Antes da Lei Maria da Penha, crime contra mulher era ‘de menor potencial ofensivo’

Lei completa 16 anos neste domingo (7), comemorada por especialistas porque traz penas mais rígidas para os agressores

No ano de 1983, Maria foi vítima de dupla tentativa de assassinato por parte de seu então marido. Primeiro, deu um tiro nas costas da esposa enquanto esta dormia. Como resultado, ela ficou paraplégica. O marido declarou à polícia que tudo não havia passado de uma tentativa de assalto – versão desmentida pela perícia. Quatro meses depois, quando Maria voltou para casa, após duas cirurgias, internações e tratamentos, ele a manteve em cárcere privado e tentou eletrocutá-la durante o banho.

Esta é parte da história de Maria da Penha, uma entre as tantas Marias e mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil. A lei que leva seu nome é fruto de seu esforço e também de grandes e longas lutas pessoais, sociais e jurídicas de mulheres que sabem ou descobriram que podem viver sem violência.

Neste dia 7 de agosto, o Brasil celebra 16 anos da Lei Maria da Penha. O Observatório do Feminicídio da Paraíba Bríggida Lourenço da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), lembra e comemora a lei que há mais de uma década tem ajudado mulheres a sair do ciclo da violência doméstica.

O Observatório Bríggida Lourenço (OBL) segue com as apresentações da campanha “As mulheres querem viver”. A ideia é divulgar e ampliar as informações sobre os tipos de violência contra as mulheres e orientar sobre as providências a serem tomadas em cada um dos casos.

“Até agora, realizamos a campanha em quatro centros da UEPB e pretendemos apresentá-las aos demais”, afirmou Priscilla Tomaz, servidora da Universidade e integrante do OBL.

Priscilla comenta que a Lei Maria da Penha (MP) se tornou um dos maiores instrumentos de coibição e prevenção da violência contra as mulheres. Antes de sua existência, a agressão contra a mulher era tratada como crime de menor potencial ofensivo e, na maioria das vezes, a pena do agressor era convertida em prestação de serviço. Depois da Lei, que trouxe a tipificação das violências contra a mulher (física, psicológica, moral, sexual e patrimonial), as penas ficaram mais rígidas.

“Ainda que tenha sido criada em 2006, a lei vem sendo modificada ao longo do tempo para que possa abranger o maior número de possibilidades e promover maior segurança às mulheres, sendo a mais recente modificação a obrigação do registro imediato, pela autoridade judicial, das medidas protetivas de urgência deferidas em favor da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes”, informou Priscilla, se referindo à Lei 14.310/2022.

Até a sanção, em 2006, foi longa a jornada para que a Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha fosse aprovada. Foi atacada com piadas machistas e foi inclusive tachada de inconstitucional. “Nesta caminhada, nada foi dado. A lei foi conquistada. Foi fruto de muitas lutas sociais e de mulheres contra a omissão do Estado em caso de violência doméstica, que era tratado como um crime menor”, comenta Izabelle Ramalho, advogada, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/PB e professora substituta no Centro de Ciências Jurídicas (CCJ).

Mesmo após promulgada, a lei sofreu ataques. Mesmo sancionada, há resistência em parte do judiciário em aplicá-la. “Isso mostra como nossa sociedade é estruturada”, afirma Izabelle, explicando que discussões jurídicas e decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ratificaram que a Lei Maria da Penha não viola a igualdade constitucional, pelo contrário, ajuda a mantê-la ao proteger as mulheres. “Assim como há leis ou códigos que protegem trabalhadores e consumidores, a Lei Maria da Penha existe para proteger a mulher nos casos de violência doméstica”, arrematou a advogada.

Izabelle cita ainda os ganhos jurídicos e sociais que a lei trouxe ao longo dos anos. As mulheres têm agora asseguradas medidas protetivas e, socialmente, houve uma ligeira mudança na tolerância deste tipo de crime, bem como a criação de políticas públicas nesta esfera. “Em parte, isso de que ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’ diminuiu. Há um aumento no conhecimento da lei e no número de denúncias”, acrescentou.

Priscilla cita algo semelhante em relação à importância da ampla divulgação e defesa da Lei MP. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em 2020, intitulada “Violência doméstica contra a mulher na pandemia”, revela que para 84% dos brasileiros a Lei Maria da Penha fez com que as mulheres passassem a denunciar mais os casos de violência doméstica. Em 2021, mais de 370 mil medidas protetivas de urgência foram concedidas.

“Todos esses dados revelam o ganho social desde a implementação da Lei, bem como a importância de rememorar, agora em agosto, uma das legislações mais avançadas do nosso país, decorrente de uma história de luta que deve ser reverenciada e respeitada”, concluiu a servidora.

Números

A Secretaria de Estado de Segurança e Defesa Social da Paraíba contabilizou 12 feminicídios registrados nos primeiros cinco meses de 2022 no estado. O número é menor que os 13 registrados no ano anterior.

Em todo o ano de 2021, 83 mulheres foram mortas, vítimas de crimes lentais. Conforme os dados, 30 desses casos são investigados como feminicídio.

No Brasil, a Paraíba empata com Alagoas na 16º posição no índice de maiores taxas de feminicídios no país. No Nordeste, também aparece ao lado de Alagoas no 3º lugar com maior índice de feminicídios. As informações constam no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, o mais recente.

Os números podem estar subnotificados porque além de não haver denúncias para todos os casos, há crimes interpretados como feminicídios, mas que são definidos como “homicídio simples” em consulta pública do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB).

A Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJPB constatou que houve um aumento no quantitativo de processos relacionados ao crime de feminicídio no estado, referente ao período dos três últimos anos.

Segundo os dados fornecidos pela Gerência de Estatística do Tribunal, divulgados no primeiro semestre deste ano, em 2020 foram distribuídos 79 casos; em 2021, 86 ações; e no primeiro trimestre de 2022, já somam 28 demandas.

Como denunciar

O estado tem delegacias e rede de assistência à vítima de violência doméstica, mas tem também a Delegacia Online. Denúncias ainda podem ser feitas pelo Disque 197.

Outra opção para as mulheres é o Disque 123, serviço mantido pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (Sedh), que atende em plantão diário, das 6h até meia-noite.

O Disque 123 é voltado para o combate a violação de direitos. Além de atender a mulheres, o serviço recebe denúncias envolvendo casos de homofobia e violações contra crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua e pessoas em restrições de liberdade.

Lei Mariana Thomaz

Aa edição de 19 de maio do Diário Oficial do Estado, na primeira página do documento, traz a sanção do governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), da Lei nº 12.297, de 18 de maio de 2022, chamada de Lei Mariana Thomaz de Oliveira, estudante morta em março deste ano.

A legislação determina que as instituições estaduais direcionadas a assistência e acompanhamento às mulheres deverão promover em seus espaços e materiais próprios a divulgação dos sites e demais locais de consulta sobre os antecedentes criminais de terceiros.

FONTE: Portal Correio