O encontro entre a lava e o mar de La Palma está gerando algo mais do que grandes colunas de fumaça. Debaixo d’água, a interação entre duas massas tão enormes e com tanta diferença de temperatura está alterando a natureza e a forma da própria corrente de lava. Algumas mudanças serão pouco duradouras, mas outras persistirão por milhares de anos. O fenômeno mais imediato e característico é a vitrificação de sua parte externa. Mas não é o único.
Apesar da enorme mobilização técnica e científica em terra, mar e ar, as condições debaixo d’água complicam o estudo da lava. O Instituto Espanhol de Oceanografia, que opera a partir do navio Ramón Margalef, está colhendo amostras da água e realizando a batimetria da área. Mas não há câmeras subaquáticas instaladas e se aguarda a chegada do submarino não tripulado de que dispõe. Ainda assim, e com base no tipo de erupção, os dois tipos de lava expelida pelo vulcão e no que aconteceu em erupções semelhantes no passado, os cientistas podem antecipar o que está ocorrendo com a corrente de lava submarina.
A primeira coisa que acontece ao juntar lava a mais de 800 graus (perdeu cerca de 200 graus no trajeto desde que saiu do vulcão da Cumbre Vieja) com a água do mar a cerca de 24 graus é que a corrente se fragmenta de forma violenta e repentina. Mas não explode (para fora, como acontece na boca do vulcão). O que acontece são principalmente implosões. O contraste térmico provoca a solidificação ao mesmo tempo em que se contrai. Paralelamente, boa parte do material mais exposto à água se quebra e se desprende, são os hidroclastos, versão submarina dos piroclastos. O processo permanece ativo enquanto continuar a chegar novo material do vulcão. E é tão rápido que a rocha líquida se solidifica sem cristalizar.
A composição química da lava não muda uma vez debaixo d’água, mas sua natureza sim. O professor de geologia da Universidade de Barcelona Domingo Gimeno destaca que “a corrente de lava se litifica [formação de rocha] e a litificação é tão rápida que impede que os minerais presentes se cristalizem”. Na lava existe uma grande variedade de elementos da tabela periódica, muitos deles metálicos: silício, oxigênio, alumínio, ferro, magnésio, cálcio, enxofre, titânio… Alguns deles aparecem em forma cristalina, como o sulfato de ferro ou o feldspato. Os cristais são uma forma de organização da matéria que, simplificando, se repete de forma regular, organizada e simétrica.
Mas, em sua maioria, a rocha fundida é uma massa amorfa rica em vidros vulcânicos: um material sólido, mas sem estrutura cristalina. As primeiras análises realizadas na lava de La Palma, realizadas por cientistas das universidades de La Laguna e Granada, mostram que ao menos 50% do material é vidro vulcânico. Apesar da confusão que existe na Espanha e em outros países de língua espanhola, vidro e cristal são dois extremos expostos no estado sólido da matéria. E o choque com o mar faz com que boa parte da corrente de lava se solidifique em forma de vidro.
“Acontece um ruído ensurdecedor, como milhões de vidros quebrados”, diz Gimeno. “O que acontece é que, ao chegar, o mar esfria bruscamente a corrente, que se fragmenta. Deixa de ser um todo solidário e se expande acumulando brechas de vidro”, acrescenta. Em geologia, as brechas vulcânicas não são fissuras nem buracos, são rochas formadas pela aglomeração de materiais menores, os hidroclastos. Outro tipo de pedra que se forma são os hialoclastitos, também aglomerações, mas de materiais mais vítreos, que lembram a obsidiana, embora sem tanto brilho.
O vulcão de La Palma intriga os cientistas porque, sendo de tipo estromboliano, com uma erupção permanente de lavas relativamente fluidas salpicada de surtos explosivos, não se enquadra completamente nesta categoria. Um dos elementos que não se enquadram bem é o tipo de lava. Durante os primeiros dias a corrente de lava era muito densa, rochosa e de avanço lento. É o que se conhece como lava tipo Aa, um nome tirado do havaiano, que significa lava áspera. Mas, nos últimos dias, a corrente acelerou devido ao aporte de materiais mais fluidos. As lavas de baixa viscosidade são chamadas de pahoehoe (macia, novamente do havaiano). Ambos os tipos influenciam também na forma final da praia que está sendo formada. Nessa parte da ilha, o novo fundo será inclinado, cheio de arestas e de formas afiladas.
O professor José Mangas, do Instituto da Oceanografia e Mudança Global (IOCAG), da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria, lembra que seria necessário um robô submarino para observar como a lava avança. “Vai se adaptar à topografia do fundo”, comenta. Por cima, diz Mangas, “a lava tipo Aa formará um campo de lava recente sobre a nova plataforma vulcânica”. Por baixo, “enquanto continuar havendo novos aportes, a frente e os lados se quebrarão, saindo como churros”. Parte deles acabará no que os anglo-saxões chamam de pillows lava, que são mais ou menos almofadadas dependendo da composição da lava. No caso da erupção de La Palma, serão almofadões, pois são pedras grandes, muito rugosas e cortantes. Outra parte se fragmentará nos hialoclastitos mencionados acima.
Mas a partir do momento em que o encontro da lava e o mar provoca a vitrificação da primeira, começa o processo inverso. O vidro, apesar do que possa parecer, não é tão estável e, ao menos na natureza, está condenado a se cristalizar e deixar de ser amorfo. “Minerais se formarão em pouco tempo… dias, meses e anos, como argilas, zeólitas, óxidos. E em milhares de anos outros como feldspatos e quartzo de baixa temperatura, epidotos…” lembra o geólogo do ICOAG.
En las dorsales oceánicas y las erupciones en islas que llegan al mar es la habitual la formación de lavas almohadilladas como las de la imagen.
El País