O dono da empresa responsável por representar a fabricante da vacina indiana Covaxin disse que uma emenda do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), destravaria o processo de importação do imunizante.
O relato de Francisco Maximiano feito ao embaixador do Brasil em Nova Déli, André Aranha Corrêa do Lago, consta de documento sigiloso entregue pelo Ministério das Relações Exteriores à CPI da Covid no Senado.
A compra da vacina pelo governo Jair Bolsonaro está na mira do MPF (Ministério Público Federal) e da comissão que apura ações e omissões no enfrentamento da pandemia. As investigações veem indícios de irregularidades e favorecimento do Ministério da Saúde na compra da vacina indiana da Bharat Biotech.
“O presidente da Precisa Medicamentos [Francisco Maximiano] comentou que, com a divulgação de dados de eficácia pela Bharat Biotech e a iminência da aprovação da autorização para uso emergencial sem restrições da vacina na Índia, autorização semelhante poderia ser obtida em breve no Brasil”, escreveu Lago, em telegrama ao Itamaraty, em 5 de março deste ano.
“Segundo ele [Maximiano], isso seria possível em razão da nova redação da Medida Provisória 1.026/21, aprovada nos últimos dias pelo Senado Federal”, relatou o embaixador.
Procurado, o Palácio do Planalto não respondeu até a publicação deste texto.
A MP foi editada por Bolsonaro no dia 6 de janeiro com regras para aquisição de vacinas, insumos, bens e serviços durante a pandemia.
No dia 3 de fevereiro, Barros apresentou uma emenda para estabelecer que insumos e vacinas aprovadas pela agência reguladora indiana (Central Drugs Standard Control Organization) obtivessem também a aprovação emergencial pela órgão correspondente no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O projeto foi aprovado na Câmara no dia 23 de fevereiro. O Senado não fez alterações e enviou a proposta para sanção de Bolsonaro em 2 de março – três dias antes do telegrama de Lago. O texto foi sancionado em 10 de março.
Barros afirmou, em nota, que a inclusão da agência ocorreu porque a Índia é um dos maiores produtores de insumos de medicamentos e vacinas. “Não houve qualquer interferência do Palácio do Planalto no assunto.”
Segundo o líder do governo na Câmara, a proposta também foi objeto de emendas de dois deputados da oposição, Orlando Silva (PC do B-SP) e Renildo Calheiros (PC do B-PE) – este irmão do senador Renan Calheiro (MDB-AL), que é relator da CPI da Covid.
Enquanto a emenda de Barros tratava só da Índia, as apresentadas por Orlando e Renildo incluíam ainda a agência reguladora da Rússia, país responsável pelo desenvolvimento da vacina Sputnik V.
Além de comandar a Precisa, Maximiano é presidente da Global Gestão em Saúde, que figura como sócia da própria Precisa, segundo os dados da Receita Federal.
A Global recebeu cerca de R$ 20 milhões antecipados do governo federal, em 2017, para a entrega de remédios para doenças raras ao SUS, o que nunca aconteceu. À época, Barros era ministro da Saúde do governo Michel Temer (MDB).
Ao embaixador Maximiano afirmou também que, com a divulgação de dados de eficácia da Covaxin e a iminência liberação do uso emergencial na Índia, autorização semelhante poderia ser obtida em breve no Brasil.
Uma segunda possibilidade cogitada pelo empresário foi a apresentação do pedido de autorização definitiva para uso da Covaxin no Brasil diretamente pela Precisa, com base nos dados preliminares de eficácia.
No encontro em Nova Déli, Maximiano estava acompanhado pelos cônsules honorários da Índia em Belo Horizonte, Élson de Barros Gomes Jr., e no Rio de Janeiro, Leonardo Ananda Gomes, também presidentes das Câmaras de Comércio Brasil-Índia.
A conversa de Maximiano na embaixada ocorreu 15 dias antes do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) ter alertado Bolsonaro sobre indícios de irregularidades na negociação da vacina.
“No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde, que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”, disse. O deputado é irmão de Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da Divisão de Importação do Ministério da Saúde.
Foi o servidor quem relatou ao MPF ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato da Covaxin. O depoimento, dado em 31 de março, foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.
Para a cúpula da CPI da Covid, as novas suspeitas contra o governo envolvendo a compra da vacina indiana abrem um novo e promissor caminho de investigação. Isso poderia levar à responsabilização de Bolsonaro.
Os senadores do grupo majoritário da comissão, formado por oposicionistas e independentes, avaliaram que, se forem comprovados ilícitos na negociação de compra da vacina, Bolsonaro pode responder por prevaricação, independentemente de ter acionado ou não a Polícia Federal ao saber das denúncias.
Nesta quarta-feira (23), o presidente mandou a Polícia Federal investigar deputado e irmão pelas declarações de ambos sobre supostas irregularidades no contrato da Covaxin.
O pedido de apuração foi anunciado pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni , que não esclareceu, porém, se Bolsonaro recebeu a denúncia e se deu sequência a ela, solicitando apuração da PF em março.
A Precisa Medicamentos e o acionista Maximiano negaram quaisquer irregularidades. Em nota, eles disseram que respeitam o trabalho do Congresso, mas lamentam profundamente as acusações injustas.
A empresa e Maximiano disseram ainda que a Precisa é a representante formal e autorizada do laboratório indiano Bharat Biotech no Brasil e seguiu irrestritamente todos os processos de governança nas interlocuções com as autoridades.
“Assim como os brasileiros, acreditamos na ciência e na vacinação para reverter esse triste quadro sanitário global e envidamos nossos melhores esforços para viabilizar no menor tempo possível a importação de milhões de vacinas ao Brasil, com preços dentro do padrão internacional do laboratório indiano, no mesmo de outros laboratórios já contratados no país”, afirmaram.
FolhaPress