Com o crescimento das pressões por uma investigação no Congresso e o temor do desgaste durante a campanha eleitoral, o governo de Jair Bolsonaro montou uma força-tarefa comandada pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, para barrar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue suspeitas de corrupção no Ministério da Educação (MEC) . A estratégia do Palácio do Planalto é a de convencer senadores a retirar o apoio antes de o requerimento para a criação do colegiado ser protocolado. Ontem, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do pedido da CPI, disse ter reunido as 27 assinaturas necessárias . Governistas, por sua vez, afirmaram que ao menos três já haviam desistido.
O movimento a favor da apuração sobre um suposto esquema de liberação de verbas do MEC a prefeituras indicadas por dois pastores tem ganhado fôlego com o surgimento de novas revelações. Levantamento do GLOBO identificou que o pastor Arilton Moura, acusado por prefeitos de pedir propina, visitou ao menos 90 vezes a Câmara entre janeiro de 2019 e março de 2022. Dentre os destinos registrados no sistema de segurança, estão dez gabinetes de parlamentares de diferentes legendas, do PL ao PSB — incluindo o do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente.
Moura se recusou a comparecer ao Senado nesta semana para explicar as suspeitas envolvendo o lobby no MEC, o que levou o presidente da Comissão de Educação, senador Marcelo Castro (MDB-PI), a indicar que também vai apoiar a CPI. “A CPI do MEC é certa. Vamos aguardar a assinatura de outros senadores, na próxima semana, para garantirmos a sua abertura. É claro que eu irei assinar, sou o presidente da Comissão de Educação do Senado, onde as apurações das denúncias começaram”, postou Castro no Twitter.
Revés no STF
O congressista que mais recebeu Moura na Câmara foi João Campos (Republicanos-GO) — ao menos cinco vezes. O parlamentar também foi o anfitrião das duas oportunidades em que o pastor Gilmar Santos esteve na Câmara. Ao GLOBO, Campos afirmou que Santos lhe pediu recursos de emenda parlamentar para uma fundação ligada a uma igreja.
“Ele falou que tinha um projeto social lá, (perguntou) se eu poderia ofertar uma emenda para isso. Mas a entidade dele não preenchia os requisitos para receber os recursos. Então, acabei não fazendo, mas, se estivesse regularizada, eu faria”, disse o deputado.
A interlocutores, o presidente da Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já relatou que não pretende dar aval à iniciativa, para evitar que a Casa se transforme em ringue eleitoral. Na CPI da Covid, porém, apesar de ele ter protelado o pedido, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou que o colegiado fosse autorizado. Por isso, o governo tenta “matar” a iniciativa na origem, impedindo que Randolfe consiga reunir o apoio necessário.
Ministros e aliados de Bolsonaro incumbidos de evitar o novo revés ponderam que não há um “fato determinado” para justificar a abertura da CPI. Alegam, ainda, que o governo está colaborando com a Comissão da Educação e que a Polícia Federal e órgãos de controle também já investigam o caso. Além disso, ressaltam que o ministro da Educação envolvido nas suspeitas de irregularidades, Milton Ribeiro, foi afastado do cargo. Diante disso, apostam que, ao contrário da CPI da Covid, o STF não determinaria a abertura.
“O pedido da CPI, apenas com disse-me-disse sem provas, só tem um fato determinado: a tentativa do coordenador da campanha de Lula de atacar o presidente Bolsonaro, em ano eleitoral. Só resta a eles o vale tudo. Sinal de desespero”, escreveu Ciro Nogueira no Twitter, em referência a Randolfe.
O ministro, segundo interlocutores, tem conversado com senadores para evitar que assinem o pedido da CPI. Na quarta-feira, o chefe da Casa Civil recebeu em seu gabinete Luiz Carlos o Carmo (PSC-GO), ligado à Assembleia de Deus, Wellington Fagundes (PL-MT) e Rose de Freitas (MDB-ES). Um dia depois, a senadora afirmou que teve seu nome incluído, sem autorização, em uma lista de assinaturas para abrir a CPI. Ao GLOBO, a senadora negou que tenha tratado sobre a CPI do MEC com o ministro.
“Estou muito indignada de terem colocado meu nome para talvez inaugurar uma lista ou botar no meio dela para assinar a CPI. No momento em que o Marcelo (Castro) disser que não conseguiu evoluir o trabalho dentro da Comissão de Educação, se for necessário debater a CPI, vamos debater” disse a senadora.
Randolfe rebateu ontem a acusação e exibiu documento assinado pela parlamentar em que pede a inclusão na lista.
Segundo o senador Carlos Viana (PL-MG), indicado nesta semana como líder do governo no Senado, além de Rose de Freitas, outros três senadores também retiraram suas assinaturas, mas evitou dizer quais. O GLOBO apurou que um deles foi o senador Weverton Rocha (PDT-MA).
“Já comuniquei o líder Randolfe para não colocar o meu nome na lista. Até aonde eu saiba, não tem assinatura nenhuma ainda lançada no sistema. O que havia era a intenção de fazer, apenas isso. Não se pode falar em retirar ou que não está colocado”, afirmou Weverton.
Entre as estratégias para travar a abertura da CPI do MEC, senadores governistas avaliam ainda recolher assinaturas para uma CPI mais ampla, que inclua também irregularidades no Fies — fundo de financiamento estudantil —em governos anteriores. Assim, aliados do Planalto poderiam ter o comando do colegiado, esvaziando a atuação da oposição.
Randolfe critica a tática do governo, que chama de “cortina de fumaça”.
Procurados para comentar a reunião na Casa Civil, o ministros e os senadores Wellington Fagudes e Luiz Carlos do Carmo não responderam. Os nomes deles não estão na lista de apoio à CPI.