Mas, segundo o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a origem desse dinheiro é lícita, sem nenhuma ligação com possíveis desvios investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em suposto esquema das “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia.
Nesse tipo de esquema, servidores públicos ou prestadores de serviços da administração são coagidos a devolver parte de seus salários a políticos ou assessores dos gabinetes. Segundo a Promotoria, Queiroz seria o operador desse esquema -Flávio foi deputado estadual de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.
Os possíveis crimes apontados pelo MP-RJ são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. Queiroz, que é policial militar aposentado e ex-assessor do atual senador, foi preso em junho, em Atibaia (interior de São Paulo), em um imóvel do advogado Frederick Wassef, então responsável pelas defesas de Flávio e do presidente.
“Se ele [Wassef] se sensibilizou e deixou o imóvel para ele [Queiroz] usar, não tem crime nenhum nisso, nada de errado. Agora, é óbvio que isso não podia ter acontecido nunca. Foi um erro. Se [Wassef] tivesse comentado comigo, diria que ele estava sendo imprudente. Dá margem para as pessoas pensarem que a gente estava ali escondendo o Queiroz. Agora, cabe lembrar: escondendo de quê? Queiroz nunca foi procurado pela policia.”
Queiroz e Jair Bolsonaro se conheceram no Exército e são amigos há mais de 30 anos. Foi por meio de Jair que o ex-assessor ingressou no gabinete de Flávio. Em 10 de julho, Queiroz deixou o Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio, para cumprir prisão domiciliar. O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, concedeu o benefício a pedido da defesa.
A Promotoria também sustenta que o dinheiro em espécie obtido com o suposto esquema teria sido utilizado em benefício pessoal de Flávio, para quitar contas de plano de saúde e mensalidade da escola das filhas. Questionado pelo jornal sobre ter despesas pessoais pagas por Queiroz, Flávio disse: “Pode ser que, por ventura, eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?
No pedido de prisão de Queiroz, o Ministério Público mostra que o ex-assessor aparece em imagens captadas no caixa de um banco, em 1º de outubro de 2018, portando elevada quantia de dinheiro em espécie e dois títulos bancários. A partir de requerimentos ao banco e análise de declarações de imposto de renda, a investigação concluiu que naquele dia o ex-assessor pagou a mensalidade escolar das duas filhas de Flávio.
Flávio afirma que entregou o dinheiro para que Queiroz fizesse pagamentos pessoais e sugere que a origem dos recursos era lícita. O Ministério Público, no entanto, afirma que o senador e sua mulher não realizaram nenhum saque nos 15 meses anteriores à data dos títulos pagos por Queiroz.
Segundo os promotores, esse é um indicativo de que as mensalidades foram pagas com dinheiro do esquema da “rachadinha”. O MP-RJ sugere ainda que outros 114 boletos bancários do senador teriam sigo pagos com valores desviados da remuneração dos assessores.
“É desproporcional o que o MP [Ministério Público] quer fazer comigo e a projeção que isso tem na imprensa, pelo simples fato de eu ser filho do presidente. Se não fosse isso, se bobear, já tinham arquivado (a investigação) pelo princípio da insignificância.”
Também indagado pelo jornal por que tantos assessores de seu gabinete deram dinheiro a Queiroz, o senador afirmou: “Ele fez um posicionamento junto ao MP [Ministério Público] esclarecendo essas questões. Disse que as pessoas que faziam os depósitos na conta dele eram da chamada equipe de rua. Queiroz afirma que pegava o dinheiro para fazer a subcontratação de outras pessoas para trabalharem em redutos onde ele tinha força. Sempre fui bem votado nesses locais. Talvez tenha sido um pouco relaxado de não olhar isso mais de perto, deixei muito a cargo dele”.
Em março do ano passado, após Queiroz afirmar à Promotoria que recolhia parte dos salários dos assessores para fazer contratações informais, a Assembleia do Rio emitiu nota dizendo que a prática é proibida. Na ocasião, a Casa ressaltou que não é permitida a contratação de qualquer funcionário sem sua nomeação, publicada em Diário Oficial.
Na mesma entrevista publicada nesta quarta-feira, Flávio tenta minimizar a importância dos repasses dos assessores a Queiroz, afirmando que 80% dos recursos vieram de membros da própria família do policial militar aposentado. As transações financeiras obtidas pelo Ministério Público, no entanto, contradizem a versão do senador.
“Mas é obvio que, se soubesse que ele fazia isso, jamais concordaria. Até porque não precisava, meu gabinete sempre foi muito enxuto, e na Assembleia existia a possibilidade de desmembrar cargos. Outra coisa importante: mais de 80% dos recursos que passaram pelo Queiroz são de familiares dele. Então, qual o crime que tem de o cara ter um acordo com a mulher, com a filha, para administrar o dinheiro?”
Segundo o Ministério Público do Rio, 11 assessores vinculados ao então deputado estadual repassaram ao menos R$ 2 milhões a Queiroz, no período de 2007 a 2018, sendo a maior parte por meio de depósitos em espécie.
Do total, cerca de 60% foi repassado a Queiroz pela mulher, Márcia Aguiar, e pelas filhas, Nathalia Queiroz e Evelyn Queiroz. Mais de R$ 800 mil foram transferidos por outros oito ex-assessores de Flávio. Além disso, no mesmo período, Queiroz sacou R$ 2,9 milhões, o que indica que o volume entregue a ele pode ter sido maior. Por isso, o MP-RJ ressalta que o esquema pode não ter se limitado aos 11 assessores identificados pelos registros bancários.
Ainda na entrevista ao Globo, Flávio defendeu a nomeação de indicados do centrão para cargos no governo Bolsonaro e elogiou a atuação de Augusto Aras no comando da Procuradoria-Geral da República. “Aras tem feito um trabalho de fazer com que a lei valha para todos. Embora não ache que a Lava Jato seja esse corpo homogêneo, considero que pontualmente algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro. Se tivesse desmonte das investigações no Brasil, não íamos estar presenciando essa quantidade toda de operações.”