Em meio à crise pelo novo coronavírus e sob comando interino de um general, o Ministério da Saúde tem ampliado o número de militares em postos-chave.
O processo já atinge até mesmo cargos estratégicos em áreas especializadas de assistência em saúde. Ao longo do último mês, ao menos 21 militares foram nomeados, de acordo com levantamento feito pela reportagem em publicações do Diário Oficial da União.
A maioria é ligada ao Exército e veio de unidades ligadas a setores de pagamento e pessoal, finanças e logística. Sem experiência prévia na área da saúde, parte expressiva foi colocada em cargos de direção e coordenação na Secretaria-Executiva.
Outra parte está em pastas mais técnicas, que costumavam ser ocupadas por pessoas altamente especializadas.
O processo de militarização na saúde começou com a entrada do general Eduardo Pazuello como número 2 da pasta, ainda na gestão do ex-ministro Nelson Teich. Coordenador da Operação Acolhida, voltada a apoio a imigrantes venezuelanos, Pazuello teve apoio de outros ministros generais para ocupar o cargo.
Com a saída de Teich, Pazuello ficou como interino à frente da pasta. Desde então, as nomeações foram intensificadas. Só nesta semana, 13 foram publicadas.
A maioria é concentrada em cargos de direção e coordenação na Secretaria-Executiva, área que responde pela aprovação de editais, processos de logística, auditorias e administração de recursos do SUS.
Recentemente, porém, houve nomeações também para cargos de direção em duas pastas estratégicas, caso das Secretarias de Atenção Primária e de Atenção Especializada, que respondem por ações voltadas a unidades básicas de saúde e hospitais.
É o caso da médica e primeira-tenente Laura Tiriba Appi, que foi nomeada inicialmente como assessora do ministro e, em seguida, como diretora de programa na Secretaria de Atenção Primária. Na prática, ela tem atuado junto ao ministro e é uma das poucas que veio da área da saúde. Procurada pela reportagem, ela não quis comentar.
Marcelo Sampaio Pereira, que também é ligado ao Exército, entrou como diretor de programa na Secretaria de Atenção Especializada.
Servidores de carreira do ministério, no entanto, apontam que já há mais militares em atuação. Dentro da pasta, o grupo costuma dizer que veio para uma missão e está em força-tarefa. A lista de nomeações deve aumentar nos próximos dias.
No dia 4 de maio, o Comando do Exército publicou uma portaria no Diário Oficial da União na qual “passou à disposição” 17 militares para o Ministério da Saúde. Desse total, 11 já foram nomeados, o que indica que o número ainda deve crescer.
Além do ministro interino, militares também já respondem por duas das sete secretarias da pasta. Ex-secretário de Saúde de Roraima, cargo que ocupou entre abril e junho de 2019, o coronel Antônio Élcio Franco é hoje substituto de Pazuello na Secretaria-Executiva.
Já o coronel Robson Santos da Silva, que entrou ainda na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, permanece à frente Secretaria de Saúde Indígena. Antes de assumir a pasta, ele atuou como assessor no Ministério da Educação e na equipe de transição. Ex-membros da equipe de Mandetta afirmam que ele era um dos poucos nomes do Exército na última gestão.
A entrada de militares tem preocupado servidores, que dizem que o cenário lembra uma intervenção e chamam a atenção para a falta de conhecimento técnico em saúde. Eles dizem ainda que, nos últimos anos, nunca houve tantos militares em cargos na pasta. Alguns substituem pessoas que estavam há anos no ministério, mas em cargos comissionados.
Mesma avaliação foi dada por Mandetta em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. “Vi a entrada de um número grande de militares. Eles têm conhecimento de logística, de operações. Mas não trabalham com o SUS”, afirmou.
O grupo recém-nomeado atuava em diferentes partes do país, como Rio de Janeiro, Fortaleza, Boa Vista, Taubaté (SP) e Manaus, além de uma parte que servia em Brasília.
Dos 21 nomeados, apenas 2 estavam atuando diretamente antes em uma área próxima da saúde, caso de Appi e do capitão Mario Luiz Ricette Costa, da Diretoria de Saúde do Exército, em Brasília, e que assumiu como assessor técnico na Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Em comum, alguns atuaram com Pazuello na intervenção federal em Roraima ocorrida no último ano.
Questionado pela reportagem, o Exército não informou se os nomes presentes na portaria foram solicitados nominalmente pelo Ministério da Saúde ou se foram indicações próprias. Procurado, o Ministério da Saúde também não respondeu.
Em reunião com secretários estaduais e municipais de Saúde nesta quinta-feira (21), Pazuello, porém, agradeceu o Ministério da Defesa por ter cedido profissionais e disse que a atuação é temporária.
“Em princípio serão só 90 dias. São pessoas preparadas para lidar com esse tipo de crise, e precisamos desse tipo de preparo”, disse. “É temporário e vou ter de substituí-los ao longo dos 90 dias. Vamos substituindo e colocando no momento de maior normalidade.”