Um desavisado que observar os movimentos de Jair Bolsonaro nos últimos e doze meses não hesitaria em afirmar que ele está em plena campanha. Nesse período, ele visitou mais de sessenta cidades, promoveu comícios, desfilou em carro aberto, participou de eventos, discursou e fez muitas críticas ao atual governo — comportamento típico de um candidato. O desavisado ficaria confuso ao saber que o ex-presidente foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral, está inelegível e só poderá voltar a disputar um mandato daqui a seis anos, em 2030. Oficialmente, Bolsonaro está nas ruas testando seu prestígio político para usá-lo, se for o caso, em favor de aliados nas eleições municipais, e mais adiante, em 2026, nas eleições presidenciais. Na segunda-feira 29, o capitão esteve na Agrishow, a maior feira agrícola do país. Do alto de um carro de som, ele falou das ações de seu governo em benefício do setor e encerrou a participação no evento com uma frase que intrigou os espectadores: “Se eu não voltar um dia, fiquem tranquilos. Plantamos sementes ao longo desses nossos quatro anos”.
O ex-presidente não é conhecido pela clareza com que costuma vocalizar suas ideias, mesmo as mais simples. Num primeiro momento, a declaração foi interpretada como um aceno aos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, que estavam a seu lado no carro de som e são apontados como presidenciáveis. Eles seriam as tais “sementes”. A dúvida reside sobre o que Bolsonaro quis dizer quando fez a ressalva “Se eu não voltar um dia”. Basta uma conversa de alguns minutos com ele para entender que a frase não tem nada de enigmática. O capitão realmente acredita que estará apto a disputar as eleições presidenciais em 2026. Há apenas duas hipóteses em que isso poderia acontecer. No ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral suspendeu os direitos políticos do ex-presidente por abuso de poder. Ele questionou a decisão, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, mas a Procuradoria-Geral da República já emitiu parecer contrário ao recurso. A chance de a Corte anular a sentença é zero. Juridicamente, portanto, não há nenhuma perspectiva.
A aposta do ex-presidente é política, no Congresso Nacional, onde ele tem um contingente que não costuma dar muita atenção ao bom senso ou à opinião pública. Em tese, os congressistas podem anistiar o ex-presidente. Já há quase uma dezena de projetos tramitando nessa direção, quase todos utilizando um argumento no mínimo exótico. O perdão seria concedido com o objetivo de pacificar o país, polarizado entre petistas e bolsonaristas. Além de Bolsonaro, seriam beneficiados também todos os condenados pelos atos golpistas do dia 8 de janeiro. Parlamentares ouvidos por VEJA avaliam que hoje a medida não teria o respaldo necessário para avançar, mas isso pode mudar radicalmente no ano que vem. Em fevereiro, deputados e senadores vão eleger os presidentes da Câmara e do Senado. A disputa em torno desses dois cargos importantes da República envolve acordos e conchavos às vezes inimagináveis em troca de apoio e votos. O projeto de anistia já entrou nesse balaio de negociações.
Recentemente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se reuniu com o senador Davi Alcolumbre (União-AP), cotado para suceder a Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na presidência do Senado. Na ocasião, o filho Zero Um do ex-presidente apresentou uma lista de demandas da oposição. No rol, estavam o projeto que reduz a maioridade penal e o que anistia “todos” os envolvidos nos acontecimentos de 8 de janeiro e restaura os direitos políticos de quem foi declarado inelegível em decorrência de atos, declarações e manifestações relacionados às eleições de 2022. Dos 81 senadores, estima-se que pelo menos trinta são aliados de Bolsonaro. O apoio dessa bancada pode definir a eleição em favor do senador amapaense. Além disso, os bolsonaristas lembram que as previsões dão conta de que a bancada conservadora ainda passará de trinta para 45 senadores a partir de 2027, suficiente para garantir a reeleição de Alcolumbre para mais dois anos à frente do Congresso, caso ele firme o compromisso de levar o projeto de anistia adiante. O senador ouviu a proposta, mas não disse nem que sim nem que não.
A ideia da anistia é tão ousada quanto absurda e certamente seria contestada no Supremo Tribunal Federal, mas há um precedente que anima a bancada bolsonarista. Em 1995, o Congresso derrubou a cassação e a inelegibilidade do senador Humberto Lucena (PMDB-PB). À época, ele foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder ao usar a gráfica do Senado para imprimir calendários com a sua imagem e distribuir a seu eleitorado antes de a campanha começar. Assim como Bolsonaro, ele perdeu os direitos políticos. Depois, Câmara e Senado aprovaram, e o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou, um projeto que tornou sem efeito a decisão da Justiça Eleitoral. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegou a contestar a decisão no STF, que atestou a legalidade da anistia. Esse é o caminho político que faz o ex-presidente acreditar que poderá disputar o Palácio do Planalto em 2026.
A situação legal de Jair Bolsonaro também está na pauta de acordos e conchavos dos candidatos à presidência da Câmara. No início de abril, o deputado Elmar Nascimento (União-BA), candidato a suceder a Arthur Lira (PP-AL), fez um aceno aos colegas bolsonaristas. Ele se encontrou com o ex-presidente da República Michel Temer para tratar de proposta que prevê uma anistia ao capitão — só que essa seria parcial e condicionada. Bolsonaro é alvo de inquéritos que investigam uma infinidade de crimes — fraude no cartão de vacinação, propagação de notícias falsas, desvio de joias do acervo público e tentativa de golpe de Estado. A ideia do deputado é a seguinte: se Bolsonaro for condenado por atentar contra a democracia, por exemplo, a pena seria imediatamente suspensa e ele não seria preso, exceto se praticasse novamente o mesmo crime. A inelegibilidade, porém, seria mantida. O argumento para justificar a proposta, de novo, é um tanto exótico. O parlamentar justifica que, no passado, crimes de tortura e assassinatos cometidos durante a ditadura foram anistiados como forma de pacificação. “Qual será a reação no país se Bolsonaro for preso? Será que não terá uma convulsão popular?”, endossa um apoiador do ex-presidente. Não é exatamente essa a principal motivação dos congressistas.
Michel Temer, aliás, foi procurado justamente pela relação que mantém com o ministro Alexandre de Moraes, o juiz do STF responsável pelos inquéritos que investigam Bolsonaro. Constitucionalista, o ex-presidente também teria sido instado a analisar juridicamente a proposta. O assunto, por enquanto, é discutido apenas nos bastidores. Assim como no Senado, os candidatos à presidência da Câmara precisam dos votos da bancada conservadora. São mais de 200 deputados. Qualquer sinalização na direção de livrar o capitão de uma punição serve como isca para fisgar apoio. Indagado a respeito, Elmar não quis se pronunciar sobre o assunto. Parlamentares próximos a ele, no entanto, explicam que a proposta tenta encontrar uma fórmula que beneficie o ex-presidente e, ao mesmo tempo, não desagrade ao Judiciário. Difícil. É perfeitamente possível imaginar a opinião de Alexandre de Moraes sobre tal abstração. Já Bolsonaro foi informado recentemente do projeto de anistia parcial. “Só depois que enterrarem o meu corpo”, disse. Parece que ele não gostou.
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