Anna Karla afirma que as comunidades acionam umas às outras para se fortalecer — Foto: Leandro de Santana/Frente Favela Brasil
“Não é realidade para a comunidade falar em álcool em gel, porque isso sequer vende na farmácia… Falar de isolamento social, quando há casas com grande número de pessoas vivendo em dois cômodos, e quando quem mora na favela é o cobrador de ônibus, o enfermeiro, quem está na linha de frente. Não é realidade falar em lavar as mãos frequentemente quando falta água. Por isso, mais importante é orientar as pessoas a dissolver sabão em garrafas e dar ao vizinho que não tem como se higienizar, por exemplo”
O depoimento é de Anna Karla Pereira, articuladora social, mestranda em história e especialista em gestão pública, que tem se virado como pode para minimizar os efeitos da pandemia de coronavírus na comunidade onde mora, no Ibura, Zona Sul do Recife. Segundo ela, uma rede tem se formado, entre bairros distintos, para compartilhar desde informações até cestas básicas.
Um exemplo da solidariedade que se formou diante da crise foi a doação de dez cestas básicas da Várzea, na Zona Oeste do Recife, para as pessoas do Ibura.
“Quando chegamos aqui, soubemos que tinha uma situação de urgência em Caranguejo Tabaiares [em Afogados, na Zona Oeste]. Aí já dissemos ‘eita, então tira uma daqui e leva para lá’. A gente acaba sabendo de situações extremas e um aciona o outro para se fortalecer. Quando alguém consegue, em outra comunidade, algo que falta aqui, a gente compartilha”, afirmou.
De acordo com Anna Karla, há, ao menos, 30 comunidades articuladas, para tentar diminuir os efeitos da pandemia nas áreas mais pobres das cidades de Pernambuco.
Cestas básicas foram doadas de uma comunidade para a outra, no Recife — Foto: Reprodução/WhatsApp
As cestas básicas que chegaram em Caranguejo Tabaiares foram para uma moradora que, mãe de cinco filhos, não tinha o que dar de comer às crianças. Dois dos filhos dela são gêmeos recém-nascidos e o pai, guardador de carros, perdeu a fonte de renda durante a época de isolamento social.
Foi do Gris Solidário, um espaço de atendimento terapêutico e educacional que atende, gratuitamente, crianças na Várzea, que saíram as dez cestas básicas. A fundadora e coordenadora do espaço, Joice Paixão, conseguiu distribuir 205 cestas básicas, desde o fechamento do local, diante de um decreto estadual para incentivar o isolamento social.
“Recebemos fardos de doações de pessoas e empresas, além de cestas fechadas. Já tínhamos nossas famílias contempladas e deixamos uma margem, porque sempre aparece alguém precisando. Também doamos a comerciantes que ficaram sem ter como se sustentar. Depois disso, fizemos a doação de dez cestas ao pessoal do Ibura”, afirmou.
Ainda segundo Joice Paixão, apesar das dificuldades, a solidariedade tem sido uma constante durante a pandemia, nas comunidades onde ela atua.
“Temos visto pessoas em situações surreais. Por isso é tão importante as comunidades se apoiarem. Sempre tem alguém precisando de um leite específico, fraldas descartáveis, produtos de higiene, aí, quem tem, avisa e vamos buscar. Estamos nesta corrente para poder fazer o mínimo, porque solucionar não é possível”, declarou.
Joice Paixão (esquerda) é fundadora do Gris Solidário e articula doações de cestas básicas para moradores — Foto: Reprodução/WhatsApp
Da forma como as pessoas do Ibura foram beneficiadas por doações vindas da Várzea, o contrário também acontece. Anna Karla foi quem escreveu o texto e articulou a gravação de uma mensagem que tem sido veiculada em diversas comunidades do Recife, por meio de bicicletas e motos de som alugadas pelos próprios moradores, para fazer as informações sobre a pandemia circularem.
Por meio de monitoramento de mais de 700 mil celulares, a prefeitura do Recife tem enviado carros de som aos locais em que os moradores seguem menos a recomendação de isolamento social. Entretanto, para Joice Paixão, isso não é o suficiente.
“Os carros passam na avenida, mas a maioria das pessoas não mora nesses locais. Alugamos a bicicleta de som porque passa em beco, em viela, que é onde está a população que mais precisa. No beco onde eu moro, por exemplo, acaba tendo festa todo dia, nas casas onde, inclusive, moram idosos”, declarou.