Óleo no Nordeste: município tem aumento de até 570% de toxina cancerígena ligada a petróleo

Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) detectaram um aumento de até 570% nos níveis de uma toxina cancerígena normalmente ligada ao petróleo em um município pernambucano que não consta da lista das cidades atingidas pelo derramamento de óleo produzida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o que vem impedindo pescadores de receberem auxílio do governo.

O município onde os pesquisadores da UFPE fizeram o achado foi Rio Formoso, a 88 quilômetros de Recife e com uma população de 23 mil habitantes.

Cientistas afirmam que o achado pode indicar que mais cidades não listadas podem estar sofrendo com a contaminação pela toxina. Após ser procurado pelo GLOBO, o Ibama disse que vai incluir a cidade na sua relação de localidades atingidas.

Desde 2014, os cientistas fazem o monitoramento de uma substância chamada HPA, que pode ser encontrada como subproduto de queimadas de canaviais ou estar vinculada ao petróleo.

Pesquisadores afirmam que a exposição a essa toxina pode causar doenças como câncer de pulmão, bexiga, esôfago e no sangue.

Em outubro do ano passado, em meio à comoção causada pela chegada do óleo às praias brasileiras, cientistas coletaram amostras do solo de uma localidade de Rio Formoso chamada Praia da Pedra. Lá, eles constataram que as concentrações de HPA das amostras estavam muito acima do que vinham registrando.

Em 2014, por exemplo, quando o estudo começou a ser feito, a concentração era de 43 nanogramas por grama. Em outubro de 2019, a concentração média encontrada no local foi de 142 nanogramas/grama, um aumento de 230% em relação ao nível registrado cinco anos antes.

Em alguns pontos, porém, as amostras registraram uma concentração ainda maior: 290 nanogramas/grama, um crescimento de 574% em relação a 2014.

Para a professora da UFPE Eliete Zanardi-Lamardo, responsável pela análise das amostras, a causa do aumento na concentração do HPA é o derramamento de óleo que atingiu a costa brasileira no ano passado.

— Não houve nenhum aumento de queimadas nos canaviais que pudesse justificar esses índices. A causa é mesmo o óleo — afirmou a cientista.

Eliete afirma que os índices encontrados em Rio Formoso, apesar de classificados como moderados, podem ser prejudiciais à população.

— Os efeitos dessa toxina se dão pelo cruzamento entre o nível da contaminação e a quantidade de tempo ao qual a pessoa fica exposta.Os pescadores que ficam na água por muito tempo podem acabar sendo afetados por esse nível de contaminação — afirmou a pesquisadora.

Os achados de Eliete fazem parte de uma série de estudos realizada pelo Projeto Ecológico de Longa Duração (PELD) Tamandaré, que agrega cientistas de diversas áreas para monitorar as condições de parte da costa pernambucana.

Pescadores reclamam de abandono

Em Rio Formoso, a constatação sobre a contaminação pelo HPA já vinha sendo sentida na pele dos moradores da região. É o que afirma a presidente da Colônia de Pescadores do município, Cícera Estevão Batista.

— Tem muita pescadora que passa o tempo inteiro na água e que desenvolveu problemas de pele desde esse derramamento de óleo — afirmou.

Cícera reclama da postura do governo federal que não vem considerando os níveis de contaminação por HPA nas praias do município para incluir Rio Formoso na lista de localidades afetadas pelo óleo.

Essa inclusão permitiria que pescadores do município pudessem receber um auxílio emergencial pago pelo governo federal por conta dos impactos na indústria pesqueira.

O Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco chegou a ingressar com uma ação civil pública pedindo a inclusão de uma série municípios na lista do Ibama, inclusive Rio Formoso. Em primeira instância, a Justiça Federal de Pernambuco acatou o pedido feito pelo MPF, mas a União recorreu da decisão.

Eliete Zanardi afirma que os achados em Rio Formoso podem indicar que outras localidades com níveis elevados de contaminação por HPA podem estar de fora da lista do Ibama, o que prejudicaria as populações que dependem da pesca.

— A gente não sabe ao certo os critérios que levaram o Ibama a incluir ou não as localidades nessa lista. Se o critério for apenas visual, o da mancha visível na areia, isso pode acabar deixando de fora localidades onde não havia mancha visível, mas que estão contaminadas — lamenta.