O presidente Jair Bolsonaro afirmou em “declaração” enviada por escrito à Polícia Federal que exerceu o “direito de ausência” ao não comparecer nesta sexta-feira (28) para prestar depoimento no inquérito que apura se ele vazou informações sigilosas durante uma transmissão ao vivo por rede social.
A Advocacia-Geral da União (AGU) havia impetrado um recurso no Supremo Tribunal Federal para que Bolsonaro não precisasse comparecer ao depoimento. Mas o ministro Alexandre de Moraes, do STF, rejeitou o pedido. Na hora marcada para o depoimento, 14h, Bolsonaro estava no Palácio do Planalto.
No recurso, a AGU pediu a reconsideração da decisão de Moraes ou, se não fosse atendida, que o recurso fosse submetido ao plenário do STF, a fim de que fosse reformada a decisão do ministro, “explicitando-se que ao agente político é garantida a escolha constitucional e convencional de não comparecimento em depoimento em seara investigativa”.
Na carta enviada à PF, Bolsonaro reiterou essa tese.
“Eu, Jair Messias Bolsonaro, Presidente da República, domiciliado no Palácio do Planalto, Brasília/DF, neste ato representado pela Advocacia-Geral da União, nos termos do artigo 22 da Lei nº 9.028/1995, venho, respeitosamente, informar à Autoridade de Polícia Federal responsável pela condução das investigações do IPL nº. 2021.0061542 que exercerei o direito de ausência quanto ao comparecimento à solenidade designada na Sede da Superintendência da PF para o corrente dia, às 14:00, tudo com suporte no quanto decidido pelo STF, no bojo das ADPF’s nº 395 e 444”, diz o presidente no documento enviado à PF (leia a íntegra ao final desta reportagem).
No texto, Bolsonaro citou duas ações (arguições de descumprimento de preceito fundamento, ADPFs) julgadas pelo STF, que proibiu a condução coercitiva, ato no qual um juiz manda a polícia levar um investigado ou réu para depor num interrogatório.
Em 2018, a Corte analisou as duas ações — propostas pelo PT e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) —, cujo objetivo era proibir as conduções, usadas com frequência na Operação Lava Jato. O instrumento foi usado, por exemplo, para levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor em 2016.
O argumento era que a condução ofendia a Constituição, por supostamente ferir o direito da pessoa de não se autoincriminar. Prevaleceu no julgamento a posição do ministro Gilmar Mendes. Para ele, a condução coercitiva implica exposição e coação arbitrárias, que interfere no direito de locomoção, na liberdade, dignidade da pessoa humana, defesa e de garantia de não-autoincriminação.
‘Tudo em paz’
Na manhã deste sábado, Bolsonaro saiu da residência oficial do Palácio do Alvorada para ir ao Colégio Militar, onde estuda a filha, e para visitar a Catedral de Brasília.
Na saída, foi questionado por duas vezes se desejava fazer algum comentário a respeito da decisão de Moraes.
Na primeira, mudou de assunto ao responder: “Você [repórter] quer falar sobre o quê, o Auxílio Brasil? É isso?”, desconversou.
Ao final da entrevista, foi questionado novamente sobre o tema. “Não, não, não. Está tudo em paz, tudo tranquilo, aí, tá ok?”, afirmou.
A decisão de Moraes
Na decisão que rejeitou o pedido de Bolsonaro para não comparecer, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o recurso foi apresentado fora do prazo pela Advocacia-Geral da União (AGU). O prazo para recorrer da tomada do depoimento, apontou o ministro, havia se encerrado em 6 de dezembro.
Além disso, Moraes afirmou que, diferentemente do que diz o recurso, Bolsonaro “concordou expressamente com seu depoimento pessoal”. E concluiu que a mudança de posição configura “preclusão lógica”, que ocorre uma parte em um processo ou investigação adota comportamentos que se contradizem. “Comportamentos processuais contraditórios são inadmissíveis e se sujeitam à preclusão lógica”, afirmou Moraes na decisão.
Em decisão de 2021, o ministro do STF já havia estabelecido que a PF tinha até sexta-feira (28) para ouvir Bolsonaro no inquérito.
A investigação
O inquérito foi aberto para investigar a divulgação feita pelo presidente, em redes sociais, de dados e documentos sigilosos de um inquérito não concluído sobre ataques ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
As informações da apuração foram distorcidas na “live” e tratadas como definitivas, mesmo sem a conclusão do inquérito. A Polícia Federal vê indícios de crime.
A divulgação do inquérito sigiloso ocorreu em meio a uma série de ataques de Bolsonaro para colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas.
O presidente da República chegou a publicar um link com a íntegra do inquérito sigiloso, que a PF não tinha sequer concluído. O inquérito vazado diz que um hacker teve acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas em 2018 – o que não gerou qualquer consequência, porque não possibilitou alterar a votação.
Íntegra da carta à PF
Leia abaixo a íntegra da carta enviada nesta sexta por Bolsonaro à Polícia Federal.
Declaração
Eu, Jair Messias Bolsonaro, Presidente da República, domiciliado no Palácio do Planalto, Brasília/DF, neste ato representado pela Advocacia-Geral da União, nos termos do artigo 22 da Lei nº 9.028/1995, venho, respeitosamente, informar à Autoridade de Polícia Federal responsável pela condução das investigações do IPL nº. 2021.0061542 que exercerei o direito de ausência quanto ao comparecimento à solenidade designada na Sede da Superintendência da PF para o corrente dia, às 14:00, tudo com suporte no quanto decidido pelo STF, no bojo das ADPF’s nº 395 e 444.
Colho o ensejo de informar, em acréscimo, que colacionei, através de representação processual, em manifestação datada e protocolada em 26/01/2022, os esclarecimentos que reputava pertinentes levar ao conhecimento dessa Polícia Federal, para além do pleito de remessa dos autos ao PGR, por entender presentes elementos que permitem, desde logo, a adoção das providências contidas na parte final do art. 1º da Lei nº 8.038/90, ante a manifesta atipicidade do fato investigado.
Sem mais, renovo protestos de estima e consideração.
Brasília, 28 de janeiro de 2022
Jair Messias Bolsonaro
Presidente da República