O começo da trajetória de Rui Costa como chefe da Casa Civil não foi nada tranquilo. No ano passado, o comandante da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sugeriu ao presidente Lula que demitisse o ministro. Reforçando a fritura, líderes de partidos culpavam Costa pelo descumprimento de acordos e, nos bastidores, chamavam-no de “trator” e “troglodita”. Petistas estrelados também reclamavam da falta de habilidade política do “capitão do time”, que estaria prejudicando a relação do governo com o Congresso e a harmonia dentro da máquina pública. Já assessores do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diziam que o chefe da Casa Civil sabotava os esforços da equipe econômica para equilibrar as contas públicas, principalmente quando minava as metas fiscais. Em poucos meses de trabalho, Rui Costa se tornou um dos quadros mais detestados da Praça dos Três Poderes. “Ele não entendeu que Brasília não é a Bahia, onde mandava e desmandava”, repetiam os críticos, referindo-se aos dois mandatos do ministro como governador do estado. Hoje, as queixas continuam e ainda são muitos os desafetos, mas a situação de Rui Costa é bem diferente.
Fiel à cartilha populista do chefe, o ministro converteu antigos rivais em aliados de ocasião, ampliou seu raio de influência no governo — ao construir uma sólida parceria com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD) — e ainda ganhou força como articulador político, esvaziando o trabalho do quadro formalmente responsável pela área, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. O acúmulo de prestígio ficou evidente no início de julho, quando Lula, num discurso em Feira de Santana (BA), elogiou o auxiliar: “A presença do Rui na Casa Civil, e a equipe que ele montou, é a certeza de que posso dormir toda noite tranquilo, que ninguém vai tentar me dar uma rasteira”. Esse processo de recuperação de imagem teve como catalisador o próprio presidente. Ciente das queixas contra o chefe da Casa Civil, Lula orientou Rui Costa a procurar os caciques do Congresso a fim de abrir canais de diálogo com quem tem voto e poder no Legislativo. Disciplinado, o ministro foi à luta.
De início, procurou o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento, seu adversário político na Bahia, que só não assumiu um cargo na Esplanada dos Ministérios por ter sido vetado pelo próprio Rui Costa. No encontro, o ministro indicou que não será um obstáculo à candidatura de Nascimento à presidência da Câmara e pediu ajuda para se aproximar de Arthur Lira. “Como se o Rui tivesse um voto aqui no plenário da Câmara”, desdenhou Nascimento ao relatar a conversa a terceiros. Mesmo assim, o deputado atendeu ao pedido e fez o meio-campo entre ele e Lira. Era o início de uma parceria profícua. O presidente da Câmara, que sugeriu a demissão do chefe da Casa Civil em 2023, agora só trata de assuntos de interesse dos deputados com ele, de preferência na residência oficial, onde Alexandre Padilha não pisa. Desde que os dois se aproximaram, a fama de Costa entre os deputados mudou radicalmente.
O estilo trator continua o mesmo, mas o ministro passou a ser considerado um competente articulador político, que negocia previamente os projetos que serão votados, além de um rigoroso cumpridor de acordos, que garante a liberação de cargos e emendas no prazo estipulado e faz ofertas tentadoras, como um ministério a Lira ao fim de seu mandato como presidente da Câmara. De rejeitado, Rui Costa caiu nas graças do Centrão. No último dia 10, ele foi um dos primeiros a chegar à festa de aniversário de Elmar Nascimento, que só o chamava de “meu amigo”. O mundo, de fato, dá voltas. No ano passado, quando ainda eram oponentes, Elmar Nascimento cogitou a instalação de uma CPI que teria Rui Costa como o principal alvo. A investigação não saiu do papel, mas o fato que seria apurado continua a tirar o sono do chefe da Casa Civil. O caso foi revelado por VEJA em 2022, tramita em sigilo na Justiça e trata da compra de respiradores pelo Consórcio do Nordeste, à época presidido por Rui Costa, então governador da Bahia.
O inquérito mostra, entre outras coisas, que o consórcio pagou quase 50 milhões de reais para comprar respiradores durante a pandemia de covid-19, não recebeu os produtos e ainda atestou que haviam sido entregues “em perfeitas condições”. No início deste ano, detalhes da investigação voltaram ao noticiário. O ministro, então, pediu para sua equipe identificar a origem dos vazamentos. Depois, queixou-se a Lula e à cúpula do Ministério da Justiça, afirmando ter identificado as digitais da Polícia Federal, comandada pelo delegado Andrei Rodrigues. Segundo Rui Costa, o caso ficou adormecido no Superior Tribunal de Justiça por anos e só voltou à tona quando foi enviado à Polícia Federal na Bahia. O desgaste com a PF não é isolado. Conhecido pela rispidez, Rui Costa acumula uma série de embates desde que assumiu o cargo (veja abaixo). Pelo menos outros dois estão em curso.
Cobrado recentemente por Lula a apresentar um plano para a área da segurança pública, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, alegou em conversas reservadas que o tal plano já estava há três meses nas mãos da Casa Civil, que preferiu deixá-lo em banho-maria. Como não é de seu feitio fomentar desavenças, Lewandowski não fará disso um confronto público, mas já deu seu recado a quem de direito. O outro desentendimento se desenrola sob os holofotes, é uma das marcas do atual governo e tem sido acompanhado com lupa pela classe política. É a rivalidade entre Rui Costa e Fernando Haddad. Além de reclamar da PF, o chefe da Casa Civil disse a políticos de sua confiança que o ministro da Fazenda também está alimentando o noticiário sobre o caso do Consórcio do Nordeste. Numa conversa, só se referiu ao colega de ministério aos palavrões.
Além dessa questão pontual, os dois duelam sobre os rumos da política econômica e a sucessão de Lula dentro do PT. Derrotado na eleição presidencial de 2018, Haddad é considerado o favorito para concorrer ao Planalto quando Lula não puder ou não quiser mais se candidatar. Rui Costa, que se apresentou como uma opção presidencial naquele mesmo ano, mantém o sonho de suceder ao presidente e hoje corre por fora. Desde o início do terceiro mandato, os dois ministros batem de frente em temas diversos, como reoneração dos combustíveis, pagamento de dividendos extras pela Petrobras e metas fiscais. Como defende o receituário populista do chefe, Rui Costa tem prevalecido em alguns casos importantes, porque fala aquilo que Lula quer ouvir. Um de seus mantras é o de que gasto é investimento. Nessa corrida particular, Rui Costa sabe que, se depender do PT e de aliados, ele acabará preterido.
Em 2010, o presidente ungiu a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como sua sucessora. Rui Costa torce pela repetição da história. Coincidência ou não, ele já foi chamado por Lula de “Dilma de calças”. Ríspido e sem carisma, exatamente como a petista, o ministro evita falar sobre seu futuro político. Recentemente, no entanto, deixou escapar que, em 2026, pode concorrer ao Senado pela Bahia. Essa possibilidade causou alvoroço, já que os senadores governistas Jaques Wagner (PT) e Angelo Coronel (PSD) tentarão a reeleição. Ou seja: seriam três aliados para duas vagas. Wagner não gostou da movimentação de Rui Costa. Já Angelo Coronel declarou à imprensa baiana: “Rui será candidato à Presidência, e eu ao Senado ao lado de Wagner, porque o ex-governador é um bom tocador de obras, é um gestor”. O ministro já tem um apoio a seu sonho presidencial. O desafio é acumular mais prestígio com Lula e conquistar o único apoio que de fato interessa.
Poderoso e odiado
O temperamento e os métodos de Rui Costa já resultaram em atritos e desentendimentos dentro do governo
Fernando Haddad
Assim como Rui Costa, o ministro da Fazenda é candidato à sucessão de Lula. Nos bastidores, os dois travam uma disputa de poder desde o início do governo. Haddad tem perdido algumas das últimas batalhas
Alexandre Padilha
Ao assumir as funções de coordenador político informal, o chefe da Casa Civil passou a negociar cargos, emendas e interesses do governo diretamente com o Congresso, o que esvaziou as atribuições do ministro de Relações Institucionais
Ricardo Lewandowski
Não é do perfil do ministro da Justiça promover embates públicos ou fomentar desavenças. Ele, no entanto, não ficou nada satisfeito com o fato de seu plano de segurança ter ficado dormitando na Casa Civil por mais de três meses
Janja da Silva
No início do governo, surgiu a informação de que a primeira-dama havia trocado os móveis do Palácio da Alvorada por peças mais luxuosas, ao custo de quase 200 000 reais aos cofres públicos. O vazamento foi atribuído à equipe de Rui Costa
Andrei Rodrigues
Durante a pandemia, Costa presidia o Consórcio do Nordeste, que gastou 48 milhões de reais para comprar respiradores que nunca foram entregues. O caso voltou a ser noticiado recentemente. O ministro responsabiliza o diretor da Polícia Federal