 listam os 4 principais entraves para que a vacinação seja efetiva:

  • Falta de vacina
  • Baixa cobertura da 2ª dose
  • Comunicação falha e falta de busca ativa
  • Dados de gestão de difícil acesso

Segundo levantamento do Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a cobertura vacinal dos adultos com mais 20 anos será concluída apenas no início de 2023 se for mantida a média de aplicação de segunda dose dos últimos 30 dias.

“À medida que vamos descendo mais na pirâmide, mais tempo demora para cobrir a faixa etária por conta da quantidade de pessoas em cada faixa”, explica Gomes. “Ou seja, o impacto no total de hospitalizações e óbitos ainda vai demorar, pois até o momento só temos cobertura adequada na faixa acima dos 80 anos, que compõem uma fração pequena da população.”

Terceira onda

A vacinação eficiente é a principal arma para evitar uma terceira onda de casos e mortes causadas pelo coronavírus. A possibilidade de uma nova onda foi levantada pela Fiocruz, em um boletim extraordinário do Observatório da Covid-19 da fundação.

“A observada manutenção de um alto patamar, apesar da ligeira redução nos indicadores de criticidade da pandemia, exige que sejam mantidos todos os cuidados, pois uma terceira onda agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave”, afirma o documento.

No vídeo abaixo, que foi ao ar na GloboNews em 16 de maio, especialistas comentam boletim da Fiocruz que alerta sobre o risco de uma terceira onda da Covid-19 no Brasil.

Observatório da Covid alerta: Brasil tem risco de terceira onda da doença

Observatório da Covid alerta: Brasil tem risco de terceira onda da doença

O Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME), da Universidade de Washington, acredita que é provável uma terceira onda no Brasil no inverno por conta da sazonalidade do vírus e o baixo ritmo de vacinas, mas projeta que não será tão forte quanto a segunda onda.

“O IHME está projetando um aumento [da transmissão] no inverno no Brasil devido à sazonalidade e à baixa distribuição de vacinas”, afirma o professor Ali Mokdad, um dos líderes do projeto modelagem de Covid-19 do IHME.

“No entanto, não será tão alto quanto o que vimos com a segunda onda porque muitas pessoas já foram infectadas. Mas se uma nova variante de escape for introduzida, as coisas podem ser piores, pois infecções anteriores não serão muito protetoras”, alerta.

O IHME usa um modelo estatístico para calcular o número total de mortes por Covid-19, incluindo aquelas que não foram comprovadas por testes. Dessa forma, tenta corrigir a subnotificação que ocorre em praticamente todos os países. As projeções do instituto são usadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e pelo governo norte-americano.

Segundo a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Ufes, a vacinação, se for mantida no ritmo atual, não deve conseguir segurar um novo aumento de internações e mortes.

“A gente já começa em um patamar muito alto de casos novos. Esses novos casos desta semana vão se refletir em internação daqui a duas ou três semanas e em óbito aproximadamente daqui a três ou quatro semanas. Então, muito possivelmente, em meados de junho, início de julho, nós vamos ter números muito grandes de internações e óbitos, pressionando novamente o serviço de saúde. O que estamos chamando de terceira onda.”

Ela afirma que não é possível afirmar que a pandemia esteja controlada atualmente, já que o número de casos e óbitos está em um patamar alto.

Falta de vacina

Os especialistas são unânimes em afirmar que a baixa oferta de vacina é o principal problema na luta contra a Covid-19 no Brasil.

“O quantitativo de vacinas é pequeno e é enviado aos soluços. O município fica sabendo em cima da hora quantas doses vai receber, e isso dificulta a definição mais precisa dos grupos que vão receber”, afirma a epidemiologista Brigina Kemp, assessora técnica do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de SP.

Orientações contraditórias sobre a gestão das doses disponíveis – aplicar todas ou guardar a segunda dose? – agravam o cenário da cobertura vacinal.

“Preocupa o cenário daqui a três meses. Agora muitas pessoas estão sendo vacinadas com a Astrazeneca, e o número de segundas doses dela é pequeno. Mas não se sabe se, lá para julho, agosto, vai ter dose para aplicar em todas as pessoas. É uma preocupação, porque cada município decide como equilibrar as doses que têm”, aponta Krerley Oliveira, coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da UFAL.

Baixa cobertura da 2ª dose

O infectologista Julio Croda, da Fiocruz, afirma que há uma boa cobertura de primeira dose em idosos. “Mas ainda é baixa a cobertura de segunda dose”, alerta.

Os dados revelam que os que têm mais de 80 anos voltam menos para tomar a segunda dose que os mais jovens.

De todos que já tomaram a vacina, pelo menos 6,3 milhões de pessoas estão com a 2ª dose em atraso, segundo o levantamento feito pelo Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da UFAL até quarta-feira (19).

“Primeiro, suspeitamos que eram os idosos abrigados, que teriam mais dificuldade, mas o Ministério da Saúde já informou que a vacinação dessa população está normal”, afirma José Cássio de Moraes, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e integrante do Observatório Covid-19.

“Outra possibilidade [para essa discrepância] seria os que tomaram a vacina da AstraZeneca, que voltam para a segunda dose só depois de três meses, mas esse é um contingente pequeno, porque a maioria tomou Coronavac. A conclusão, então, é que essa população não está voltando para tomar a segunda dose. Então, é preciso um esforço do governo para comunicar e levar essas pessoas para completar a imunização”, alerta Moraes.

Comunicação falha e falta de busca ativa

A baixa adesão à segunda dose da vacina em faixas etárias mais elevadas, segundo especialistas, reforça que é necessário uma ação mais ativa do governo para que os idosos completem a imunização.

“A gente fica esperando as pessoas irem procurar. Falta um papel mais ativo do governo. Buscar essas pessoas. Pode pegar telefone, enviar SMS quando for a data de tomar a segunda dose, pode verificar o território que a pessoa está, acionar os agentes de saúde”, afirma Moraes.

Oliveira também destaca a importância de despertar o interesse da população em se vacinar. “A vacina tem que estar acessível, senão as pessoas têm que se deslocar, e às vezes elas não têm dinheiro para isso.” No entanto, como pondera Brigina, no cenário atual, é mais importante ter controle de quem é vacinado, porque não há doses suficientes para ampla distribuição.

A falta de comunicação pode prejudicar todo o processo de imunização, diz Oliveira. “Mesmo que tome atrasada, é preciso tomar a segunda dose para estar imunizada. E, sem a busca ativa, sem os municípios irem atrás das pessoas, a tendência é que tenha mais abandono vacinal”, lamenta.

Dados imprecisos e de difícil acesso

A disponibilidade de dados diários por município, com indicadores básicos sobre a cobertura vacinal, também é uma das deficiências da campanha de vacinação brasileira contra a Covid-19, apontam.

Segundo os especialistas, o sistema de monitoramento do Ministério da Saúde, o Localiza SUS, hoje é voltado apenas para as doses e não ajuda os municípios a rastrear e monitorar a população vacinada e não vacinada para poder agir.

Para Brigina, faltam indicadores básicos para a gestão da vacina, como:

  • cobertura vacinal (vacinas aplicadas pelo total de pessoas de cada grupo prioritário das cidades ou UFs)
  • taxa de abandono (quantas pessoas que tomaram a primeira dose não tomaram a segunda depois do prazo determinado)
  • homogeneidade (quantos municípios de um mesmo estado atingiram a meta)

“Esses indicadores não são oferecidos no painel do governo, e muitos municípios não têm estrutura para processar a base do OpendataSus diariamente, que é muito grande e exige um programador para mexer”, aponta a epidemiologista.

Outro ponto, apontado tanto por Brigina quanto por Oliveira, é a imprecisão na definição do público prioritário, porque são estimativas que se baseiam no Censo de 2010. “As definições dos grupos dependem de uma avaliação censitária que já está afastada da realidade”, diz a epidemiologista. “Então, para alguns lugares, a população está superestimada e, em outros, subestimada.”

Outras medidas

Segundo Ethel Maciel, outras medidas deviam tomadas para conter o vírus enquanto a vacinação não é acelerada. “A gente poderia ter outros elementos para impedir [esse crescimento], como fazer testagem em massa”, afirma.

“Ampliar a testagem para descobrir pessoas positivas antes mesmo que elas possam apresentar algum sintoma. Ou identificar pessoas assintomáticas que estão transmitindo. Analisar todos os contatos de quem testou positivo, fazendo um trabalho de busca ativa.”

Ali Mokdad, do IHME, também ressalta que medidas precisam continuar a serem seguidas. “As máscaras são fundamentais e as medidas de distanciamento social podem ajudar a retardar a transmissão. Distribuir as vacinas mais rápido – se possível, mesmo com a escassez – também ajudaria.”

Metodologia do gráfico

A análise foi feita com base na projeção de população por faixa etária calculada pelo IBGE para dar dimensão dos não-vacinados e nos dados mais atualizados disponíveis sobre vacinação que constam da base do OpenDataSUS para indicar quantas pessoas de cada faixa etária tomaram só a 1ª dose e quantas tomaram as duas doses das vacinas.

Para minimizar problemas de duplicidade e inconsistências, o banco de dados sobre doses aplicadas foi corrigido pelo Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da UFAL, que eliminou os seguintes erros:

  • Foram removidas as pessoas cuja 2ª dose foi registrada antes da 1ª dose; as pessoas cuja 1ª dose foi aplicada antes de 2021 (o que não é possível ter ocorrido); as pessoas que tomaram doses de vacinas diferentes; e as doses informadas mais de uma vez para a mesma pessoa, com mesma data de aplicação;
  • Foram transformadas em 1ª dose as aplicações de 2ª dose correspondentes às pessoas que têm apenas uma dose informada.

Os microdados utilizados não são coletados pelo consórcio de veículos de imprensa e têm uma pequena defasagem de tempo. Hoje, já são 41 milhões imunizados com a primeira dose e 20,2 milhões com a segunda dose, de acordo com o último balanço do consórcio, publicado na quinta-feira (20).

G1