Um crânio descoberto no nordeste da China nos anos 1930 foi finalmente datado com precisão e estudado em detalhes por paleoantropólogos, revelando a presença de uma espécie até então desconhecida de parente extinto dos seres humanos no Extremo Oriente.
Apelidado de Homem Dragão, o Homo longi tinha cérebro avantajado, até maior do que a média da massa encefálica das pessoas de hoje (1.400 centímetros cúbicos de volume, contra os 1.200 cm³ usuais atualmente). Por outro lado, a estrutura craniana maciça, as protuberâncias na região das sobrancelhas (tecnicamente conhecidas como toro supraorbital) e os dentes enormes aproximam a criatura de membros arcaicos do nosso gênero, como os neandertais.
Detalhes sobre a anatomia, a datação e a classificação do H. longi acabam de ser publicados em três artigos no periódico The Innovation. Entre os autores do estudo estão Xijun Ni, da Universidade GEO Hebei e da Academia Chinesa de Ciências, e o britânico Chris Stringer, do Museu da História Natural de Londres.
Sabe-se que o crânio estudado pela equipe foi achado durante a construção de uma ponte na cidade de Harbin, em 1933, mas desde então as informações detalhadas sobre o contexto da descoberta acabaram desaparecendo.
Para entender melhor as origens do fóssil, Ni e seus colegas empregaram uma série de técnicas, levando em conta os detalhes da composição química do solo e de outros fósseis da região de Harbin.
Por sorte, sedimentos do solo ficaram grudados na cavidade nasal do crânio, o que permitiu uma análise comparativa relativamente confiável.
Além disso, foi possível estimar diretamente uma idade mínima para os ossos, com base na transformação gradual de átomos de urânio, presentes no material, em outros elementos químicos (processo conhecido como decaimento radioativo).
Essa soma de pistas levou a equipe a concluir que a idade mínima do Homem Dragão é de 146 mil anos. Os dados sobre os sedimentos da região de Harbin indicam que o crânio vem de camadas de rocha com idades entre 138 mil e 309 mil anos. Trata-se, portanto, da época em que linhagens humanas como o próprio Homo sapiens, na África, e os neandertais, na Europa, estavam surgindo e se espalhando.
Os humanos de anatomia moderna e os neandertais, porém, não eram os únicos hominínios (membros do grupo que inclui nossa espécie e seus parentes e ancestrais mais próximos) a povoar o Velho Mundo naquela época.
Existia ainda o enigmático grupo dos denisovanos, que viviam na Sibéria e são conhecidos apenas por fragmentos, como dentes e ossos dos dedos – mas também por seu DNA, que já foi “soletrado”, em grande parte, pelos cientistas.
Pode-se dizer que os denisovanos são praticamente um genoma “desencarnado”, já que não sabemos quase nada sobre sua anatomia.
Quase nada, exceto pelo fato de que eles também tinham dentes molares grandalhões, tal como o H. longi. Será que o Homem Dragão seria, na verdade, um denisovano?
“É difícil dizer se eles tinham parentesco próximo entre si”, ponderou Ni em entrevista à Folha. “Ambos têm molares grandes, mas essa é uma característica primitiva [a versão ‘original’] do gênero Homo, ou seja, não pode ser usada para definir esse tipo de parentesco.”
“Ele certamente poderia ser um denisovano se levarmos em conta esse detalhe e a relação próxima que detectamos entre o crânio de Harbin e a mandíbula de Xiahe, no Tibete, que também poderia estar ligada aos denisovanos”, acrescenta Stringer. “Mas, até que tenhamos um genoma da espécie obtido de um crânio relativamente completo, não conseguiremos resolver direito essa questão.”
O trabalho da equipe inclui ainda uma análise comparativa de todos os fósseis do gênero Homo, usando suas características morfológicas para agrupá-los de acordo com a proximidade “genealógica” entre eles. Segundo a análise, o crânio chinês formaria, junto com outros hominínios asiáticos relativamente pouco estudados, o grupo mais próximo da nossa espécie, seguido pelos neandertais.
Folha