O médico Roberto Ivo Pasquarelli Neto, suspeito de importunação sexual durante consultas médicas em São Vicente, no litoral de São Paulo, está ‘absolutamente indignado’ com as acusações, afirmou seu advogado de defesa ao G1 nesta quinta-feira (13). A reportagem ouviu os relatos de uma recepcionista e de uma vendedora, que alegaram terem sofrido o assédio e denunciaram às autoridades a conduta do profissional, que foi afastado de suas funções, segundo a prefeitura.
Procurado pelo G1, o advogado criminalista Marcelo Cruz afirma que seu cliente nega todas as acusações e que o médico registrou um boletim de ocorrência de denunciação caluniosa e injúria contra uma das pacientes. Em entrevista, o defensor alega que o B.O. foi registrado assim que o profissional da saúde teve conhecimento da denúncia.
O médico foi intimado a depor na Delegacia de Defesa da Mulher de São Vicente, de acordo com informações da Polícia Civil. Ele realizava atendimento no Centro de Combate ao Coronavírus, equipamento do município exclusivo a pessoas com sintomas da Covid-19.
“Ele não só nega visceralmente como encontra-se absolutamente indignado. Ele está tão indignado que foi até a delegacia registrar boletim de ocorrência de injúria, tamanha a indignação. [A denúncia] trouxe um abalo profissional, social e sobretudo familiar”, alega Cruz.
Ainda segundo o advogado, o profissional da saúde diz que é ‘impossível’ que os dados narrados tenham acontecido. O defensor diz que o médico confirma que atendeu a paciente, mas alega que não era possível o assédio, já que a porta estava aberta e pessoas passavam a todo momento. “Por ser um órgão de saúde pública, há pessoas passando o tempo todo, e a porta estava a todo instante aberta”, completa o advogado.
De acordo com Cruz, a defesa vai pedir que a denúncia seja apurada. “Agora, estou entrando com uma representação solicitando a extravasão de inquérito policial, para apurar essa denunciação caluniosa, e depois, a queixa crime para o crime de injúria. São duas ações criminais”, explica o advogado.
O advogado explica que essa solicitação é relativa à denúncia de apenas uma das vítimas, a recepcionista, e que não foi realizado nenhum registro formal a respeito da vendedora, porque ainda não foi feito um boletim de ocorrência sobre o segundo caso relatado ao G1.
Crime aconteceu durante consulta no Centro de Controle de Coronavírus em São Vicente, SP — Foto: Divulgação/Prefeitura de São Vicente
Denúncias
Na última terça-feira (11), o G1 entrevistou a paciente Vivian Herculano Salvatore. Ela diz que, após sentir sintomas relacionados à Covid-19, procurou atendimento médico no Centro de Combate ao Coronavírus da cidade, e o médico teria dito que ela não estava com o novo coronavírus, mas sim que estava sob estresse. O profissional ainda teria indagado seus passatempos e afirmado que ela precisava desestressar, parando em sua frente e perguntando se ela não tinha vontade de ‘calor humano’.
“Ele foi afastado de lá, mas pode continuar em outros lugares fazendo isso, não foi o suficiente ainda. Mas foi um primeiro passo importante, espero que as pessoas que passaram pelo mesmo possam denunciar. Estou determinada a ir até o fim para ele ter o que merece, vou lutar para proteger outras mulheres. Ele é uma pessoa sem escrúpulos, se aproveita das pessoas que estão passando por um momento ruim. Só não quero que outras pessoas passem por isso”, acrescenta Vivian.
O caso de Vivian é investigado como crime de importunação sexual na Delegacia de Defesa da Mulher de São Vicente.
Após a denúncia da recepcionista, uma vendedora relatou ao G1 que também passou por situação parecida. Jocimari Fonseca, de 27 anos, que está com Covid-19, contou que ouviu do profissional que estava estressada e que precisava ‘dar uma relaxada’.
“Quando entrei, ele falou que minha pressão estava alta e que poderia ser emocional, que eu estava estressada e precisava relaxar. Falei que não estava entendendo por que relaxar, então, ele se levantou, ficou perto de mim e falou que oportunidade eu tinha, e questionou se me faltava vontade ou coragem, exatamente como aconteceu com a outra paciente”, conta.
Após o médico assedia-la, ela relata que demonstrou estar brava com a situação. “Eu então perguntei se era só isso e se eu poderia sair. Ele disse que ‘já que você não é [corajosa], era só aquilo mesmo’, e que eu poderia ir embora”, diz.
A vítima afirma que tentou registrar boletim de ocorrência pela Delegacia Eletrônica durante toda esta semana, mas que não conseguiu, porque o sistema apresenta erro no registro. Devido ao diagnóstico positivo para o novo coronavírus, ela disse que aguarda o fim da quarentena para comparecer pessoalmente à delegacia. Apesar disso, afirma que escreveu uma carta a próprio punho relatando o ocorrido e a entregou no Centro de Combate ao Coronavírus, onde diz ter recebido todo o apoio da equipe para seguir com a denúncia.
Caso foi registrado na Delegacia de Defesa da Mulher de São Vicente, SP — Foto: Anna Gabriela Ribeiro/G1
Conselho Regional de Medicina
Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) informa que não foi oficialmente acionado, até o momento, e que poderá abrir sindicância para investigar se houve infração ao Código de Ética. O conselho relata, também, que o médico mencionado não responde a qualquer outra sindicância atualmente.
Caso seja instaurada sindicância para o caso, e a fase da investigação aponte indícios de infração ética – que consiste no descumprimento de algum artigo do Código de Ética Médica –, é aberto processo ético-profissional. Concluída a fase de instrução do processo ético-profissional, o próximo passo é o julgamento.
Após o julgamento, sendo constatada a culpabilidade, os Conselhos Regionais de Medicina podem aplicar cinco penalidades, previstas no Artigo 22 da Lei 3.268/57:
- PENA A – Advertência confidencial em aviso reservado;
- PENA B – Censura confidencial em aviso reservado;
- PENA C – Censura pública em publicação oficial;
- PENA D – Suspensão do exercício profissional de 01 (um) a 30 (trinta) dias e;
- PENA E – Cassação do exercício profissional (ad referendum do Conselho Federal de Medicina).
Até o trânsito em julgado, o registro de um profissional médico permanece ativo. Caso o conselho constate potencial de lesividade social, poderá aplicar uma interdição cautelar, suspendendo o registro.
Ainda segundo o conselho, depois que um processo é julgado no âmbito do Cremesp, ele passa pelas fases subsequentes: vista do acórdão; contra razões (em caso de processo com denunciante); julgamento pelo Conselho Federal de Medicina (caso seja apresentado recurso); e, finalmente, a aplicação de pena. Após essas fases, o processo é arquivado.
- SÃO VICENTE
- COM G1