MP investiga suposta contratação de funcionários fantasmas desde o primeiro mandato por Carlos Bolsonaro

No inquérito em que investiga a suposta contratação de funcionários fantasmas no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem-partido), o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) encontrou indícios da prática já no primeiro mandato dele na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a partir de 2001.

No relatório, o MPRJ afirma ainda que “há indícios, ao menos em tese, do crime de peculato na contratação de servidores de Carlos Bolsonaro”. A Subprocuradoria-Geral de Justiça aceitou o pedido dos promotores e decidiu abrir um procedimento investigatório criminal.

Pelo menos oito pessoas já foram ouvidas pelos promotores desde julho do ano passado. Entre os investigados, há funcionários que não apareciam na Câmara em meses. Alguns deles nem sequer tinham crachá de servidor.

Outros estudavam ou tinham outro emprego enquanto estavam nomeados no gabinete do vereador.

Idosos de fora do Rio
No relatório, o MPRJ destacou a contratação de “servidores com idade elevada, e que moram em outros municípios e até em outros estados, distantes de onde é exercido o mandato do vereador Carlos Bolsonaro”.

Para os promotores, isso “inviabilizaria o cumprimento das funções de assessoria parlamentar”.

Uma das contratadas foi Diva da Cruz Martins, de 72 anos, moradora de Nova Iguaçu. Diva foi lotada entre 2003 e 2005 — ou seja, no primeiro e no segundo mandatos — no gabinete do vereador e recebia R$ 3 mil por mês.

“Eu não encontrava com ninguém. Eu ia lá e voltava, não sei nem quem trabalhava lá. Não sei nem quem era funcionário, quem não era”, disse à GloboNews.

Diva não soube dizer aos promotores qual era a denominação do seu cargo. Ela disse em depoimento que “seu trabalho” era “comparecer à Câmara de Vereadores uma vez por mês, buscar uns folhetos e distribuir às pessoas no Centro de Nova Iguaçu”.

A ex-servidora também contou aos promotores que, nesse dia do mês que usava para buscar os folhetos de seu trabalho, aproveitava para assinar o ponto.

À GloboNews, Diva repetiu a resposta dada ao MP.

“Eu fazia panfleto aqui em Nova Iguaçu. Eu pegava lá e trazia para cá”, afirmou.
Para Michael Mohallem, professor de direito penal, atividades de um vereador do Rio fora do município “devem ser excepcionais”.

“A atividade cotidiana, serviço para o qual o servidor é pago com recursos do contribuinte do Município do Rio, tem que ser exercida naturalmente no munícipio”, disse.

Mas um ofício da Câmara sobre a frequência dos servidores do gabinete de Carlos Bolsonaro mostra que entre os anos de 2003 e 2005, diva não esteve nenhuma vez na Casa.

Diva disse para a GloboNews que não batia ponto nem tinha crachá na Câmara.

Resende-Rio
O Ministério Público ouviu também o casal Ananda e Guilherme Hudson, que trabalhou para o vereador.

Ananda Hudson foi servidora da Câmara de março de 2009 até agosto de 2010. Enquanto exercia a função de assessora parlamentar, Ananda cursou o último ano da faculdade de letras em Resende, no Sul do RJ, que fica a 171 km da Câmara — um trajeto percorrido em cerca de três horas, de carro.

Perguntada como conciliava o último ano do curso em Resende com o trabalho no Rio de Janeiro, Ananda disse que ia e voltava de Resende todos os dias, e fazia as aulas no período noturno. E que ela e o marido assinavam o ponto uma vez por mês.

Ananda disse aos promotores que não se lembrava do nome de nenhum outro servidor do gabinete de Carlos Bolsonaro e que jamais participou de uma reunião com o vereador.

Guilherme, marido de Ananda, foi chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro entre abril de 2008 e janeiro de 2018. Assumiu o cargo no lugar da prima, Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro.

Mesmo com o cargo de chefia, guilherme disse aos promotores que “nunca teve crachá”.

Guilherme disse ainda que “fazia análise da constitucionalidade e elaborava textos para projetos de lei”. Segundo o ex-assessor, os projetos eram revisados pela esposa, Ananda, para adequação à norma culta da língua.

“Quando redigia os projetos de lei, os salvava em pen-drives e entregava diretamente ao vereador, de forma que não tem registros desses trabalhos”, disse o MP.

Guilherme afirmou que, ao longo do tempo em que atuou como chefe de gabinete, trocou pouquíssimos e-mails com Carlos Bolsonaro.

O que dizem os envolvidos
A GloboNews perguntou se a defesa do vereador Carlos Bolsonaro gostaria de gravar entrevista sobre o teor da reportagem. O advogado Antonio Carlos Fonseca se manifestou por meio de nota.

“Em razão do sigilo decretado no procedimento, as informações necessárias para comprovar as tarefas desempenhadas pelos funcionários desde 2001 estão sendo apresentadas ao MP, que inclusive já foi comunicado que o parlamentar está à disposição e empenhado em esclarecer os fatos”, afirmou.

Já o advogado Jefferson de Carvalho Gomes, responsável pela defesa de Guilherme e Ananda informou que os os dois “já prestaram os devidos esclarecimentos ao Ministério Público em procedimento investigatório sigiloso”.

“Cientes de que jamais cometeram qualquer ato ilícito, confiam na lisura das instituições e aguardam pelo desfecho do procedimento acima citado”, emendou.